"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Foi há 11 anos, mais precisamente no dia 2 de Julho de 2013, terça-feira, pelas 16.20, que Paulo Portas apresentou a sua demissão irrevogável, chateado pela promoção de miss Swaps a ministra das Finanças. Durou quatro dias, até lhe passar com a subida na hierarquia ministerial a um cargo até então inexistente: vice-primeiro-ministro. Ficou arquivado mas não ficou esquecido. "Há mais marés que marinheiros", "A vingança serve-se fria", "Há mar e mar, há ir e voltar", "Cá se fazem, cá se pagam", os portugueses são férteis em expressões que explicam isto muito melhor que horas e horas de parlapié nas televisões. Um já está arrumado, e já sabe com o que conta no caminho para as presidenciais, outros, em standby, podem ir metendo as barbas de molho. Este gajo não é de fiar, não conhece lealdades, não tem princípios morais nos caminhos a que se mete, é perigoso. Em linguagem futeboleira, tem espírito de matador. Cuidem-se.
Diz que quer ser primeiro-ministro de Portugal e diz que o seu passado se chama Passos Coelho e joga com a fraca memória de quem já não se lembra das figuras que fez enquanto líder parlamentar do partido que suportava o governo da troika, primeiro como figura de ponto que deixava as dicas para o líder discorrer longamente sobre asvirtudes e bondade do acto governativo, depois com os números de contorcionismo na defesa do "além da troika".
[Por causa de Passos Coelho] "não tivemos de nos sujeitar às terríveis metas de austeridade aceites pelo PS em 2011", o historiador revisionista da direita radical, Rui Ramos.
Meia-dúzia de maduros, originários de nenhures a milhares de quilómetros de distância, aterram na Portela e, semanas depois, já sabiam desde o número de funcionários da limpeza nos ministérios às fundações gordurentas, das escolas com telhados de amianto aos enfermeiros nos hospitais, das obras públicas às estradas sem portagem, do número de alunos por turma ao valor do IMI arrecadado pelas câmaras municipais, de tudo e mais alguma coisa, onde cortar e taxar, e ninguém se pergunta como, a razão desde conhecimento detalhado.
A gente lamenta que o Presidente não tenha detectado que a troika só detectou o que lhe disseram para detectar as embaixadas do arco da governação, semanas a fio em romagem ao quartel-general instalado no Terreiro do Paço.
Mas em todos os aspectos e em todas áreas da vida dos portugueses, para o caso. De um burro carregado de livros ser um doutor, passando pelo "foge cão" do tratamento por doutor a todo e qualquer burro, até a todo o doutor, senhor ou não, carregado de gravatas e a debitar o que a opinião privada gosta de ouvir, brincar impunemente com o dinheiro dos outros, dos que não são doutores nem têm para onde fugir, nem sequer supervisão prudencial ou interesseira ou comprometida que zele pelos seus interesses.
Carlos Moedas, herói nacional, de parabéns pelo árduo trabalho na Comissão Europeia em defesa do seu legado de quatro anos como "grilo falante" da troika. A medalhar por Marcelo Rebelo de Sousa. Como diz o outro, "há muita fraca memória na política e nos políticos...".
Não só a estapafúrdia regra dos 3% é cumprida como até fica abaixo da linha de água e o resto é conversa. A conversa dos dois éfe éme is que ciclicamente aparecem para nos atormentar, o éfe éme i bom, com o relatório a apontar o erro de reduzir salários e pensões, o éfe éme mi mau, a avisar que não só é preciso conter salários e pensões como é urgente cortar ainda mais. Siga.
Nada de novo em o FMI vir, mais uma vez, assumir falhas no programa da troika e não se fala mais nisso o que lá vai lá vai, FMI, subtítulo "Chover no Molhado".. Nada de novo nos partidos do "não podemos diabolizar o FMI", "não precisamos de programa de Governo para nada porque o nosso programa é o programa da troika", "o Governo pode surpreender e ir mais além que as metas acordadas com a troika", "é impensável sequer pensar em colocar em cima da mesa a hipótese de uma reestruturação da dívida pública sem primeiro dar um sinal de boa-fé e empenho aos nossos credores" continuarem a papaguear que foi feito o que devia ser feito e que muito ficou por fazer mas que, apesar de tudo, correu tudo bem, que foi um sucesso e não se fala mais nisso o que lá vai lá vai. Nada de novo, portanto.
"Expectativas demasiado elevadas em relação ao efeito imediato das reformas estruturais, consolidações orçamentais feitas de forma excessivamente rápida, expectativas irrealistas em relação a uma estratégia de curto prazo de desvalorização interna e cedências no princípio de reestruturar logo à cabeça dívidas públicas pouco sustentáveis."
Quando o que ele quer dizer é que do lado dos patrões "sempre temos defendido que mais vale ter um posto de trabalho mal remunerado do que diminuir a mais-valia ao patrão e/ ou ao accionista.
Como se fossemos todos muito burros e nunca tivessemos assistido pela televisão ao homenzinho responsável João Proença, de gravata e prenhe de sentido de Estado, ao lado do patrão a celebrar mais um acordo para a competitividade e o crescimento da economia e a salvaguarda do emprego.
«Os salários caíram. A pobreza aumentou. O desemprego continua altíssimo. Muitos portugueses emigraram. Ajustando para a população activa que não tem trabalho e o subemprego, o FMI calcula uma redução do mercado de trabalho de 20%. O FMI também diz que as reformas portuguesas foram inadequadas e que ainda têm de produzir benefícios. Portugal é um país europeu relativamente pobre. Devia estar a aproximar-se dos mais ricos através de mais investimento e aumentando a produtividade. Em vez disso, está a posicionar-se para ser ultrapassado pela Polónia e outros. É trágico.»
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«O programa falhado foi projectado pela troika dentro das limitações políticas definidas pela Alemanha. E foi entusiasticamente implementado pelo governo português, que tentou ser "mais alemão do que os alemães". Mas as consequências foram desastrosas: uma longa e desnecessária depressão da qual o país ainda não recuperou e que perversamente causou uma dívida pública tão alta que ultrapassa o produto interno bruto.»
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«A narrativa alemã de que a crise é culpa de toda a Europa do Sul é falsa. A Europa está numa confusão por muitas razões. Empréstimos excessivos feitos por um sector financeiro mal regulado a mutuários insensatos. As políticas mercantilistas da Alemanha - baixar salários para subsidiar as exportações e acumular enormes superavits externos - que alimentaram maus empréstimos dos bancos alemães nos anos pré--crise e que agora exportam deflação. O poder dos interesses instalados em todos os países que reprimem as oportunidades e roubam o valor criado por outros. Decisões políticas catastróficas tomadas pelos decisores da zona euro, especialmente Angela Merkel.»