"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Augusto Santos Silva dizer que o Ministério Público deve um esclarecimento ao país sobre as buscas à casa de Rui Rio e à sede do PSD, "sustentando que foi cometido um crime em directo", para o PSD é diferente de Augusto Santos Silva dizer que o Supremo Tribunal de Justiça deve esclarecer depressa, antes das eleições, a situação penal do primeiro-ministro, "frisando que o caso abriu uma crise política". Percebemos todos? O PSD também percebe.
41 + 59 = 100. De outra maneira, 100 - 41 = 59. Portanto, 59% dos cidadãos não confia nas instituições de justiça e está tudo bem. Desde que deixámos o ensino da tabuada pelo método da cantilena e a aritmética do lápis atrás da orelha o "reconhecimento público" nunca mais foi a mesma coisa.
Depois de anos de fugas de informação em segredo de justiça para julgamento e condenação no tribunal da rua que é a primeira página do Correio da Manha em cima de todas as mesas de taberna e balcões de café de norte a sul do país, sem que aos implicados tenha sido "concedida previamente a faculdade de poder exercer devidamente o seu direito de defesa" e sem que da boca do Meritíssimo Juiz se tenha ouvido uma palavra, vem agora o Venerando e Digno Juiz Carlos Alexandre alegar "estar a ser julgado na praça pública sem direito a defesa" por causa de uma entrevista dada a propósito do sorteio do juiz para a instrução do processo Operação Marquês onde, sem a mínima intenção, presume-se, queimou o sistema e o colega de profissão sorteado.. Como se usa em terras de Vera Cruz, "pimenta no cu dos outros para mim é refresco".
O que as declarações do presidente do Supremo Tribunal de Justiça e da presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses vieram confirmar foi que Portugal tem um problema, grave, na justiça. E, quando o poder judicial não está ao serviço dos cidadãos o problema passa a ser do poder legislativo eleito, em eleições livres e democráticas, pelos cidadãos. À justiça o que é da justiça, à política o que é da política.
Porque assim as pessoas vão ficar a saber os nomes da[s] razão[ões] por detrás de não haver dinheiro para nada, nem para a saúde, nem para a educação, nem para pensões e reformas, enquanto continuam a ser impostadas e taxadas para pagar créditos ruinosos concedidos sem garantias que não fossem as do amiguismo, do compadrio e do clientelismo partidário, enquanto lhes apregoavam as virtudes das boas contas, da sobriedade e da vida regrada e austera.
Assim de repente lembrei-me do caso Bernie Madoff, nos States, em comparação com similares, em Portugal, daqueles do "contrário", da economia a fazer dano à justiça e de que a gente até já esqueceu, tal é a velocidade que a justiça nacional lhes imprime para um desfecho com qualidade. O senhor não disse isto, pois não? "Uma justiça célere não é justiça".
Nem é a das escutas que são boas e válidas porque sim versus as escutas que não são boas nem valem um casca de tremoço porque sim também, nem é a da justiça para os ricos e poderosos versus a justiça para os outros que sobram, a ideia que passa é a da "justiça deles".
Do Governo que decide antecipar os lucros aos bancos e tem o topete de vir proclamar aos quatro ventos que resolveu o problema dos contratos swap, para depois ver o Supremo Tribunal de Justiça, pela segunda vez, dar razão a quem defendia a sua denúncia e a via judicial, ao Governo que fecha a porta a uma cimeira europeia para a renegociação da dívida que permita a recuperação económica, o crescimento e emprego, o princípio é exactamente o mesmo: garantir lucros e mais-valias aos bancos, alimentar a especulação financeira, esbulhar o bolso do contribuinte, continuar o saque fiscal e desmantelar o Estado em favor de interesses privados, enquanto argumenta o contrário, que é a da salvação do Estado que se trata, da credibilidade restaurada, da recuperação económica que aí vem, da sustentabilidade garantida.
