"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Quando os manuais de economia ensinam que se deve aumentar a oferta para responder ao aumento da procura, o Metro de Lisboa, empresa pública, vai reduzir oferta para não sobrecarregar trabalhadores, e ainda assim insuficiente, segundo o sindicato. Quando o aumento das frequências, através de mais contratações e compra/ recuperação de material circulante, era a resposta esperada pelos utentes, vão receber de volta 230/ 250 passageiros por carruagem de 165/ 185, números redondos, qualquer coisa que não se resolva com uns funcionários de luvas brancas nas plataformas de embarque, como no metro de Tóquio. A poucos dias do início da Carris Metropolitana e da aposta na mobilidade urbana através dos transportes públicos. Prémio Nobel da Economia para eles.
O Governo da Câmara ou a Câmara do Governo [isto sim, uma linha circular], que quer tirar os carros da baixa de Lisboa, para aumentar a qualidade de vida aos turistas e ao alojamento local, na baixa da cidade do comércio indiano e paquistanês de souvenirs, porque ninguém lá mora, ninguém tem posses para lá morar, cada vez menos gente lá trabalha, ninguém lá vai, e até fogem disso por causa das confusões e do gamanço, oficial e à paisana, é o mesmo Governo da Câmara ou a Câmara do Governo que, depois de ter feito uma verdadeira reforma estrutural com a redução do preço dos passes sociais, quer continuar a meter carros em Lisboa e para isso inventa um erro chamado "linha circular" ao invés de prolongar o metro até Loures, que é onde vive gente de carne e osso que inunda a capital todos os dias, alguns "corridos" da cidade para a periferia pela especulação imobiliária, numa medida desgarrada, só ao gosto da Câmara do Governo, e ignorando todas as outras câmaras da área metropolitana, sem planeamento, sem se sentar à mesa, sem discutir a rede de transportes públicos e urbanos como um todo.
As fotos da revolta popular na capital do Chile contra o aumento do preço da tarifa de metropolitano na hora de ponta que levou a que o liberal presidente Sebastián Piñera mandasse para as ruas o exército como força repressora, algo que já não acontecia desde os idos do sanguinário Augusto Pinochet, o ditador que chamou os também liberais Chicago Boys a Santiago do Chile.
Parece que o Metro de Lisboa vai passar a ser como o de Londres, Paris, Milão ou Berlim, bancos só ao comprido, junto às janelas, para transportar mais gente, mas o pessoal não quer, quer é mais poltronas e de preferência com encosto ajustável e um banco à frente para esticar os chispes fora da hora de ponta. Até saíram a terreiro comentadeiros cujo único transporte público que conhecem é o táxi, pago à factura pela redacção do jornal, da rádio ou da televisão, agora especialistas encartados em viajar no metropolitano, de pé ou sentado, com conversa m-l da "burguesia" e de encostanços depois de um dia inteiro de trabalho, desconhecendo que um trabalhador fez-se foi para ter força nas pernas, e que é por isso que as casas de banho das fábricas são de rés-do-chão, um buraco vulgo cagadeira, contra os wc das repartições do Estado ou das empresas privadas do terciário, com sanita de primeiro andar, nem perceberem que os 40€ de Lisboa, sem bancos, até são uma vantagem em relação a Londres onde na hora de ponta é mais caro, diz que é a lei da oferta e da procura.
Tirem os bancos ao Metro, metam um palerma no cais de embarque, com um boné à telegrafista dos filmes de cóbois, a dizer "olhó buraco/ mind the gap" ao microfone e isto passa a ser very tipical. Até podem vender t-shirts com sardinhas para os turistas do alojamento local.
Uma medida eleitoralista, diz o "especialista" transportes públicos no Opinião Pública da SIC Notícias, porque com a baixa do preço dos passes sociais as pessoas vão ter mais dinheiro para comprar leite, tabaco e droga.
No Twitter, o partido do Twitter, do menos Estado e mais iniciativa privada, sem explicar às pessoas, nem com um desenho, porque é que nenhuma empresa privada se propõe assegurar o serviço de transportes públicos entre Mortágua, vila com 1 153 habitantes, e Viseu, cidade com 68 000 habitantes.
Mas a questão do partido do Twitter, no Twitter, do mais iniciativa privada e menos Estado, é mais manhosa do que a banda-desenhada a que recorre para acções de demagogia pode fazer parecer. A questão são as palavrinhas mágicas "centralismo". O centralismo que põe Setúbal, 100 000 habitantes, e Lisboa, capital, 506 892 habitantes, a terem os seus transportes públicos e a sua mobilidade subsidiada pelos habitantes de Mortágua, os mesmos 1 153 que ainda conseguem financiar a saúde, a educação, a justiça, os serviços do Estado, escolas, finanças, posto de saúde, na sua vila...
A desonestidade intelectual do partido do Twitter, no Twitter, é uma coisa assaz reveladora.
Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, sempre com a boca cheia do peso do transporte pessoal privado na cidade e nas emissões de carbono e do incentivo ao transporte público e nos passes sociais subsidiados pelo contribuinte seja ou não morador e/ ou trabalhador na cidade e na defesa do planeta e da qualidade de vida das cidades, utiliza que meio de transporte para chegar diariamente ao trabalho?
