"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Corria o Ano da Graça de 2014 quando no dia 1 de Outubro a direita, a maioria de direita, deu por encerrada a Comissão Parlamentar de Inquérito que investigava o negócio dos submarinos porque a maioria dispunha do poder de aceitar ou não as propostas da oposição - a minoria, a esquerda, as "esquerdas unidas" como diria Assunção Cristas. Escreveu na altura o jornal Público que "Nunca se esteve tão perto de perceber o destino final da comissão de 30 milhões de euros pagos pelos alemães à Escom e que levantou suspeitas". As suspeitas que linkavam [de link] para o CDS e para Paulo Portas e para as offshore, que voltaram à ribalta por via de um ex-secretário de Estado do CDS, do CDS de Paulo Portas, de Paulo Portas dos submarinos, dos submarinos das comissões, das comissões que a maioria de direita PSD/ CDS se recusou saber o destino final em Comissão Parlamentar de Inquérito Mas isso foi no tempo da maioria boa, a maioria de direita, o tempo em que o ar democrático era puro e respirável, sem asfixias e claustrofobias, sem a necessidade do líder do CDS pedir audiências ao Presidente da República.
Suspiro de alívio por saber que a carta rogatória das Bahamas, não é a carta dos vinhos que Paulo Portas repetidamente rogou que lhe fosse trazida à mesa certa vez que foi jantar ao restaurantes Bahamas [a factura da sorte foi em nome de Jacinto Leite Capelo Rego].
E disposto a bater o recorde de "o político há mais tempo no activo em Portugal deixando sempre o país em pior situação do que quando entrou para o Governo", sem perceber que foi acusado, julgado e condenado pela opinião pública, que é um sistema judicial independente do poder político e da rede clientelar que alimenta e se alimenta dos partidos políticos e que não tem nada a ver com os tribunais nem com os super-juízes da Marvel. Engana-se a ele próprio e aos indefectíveis do no partido, que é uma maneira democrática de esconder a falta de vergonha atrás do "sentido de Estado" e do respeitar as decisões dos tribunais e a separação de poderes. Fresquinho que nem uma alface, a cometer um erro atípico num político profissional da sua estirpe, se calhar só justificado pela vertigem do poder e de não saber fazer mais nada na vida:
«Na semana passada, soube-se – com espanto – do arquivamento do inquérito ao negócio de compra dos dois submarinos.
O processo alemão concluiu pela existência de pagamento de “luvas” em Portugal, mas o processo português não conseguiu encontrá-las. Em vez disso, o despacho de arquivamento dá conta de pormenores suficientemente pornográficos que acicatam a curiosidade em ver como foi que o Ministério Público chegou a um desfecho tão decepcionante.
Um dos aspectos escandalosos é que, nem por fraude fiscal, se pôde acusar os – parafreando Ricardo Salgado - três “tipos” da Escom que terão ficado com 15 dos 30 milhões de euros pagos pela firma alemã. Porquê? Porque beneficiaram do Regime Extraordinário de Regularização Tributário (RERT) que os protege de qualquer dessas acusações criminais.
Esses três, que são os principais suspeitos de terem pago as ditas “luvas”, preparavam-se em 2003, 2004 para se lançar em operações semelhantes à dos submarinos, com “carros blindados, fragatas, metralhadoras” (ver minuto 4:00).
E é esse aspecto que me suscitou curiosidade.
Paulo Núncio nasceu em 1968 e é advogado. Formou-se na Universidade Católica em 1992, é militante centrista, pertenceu à sua direcção, foi conselheiro de Paulo Portas, negociou com a troika em nome do CDS. Na década de 90, foi advogado na firma Morais Leitão, Galvão Teles & associados. Esta firma é associada de outra - a MLGT Madeira — Management & Investment - que aparece (ver o livro “Suite 605” de João Pedro Martins) como tendo usado um expediente de clonagem de empresas, com o mesmo nome e números diferentes, criando um "jogo de espelhos" às autoridades. Foi por causa disso que a zona franca da Madeira já foi colocada sob os holofotes das investigações fiscais internacionais, nomeadamente italianas. A MLGT Madeira criou, até Dezembro de 2004, um grupo de 112 sociedades com o mesmo nome, Taggia.
