"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Pessoa que aguardava há 10 horas na urgência para ser atendida dava entrevistas para as televisões na porta do hospital para a abertura dos telejornais. Os telejornais, que voltaram às urgências cheias depois de se terem fartado de estar nos centros de saúde, cheios de pessoas que não foram urgências porque para tal não se justificava ou por para lá terem sido encaminhadas pelo Saúde 24. As urgências estavam cheias porque coise e logo os centos de saúde porque coise estavam cheios. Um processo histérico-induzido para atrair papalvos na luta pelas audiências. Ao volante de uma ambulância na porta do hospital um cidadão com sotaque brasileiro deixava "os caras estão fazendo tudo direito lá dentro, o caso é que há gente a mais". 15 minutos de fama, imbecilidade jornalística, e não nos fodam, com efe grande.
Esta histeria mediática, e consequente aproveitamento político-partidário, com as urgências hospitalares faz lembrar quando Correia de Campos, ministro da Saúde, empreendeu uma reestruturação dos hospitais e centros de saúde e todos os dias nascia uma criança numa ambulância. Depois, como por artes mágicas, deixaram de nascer cidadãos em quatro rodas e em andamento.
Ora se uma urgência hospitalar só tem capacidade para xis doentes e lhe aparecem xis + ípsilon, a menos que a ideia seja deixá-los morrer à porta, como nos States, modelo de assistência e cuidados de saúde para aqueles que por ora se indignam com a qualidade do serviço prestado nas urgências, obviamente que têm de ficar pelos corredores.
Às vezes também calha ir com o carro à revisão e estar a oficina cheia [que bom para o dono e empregados] e o tempo de espera ser de uma semana, e outras nem por isso e numa manhã o assunto é despachado. É exactamente a mesma coisa. E qualquer engenheiro sabe que, tirando bacias de tempestade, é errado dimensionar para picos.
Ainda assim é preferível ser tratado no corredor duma urgência do SNS que numa enfermaria xpto do NHS, que enche os bifes de peneiras a ponto de lhe terem dedicado uma coreografia nos Olímpicos de Londres.
O Governo, que administra o Estado, cria legislação que permite ao Estado pagar com o dinheiro dos dias de trabalho do contribuinte, por via do Orçamento do Estado, a uma empresa privada que contrata médicos para, temporariamente, trabalharem num hospital público, do Estado, do contribuinte, do cidadão, ganhando tanto ou mais com cada médico contratado do que o médico contratado vai ganhar.
E depois há os que fazem contorcionismo, até espremer o osso [ortopedia em hospital público, do Estado, pago com o dinheiro dos dias de trabalho do cidadão] para conciliar Juramento de Hipócrates [descoberto na manhã da véspera de Natal] com contenção de custos na saúde, cortar gorduras e acabar com a má-despesa, rigor e exigência, até a culpa cair no médico.