"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Depósitos de velhos, aka lares de idosos, em Inglaterra e no País de Gales, estão a recomendar aos velhos ali depositados que assinem documento de não-reanimação para evitar que as camas dos hospitais fiquem ocupadas por pessoas com menos hipóteses de sobreviver em caso de infecção pelo novo coronavírus.
"We would therefore like to complete a DNACPR form for you which we can share … which will mean that in the event of a sudden deterioration in your condition because [of] Covid infection or disease progression the emergency services will not be called and resuscitation attempts to restart your heart or breathing will not be attempted"
Quantos lares da terceira idade há em Portugal? Quantos são os idosos residentes habituais e quantos os frequentadores eventuais, centro de dia, de lares da terceira idade? Em quantos lares da terceira idade há problemas de infecção pelo novo coronavírus e quantos idosos foram infectados? É que vai por aí grande alarido com os velhinhos infectados, como se estivéssemos perante um problema de saúde pública entre a população residente nos depósitos de velhos, alguns com mensalidades mínimas de três e quatro salários mínimos, com os directores a atirarem a culpa da infecção para cima do Estado, se calhar por não ter colocado um médico e um enfermeiro na porta de cada lar para a triagem de quem entrava, apesar de bastamente alertados para o problema pela DGS, e pela comunicação social, 24 horas por dia, 30 dias por semana em cima do assunto, e muito mais preocupados com a diminuição do volume das mensalidades pagas que com a morte dos idosos residentes.
Está mau para o idoso porque está mau para o negócio à roda do idoso e porque está mau o dia-a-dia da descendência do idoso, vítima às mãos das políticas do Governo que transfere verbas para a área do negócio com o idoso, enquanto destrói a economia que sustenta a família do idoso e corta no salários e nos apoios sociais à família do idoso e que agora se prepara para esbulhar a pensão de reforma do idoso, sendo que o idoso é, simultaneamente, o que mais e o que menos importa nesta equação. E já aí vem lei para punir quem maltrate e abandone o idoso, lei do Governo que ignora haver uma lei que proíbe o Governo de maltratar e abandonar os cidadãos, de seu nome Constituição da República.
A hipocrisia da Igreja, e das IPSS da Igreja, não está só nas várias modalidades de idoso, do idoso de 1.ª, 2.ª e 3.ª categoria, o idoso à la carte, e no ter o lucro que supostamente não devia ter, podendo sempre argumentar, com ar misto incrédulo-idiota, como argumentam os liberais construtores do novo homem que vai nascer e do sol que brilhará para todos nós, "qual é mal em ter lucro?", mesmo que o lucro implique esbulhar o idoso ou vender a mãe e o pai. A hipocrisia da Igreja e das IPSS da Igreja está também nas duas caras e na ambiguidade do discurso de quem mama na teta do Orçamento do Estado, os descontos dos contribuintes familiares do idoso, do discurso à roda do idoso e à roda daqueles que já nem idoso têm para aguentar o negócio, familiar da família constituída ou familiar da família "somos todos irmãos".
Venha a nós o Vosso Reino.
[Imagem "October 1935 Scene in Jackson Square, New Orleans"by Ben Shahn for the Farm Security Administration]
Tudo ficava muito mais claro se perguntassem ao excelentíssimo senhor ministro, não se o senhor, quando atingisse uma provecta idade, ia para um lar destes, um lar nestas condições [mesmo jurando "pelas alminhas" ou "eu seja ceguinho"], não. Mas se o excelentíssimo senhor ministro punha o excelentíssimo senhor seu pai, ou a excelentíssima senhora sua mãe, num lar destes, num lar com estas condições. A resposta seria reveladora da natureza humana.
Como nos idos de Correia de Campos no ministério da Saúde em que todos os dias durante 30 dias uma mulher pariu numa ambulância a caminho do hospital. E vão 4 (*). Fevereiro tem 28 dias. Se Helena André sair da Solidariedade Social ou Rui Pereira da Administração Interna os velhos deixam de morrer sozinhos dentro de casa?