Jorge Sampaio, por exemplo, ia de autocarro e ainda devem haver por aí reportagens nos arquivos das televisões onde é visto a ir a pé da Rua Padre António Vieira para a Praça do Município, e Boris Johnson, também por exemplo, imagem de marca de bike para a Mansion House em Walbrook.
E depois, ao dia útil e à data em que escrevo, Sesimbra tem 27 ligações por autocarro a Lisboa [13 idas e 14 voltas] e Palmela tem 34 [17 idas e 17 voltas]. Fazendo as contas a uma média de 55 passageiros por bus e, partindo do princípio que vão todos cheios e atendendo a que Sesimbra não tem comboio [o resto do país também não mas isso é outro capítulo] e ao peso que esses passageiros têm no bolo global das dezenas de milhar de passageiros que se movimentam diariamente na Área Metropolitana de Lisboa, a gente percebe a "bondade" do valor a pagar pelos respectivos passes aparecer a abrir as notícias. Meter as pessoas de Sesimbra, Palmela e Pinhal Novo a subsidiar os transportes públicos de Lisboa em nome do valor do passe pago pelas pessoas de Sesimbra, Palmela e Pinhal Novo é uma ideia simplesmente genial.
Não lhes ocorreu avançar com o preço de um passe de autocarro entre Alcácer do Sal e Setúbal, ou entre Mértola e Beja, ou entre Montemor-o-Novo e Évora, que a "paisagem" não é para aqui chamada a estragar a imagem de Lisboa.
Mas se calhar há uma explicação lógica para tudo isto. Não passando pela cabeça de ninguém que a ideia não tenha sido previamente concertada entre António Costa e Fernando Medina, como a reacção foi adversa às reacções dos avençados de serviço às redes e que foram desde as auto-estradas, hospitais, escolas e universidades no resto do país pagas por Lisboa [juro, está no Twitter], até à solidariedade que é exigida aos países ricos do norte da Europa para com os pobres do sul e que não tem correspondência neste caso concreto que é o de meter os miseráveis do Alentejo a pagar o passe social aos ricos de Lisboa [juro, está no Twitter], até à Lisboa, criadora de 70% da riqueza produzida pelo país, mãos largas a distribuir por Setúbal, Aveiro, Braga, distritos onde as empresas desenvolvem a sua actividade económica e que, para o bem ou para o mal, arcam com as consequências ambientais e o desemprego provocado pelas sucessivas crises, económicas e sociais, o dinheiro que Lisboa arrecada por ser a cidade onde as empresas têm a sua sede fiscal [juro, está no Twitter], entrou em campo o ministro do Ambiente, magnânimo e abrangente.
Independentemente do ciclo vicioso que é as empresas de transportes reduzirem a oferta e os utentes deixarem de viajar/ usar o transporte público por ausência de carreiras/ circulações e, quanto mais as empresas reduzem, menos passageiros viajam, as empresas de transportes, privadas – cujo objectivo é o lucro, também não reduzem/ ajustam a oferta por dá cá aquela palha, porque lhes apetece ou porque sim, correndo com isso o risco de deixar de facturar, sendo antes a redução, o grosso, feito em função da procura. Aqui chegados há que ter em conta e, posso estar enganado, mas parece que não foi, os ciclos económicos, nomeadamente este último que começou em 2008 nos States e culminou em 211 em Portugal com o pedido de resgate, a intervenção da troika, o governo PSD/ CDS do "ir além da troika" e consequentes falências e deslocalizações de empresas, desemprego em massa, emigração a níveis dos anos 60, desistência de investimento público e fuga do investimento privado para outras paragens, com o único "investimento", entre aspas, a ser feito em Portugal ser a nacionalização pelo Estado chinês, e algum capital angolano, de sectores estratégicos da economia detidos ou participados pelo Estado português e não o investimento feito de raiz – fábricas, indústria, etc. , não havendo com isso a necessária criação de emprego, antes pelo contrário, mais despedimentos – a fórmula mágica da "reestruturação" das empresas, e quem está desempregado não precisa de andar de transporte público para lado nenhum, casa – trabalho – casa, e, quando precisa de se deslocar, procura alternativas que não lhe pesem no parco subsídio de desemprego, também reduzido no tempo e no valor pelo Governo de Dirteita em nome do sacrossanto ajustamento e do desincentivo à malandrice.
E fazendo de conta que a gente não deu por nenhum deputado ter perguntado ao excelentíssimo doutor secretário de Estado por que raios é que um privado vai querer gastar nos próximos 20 anos em juros aquilo que o Estado vai poupar em igual período de tempo e que justifica a que se queira ver livre das empresas, schnell, schnell, que as eleições ao já no fim do Verão, podia ao menoso senhor, excelentíssimo doutor secretário de Estado, ter esclarecido quanto é que o Estado deixou de embolsar, por via dos pagamentos de comissões e avenças várias a escritórios de advogados e facilitadores vários ligados aos partidos da coligação, com ou sem o aval ministerial, numa duplicação de funções e outsourcing que até era para acabar de vez, segundo o Guião para a Reforma do Estado, mesmo com caracteres extra large e espaçamento duplo entre linhas e tudo.
O Estado, aquela entidade mágica e imaterial, dos domínios do abstracto, e que jorra dinheiro a rodos como o magma jorra das profundezas do planeta. Ad aeternum.