"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Com a 'Geringonça' a direita aprendeu o funcionamento do sistema parlamentar constitucional, foi a Lição n.º 1. Com António Costa a direita, e os comentadores de serviço nas televisões, o que vai dar quase no mesmo, aprenderam a Lição n.º 2: o Governo responde perante o Parlamento, malgré a construção da figura Presidente a que Marcelo se dedicou desde o primeiro dia do primeiro mandato.
[Imagem "Cambezes Do Rio, Portugal - The village school, children are distracted, circa 1900. Photo by Georges Dussaud]
No início, no ano zero da democracia, os pais fundadores, que tinham tido vida própria antes, alguns a vida destruída, desfeita, escangalhada, revirada do avesso numa luta contra a ditadura do Estado Novo, vestiam a camisola e metiam a causa pública à frente de tudo, depois veio a normalização, o partido deixou de ser aquilo que chegou a ser o mais parecido com uma colectividade onde as pessoas se encontravam para discutir política, trocar ideias, vestir a camisola, e começou a era dos aparelhistas, paridos e criados nas jotas, a imeeeeensa maioria sem contacto com a vida real e o mundo do trabalho, que não fizeram mais nada na puta da vida que intrigar e conspirar, e agora começa a merda a cheirar mal, como diz o povo, com o "Governo paródia" em todo o seu esplendor. Calhou a calhar ao PS mas mais tarde ou mais cedo vai acontecer com os outros, com os do "arco da governação" e do "sentido de Estado", se calhar com menos projecção mediática, mas a isso já estamos habituados, nós e eles. Miséria.
Estas duas notícias, lado a lado no online do Correio da Manha [sem til], durante a vigência de um Governo PS, alegadamente de esquerda e a governar com o "Orçamento de Estado mais à esquerda" desde que há esquerda, é aquilo que a tropa-fandanga do "sentido de Estado" classifica como "populismo".
António Costa, entalado por sucessivas trapalhadas no Governo, a que é alheio, obviamente, nunca tem nada a ver com nada, nunca sabe de nada, se calhar os trapalhões nem foram escolhidos por ele, e depois há o tempo da justiça e coise, quis entalar Marcelo, o rei da chico-espertice, para o caso presidente, com um questionário. Cheio de estudos, e de barrigadas de sopa fria, o rei da chico-espertice não só se descartou como destrunfou o aprendiz com um "é óbvio que o questionário de escrutínio também se aplica aos actuais governantes" sem dizer, também nenhum estagiário lhe perguntou, se o Presidente também era homem para responder às perguntinhas mágicas.
Um secretário de Estado com negócios ligados a empresa de lixos e resíduos, incluindo importação de lixo radioactivo, depois de um ministro do Ambiente que autorizou um outlet em reserva natural, depois de um ministro do Ambiente que autorizou o abate de sobreiros para construção de um campo de golfe, para depois aparecer a pedir que o preço da água reflicta a escassez do recurso, por curiosidade, e só por curiosidade, todos do Partido Socialista. Não há nada a que o ser humano não se habitue.
A verdade é que pessoas do PS, anónimos, conhecidos, militantes, avençados, que por estes dias passam o dia nas redes a recuperar casos e casinhos, com barbas de antigos, para apontarem o dedo à direita em matéria de corrupção, compadrio, incompatibilidades, amiguismos, ganhos indevidos, condenações, currículos martelados, etc, se despendessem o mesmo tempo, e tivessem o mesmo grau de exigência, com a classe dirigente do partido, a vida política era muito mais transparente, respeitável, e respirável.
António 'Mizaru' Costa não viu nada; António 'Kikazaru' Costa não ouviu nada; António 'Iwazaru' Costa não disse nada. António Costa não tem de saber o que se passa nos ministérios e nas secretarias de Estado, é para isso que existem ministros e secretários de Estado. E não foi António Costa quem fez, deixou de fazer, se portou mal ou abotoou com o que não lhe era devido. Mas há uma coisa a que António 'três macacos sábios' não pode fugir: é ele quem, alegadamente, escolhe os seus ministros e secretários de Estado.
Cavaco Silva aproveita o Dia da Criança para pedir desculpa pelo atraso com que felicita António Costa pela vitória nas legislativas, só possível pelas benesses do PSD e a infantilidade dos comunistas e bloquistas, e desata a escrever em como os seus governos foram bué bons, das reformas que o seus governos fizeram, algumas contra a vontade do PS, que foi ele quem inaugurou as maiorias absolutas, em como a sua pessoa foi e é importantíssima na história de Portugal e, não fora ele e os seus governos bué bons, o Costa andava hoje à nora na ingovernabilidade, por culpa das reformas que o PS não queria fazer era ele primeiro-ministro, e dá umas dicas, de borla, sobre onde e como António Costa deve reformar para ficar para a história quase como ele, Cavaco Silva. Cavaco Silva é a pessoa mais mal formada que pode haver.
Marcelo, que na primeira oportunidade que lhe surgiu dissolveu o Parlamento com a desculpa esfarrapada do chumbo do Orçamento do Estado; Marcelo, que conspirou activamente para substituir Rio por Rangel na liderança do PSD; Marcelo, que contra a opinião de todos os partidos com assento parlamentar atrasou ao máximo que lhe foi possível as legislativas para dar margem à liderança laranja saída das directas que, para mal dos seus pecados, calhou a Rui Rio, é o Marcelo que aproveita o anunciado, com mais de um mês de antecedência, discurso da tomada de posse do Governo, bocejante, entediante, sem fio de jogo qual futebol da Selecção Nacional de Fernando Santos, para extrapolar a importância europeia de António Costa e ameaçar com a bomba atómica da dissolução parlamentar caso o primeiro-ministro tenha a veleidade de sonhar com um lugar na nomenclatura europeia. Marcelo o ressabiado-mor da Nação caído de beiços nas mãos de uma maioria absoluta parlamentar.