"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Ainda me lembro do meu pai só ter um dia de folga por semana. E ainda me lembro do meu pai só ter 10 dias de férias por ano, não remuneradas. E não foi assim há tanto tempo quanto isso, foi até meados da década de 70 do século passado. Tudo em nome da produtividade, da economia, do crescimento, e do descalabro que seria para as empresas e para o país, por esta ordem, a irresponsabilidade das modernices dos dois dias de folga por semana e mais um mês de férias pagas, a dobrar por via do subsídio. E não foi assim há tanto tempo quanto isso, foi até meados da década de 70 do século passado.
Quatro anos depois da 'Geringonça' e de ter recusado todas as propostas da esquerda para mais regulação e para a reversão do código do trabalho do governo da Troika:
O rico vai de férias porque se pode dar ao luxo, o pobre trabalha as férias para compensar o fraco ordenado, que não dá para luxos e o direito ao descanso e ao lazer é um luxo dos ricos. Não é um aumento da remuneração que se propõe, é trabalhar o descanso. A seguir propõe-se trabalhar um dos dias da folga semanal, que o aumento das horas no banco já vem no pacote e é substancialmente diferente de aumentar o preço da hora a depositar no banco, na conta do empregado no final do mês. E assim se poupam postos de trabalho e encargos com a Segurança Social. Depois, uns mais desgraçados e a passar por dificuldades, trabalham as férias e fazem as horas extra e o patrão, benemérito, pergunta "então os outros fazem e tu não?". E está no seu direito de perguntar e que ninguém veja isto como coacção sobre o trabalhador, honi soit qui mal y pense. Quem é amigo do patrão,do trabalhador, do colaborador, quem é?
O célebre "temos de fazer mais com menos" com que Pedro Passos Coelho nos brindou durante os quase cinco anos de Governo da troika explicado com um desenho.
Cortaram o subsídio de desemprego, no valor e na duração, e ainda o Rendimento Social de Inserção porque era preciso obrigar os manhosos e os calaceiros a saírem de casa para procurar os empregos que não havia.
Cortaram os dias de férias, reduziram feriados e aumentaram o horário de trabalho porque era preciso trabalhar mais e ganhar menos para recuperar um país.
Cortaram o valor a pagar pela hora extra e dia feriado e ainda os valores das indemnizações a pagar por despedimento porque era urgente fazer mais com menos e dar sustentabilidade às empresas que é quem cria riqueza e emprego.
Aplicaram taxas e contribuições sobre o IRS, o subsídio de férias e o subsídio de Natal, vulgo 13.º mês, porque o dinheiro não chegava para nada e havia que cumprir perante os credores que nos salvaram da desgraça.
Depois disto tudo o primeiro-ministro vem a público lastimar-se que a reforma que havia deixado por por fazer tinha sido a de baixar os custos do trabalho e ganha as eleições poucos meses depois.
Só temos o que merecemos e ainda assim foi pouco.
Portugueses trabalham mais horas e têm menos férias do que a média europeia
Em contrapartida baixámos o IRC, mas não foi o suficiente porque ainda é preciso baixar a Taxa Social Única para as empresas [descapitalizar a Segurança Social não são danos colaterias destas "bombas inteligentes"], a EDP continua a receber as rendas da ordem e os bancos os apoios devidos, as PPP's rodoviárias são renegociadas de modo a que o concessionário poupe nas obras de reparação e manutenção e que o ministro faça um figurão na televisão perante uma plateia de jornalistas acéfalos e amorfos, e as subvenções pagas pelo Estado estão bem e recomendam-se. Isto assim de repente.
«Segundo um estudo divulgado esta terça-feira pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Portugal foi um dos países onde os impostos sobre os rendimentos do trabalho mais subiram em quatro anos
Depois não digam que não foram avisados porque assim é que desde o dia 21 de Junho de 2011 e nem sequer podem agora alegar que foi uma verdade a coberto do Dia das Mentiras.
Não foi nada com ele. Homenzinho com agá grande. Responsável e estimado entre os grandes do comércio e da indústria. Prenhe de "sentido de Estado". Medalhado no Dia da Raça. Almeja agora ocupar a presidência do Conselho Económico e Social. Merece. Trabalhou para isso. A assessoria na Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal é curto demais para ele.
Com o argumento de que "não há pior precariedade do que estar desempregado" [ouvi agora o sósia do Danny Kaye que, sem piada e sem dançar, chefia a bancada do PSD na Assembleia da República, dizê-lo no debate parlamentar], "o Governo que não tem um modelo de salários baixos e de desemprego para o país" fomenta a precariedade, o trabalho temporário e os baixos salários, enquanto aumenta as mais-valias aos patrões e accionistas com a descapitalização da Segurança Social que paga o salário aos empregados temporários nas empresas e ainda apoia a implantação da caridadezinha no terreno, via IPSS’s, maioritariamente apêndices da igreja católica, já subsidiadas com o dinheiro dos contribuintes e que ainda recebem os "voluntários", ex-desempregados, agora "colaboradores" pagos com... o dinheiro dos contribuintes.
"Nós dissemos que o trabalho voluntário este ano não era admitido no festival. Pior que a fome é a falta de dignidade. E o que é a falta de dignidade? É o homem não ter trabalho. [...]. Temos 5 mil pessoas a trabalhar. [no recinto do festival NOS Alive]".
Que o Estado se deve restringir às funções de soberania e deixar a economia aos mercados e à auto-regulação e que as empresas economicamente inviáveis devem falir por si, numa espécie selecção económica natural do direito do mais forte à liberdade, sem qualquer espécie de ajuda e/ ou intervenção estatal. Daí o ser-se contra um patamar mínimo para o salário mínimo, estabelecido pelo Governo, por impedir que as empresas economicamente inviáveis sobrevivam à custa de salários incompatíveis com a dignidade humana e com a dignidade do trabalho, e com trabalho a roçar o trabalho escravo. Liberalismo e neoliberalismo não rimam com direitos humanos nem com dignidade e quem não pode pagar €500 de salário vai trabalhar por conta de quem possa.