As empresas, que criam emprego e geram riqueza, como dizem o senhor Coelho e o senhor Portas, com grandes sorrisos nas caras e com os escudeiros todos a bater palmas de pé, e que gerem o Estado como se de uma empresa se tratasse, abdicam de defender o interesse público, e o dinheiro das famílias, outro tema caro, e nem sequer actuam como a administração de uma empresa, que querem à força que o Estado seja, em defesa do dinheiro do accionista-contribuinte, antes optando por antecipar o lucro aos bancos, como se o dinheiro da empresa, que querem que o Estado seja, fosse deles. Não é à toa que há sempre um banqueiro disponível para pagar o salário do líder quando o líder está na oposição.
Cavaco, O Avisador, avisa que a Constituição não foi suspensa, o que não o impede de suportar, e se calhar até de incentivar [naquelas diligências que toma fora dos olhares da populaça, discretas como ele diz, e não se cansa nunca de puxar dos galões para mostrar que é mui influente e mui empenhado na resolução dos problemas da Nação] o Governo que mais ataques fez à Constituição desde o dia 25 de Abril de 1976 e ao orgão de soberania que zela para a Constituição não seja suspensa, o Tribunal Constitucional.
Cavaco, O Avisador, também podia avisar que a Constituição não foi revista e que o projecto de revisão constitucional encomendado pela dupla Passos Coelho/ Miguel Relvas a Paulo Teixeira Pinto continua assim mesmo, um projecto, encafuado na gaveta para onde foi atirado à pressa depois da polémica que levantou e das reacções adversas que provocou, e que o partido que ganhou as eleições com um programa de Governo nos antípodas daquilo que tem sido a sua acção governativa não pode aplicar por portas travessas uma Constituição que não foi suspensa nem sequer foi revista.
Cavaco, O Avisador, calado é um poeta. E ganha um álibi: o de que a sua aparente condição de mudo não é mais do que diligências que toma, fora dos olhares da populaça, discretas, porque é mui influente e mui empenhado na resolução dos problemas da Nação, e no apoio ao Governo que governa segundo uma Constituição que não foi revista e num programa que não foi sufragado nas urnas.
Um dos argumentos caros à Direita, no geral, ou a este Governo de Direita ou PSD/ CDS ou Pedro Passos Coelho/ Paulo Portas ou de iniciativa presidencial Cavaco Silva, em particular, como queiram, para as privatizações, como se não houvesse amanhã, e para a entrega ao sector privado de competências do Estado, e com isso desmantelar o Estado e o destruir o Estado social, é o de que a iniciativa privada gere melhor a cousa pública do que o Estado. Principalmente, e isso nunca é dito, se o Estado for administrado por um Governo de Direita. Para o caso um Governo de Direita ou PSD/ CDS ou Pedro Passos Coelho/ Paulo Portas ou de iniciativa presidencial Cavaco Silva, que optou por antecipar os lucros aos bancos em vez de defender o interesse público e o dinheiros do contribuinte.
Apesar de não fazer jurisprudência, permitindo que os tribunais decidam noutro sentido, incluindo a anulação do contrato com base noutros pressupostos, "os juízes têm na decisão do STJ uma referência"»
Enquanto o Governo, que carrega nos impostos enquanto corta na saúde, na educação, na escola pública, nas prestações sociais, nos salários, nas reformas e nas pensões de viuvez, antecipa mil – 1 000 – mil milhões de euros de lucro aos bancos, e ainda vem eufórico com a proeza da "renegociação", o feito heróico e o dever cumprido, proclamar que zelou pelo supremo interesse nacional, pela cousa pública e pelo dinheiro do contribuinte, conseguindo uma poupança de 500 milhões de euros. É fazer as contas.
Ou quando os clubes pequenos [leia-se o cidadão anónimo], sem dinheiro para investir num plantel [leia-se sem recursos económicos para pagar a um advogado que se saiba movimentar nos meandros processuais, dos erros, dos recursos e das suspensões], leva goleada do juiz candidato à bola de prata. Reintroduza-se a pena de morte e fica perfeito.