Na revista Offshore Investment Archive, de Maio de 1999, há um artigo assinado por Paulo Núncio, ligado à MLGT Madeira. Núncio desmente.
Em 2002, forma-se o Governo Durão Barroso, com Paulo Portas como ministro da Defesa. É durante o seu mandato, até 2005, que a compra dos dois submarinos é aprovada. O concurso público para a compra dos veículos anfíbios é lançado em 2003. Paulo Núncio surge em 2004 como advogado do fabricante austríaco Steyr (firma mais tarde comprada pela norte-americana General Dynamics).
A 30/11/2004, Jorge Sampaio dissolve o Parlamento. E seis dias depois, Paulo Portas despacha a adjudicação dos Pandur à Steyr. Em Janeiro de 2005, o concorrente finlandês queixa-se judicialmente. Mas a queixa não tem provimento e o contrato é assinado a 15/2/2005, cinco dias antes das eleições legislativas de 2005.
“Paulo Núncio esteve nas contrapartidas”, afirmou a 9/9/2014, na comissão parlamentar de inquérito à aquisição de equipamentos militares, Francisco Pita, o dono da empresa Fabrequipa que, em 2006, ganhou o direito de construir os veículos anfíbios Pandur II, (ver 3:03:00).
Pita foi militante do CDS desde 1974, membro da JC, candidato a deputado por diversas vezes, membro do conselho nacional em 1992, mas que apenas se cruzou com Portas na Universidade Católica (“fomos colegas”) e disse não conhecer nem nunca ter falado com ele sobre o contrato e que Portas está “limpo” no caso dos Pandur.
A candidatura da Steyr suscita dúvidas. A Steyr ganha o concurso público associada com a firma GOM (criada por ex-quadros da Bombardier) que – como conta Francisco Pita – não tinha nem experiência, nem fábrica, mas sim um projecto em power-point e um protótipo, mas sem planos fabris. Depois de um telefonema de “um amigo”, os donos da Fabrequipa - um construtor de semi-reboques - põe-se em campo e acabam por assinar um contrato de fabrico com a Steyr. Mas quando se dirige à comissão permanente de contrapartidas (CPC), o seu presidente, o engenheiro Rui Neves, diz-lhe que não pode ser considerado parte beneficiária do concurso, porque quem tem os direitos das contrapartidas era a firma GOM, nos valor de mais de cem milhões de euros. Por isso, Francisco Pita diz que foi “obrigado a comprar a GOM” (ver 33:30).
Mas a GOM não existia. “Não tinha fábrica, não tinha trabalhadores, vivia nos escritórios de um advogado”. “Ninguém me obrigou entre aspas a comprar a GOM: a GOM estava lá para ser comprada, qualquer empresário, qualquer industrial, qualquer pessoa normal se aperceberia disso. (...) Servia para quê? Servia para vender os direitos que tinha". (ver 1:11:00).
A “empresa” custou “alguns milhões de euros”. Francisco Pita não diz quanto foi ao certo. Mas pagou a quem? Pita esquiva-se. “Aos donos da GOM. Que eram... Agora vou ter de puxar pela cabeça, porque nunca conheci nenhum. Vou dizer porquê. Eu comprei uma empresa chamada GOM a uma offshore que era dona da GOM” (ver 1:12:15). Mas era fisicamente representada por quem? “Pelos advogados”. Mas quem? “Não vou revelar”. Pita é então admoestado a dizer. “Senhor deputado, não me recordo. Peço-lhe desculpa, não me recordo”. (ver 1:30:00). Os deputados aceitaram.
Paulo Núncio aparece quando a Fabrequipa é pressionada a assinar umas claims que Francisco Pita disse não estarem correctas. “De um lado, estava a empresa que queria assinar as contrapartidas como tinham de ser assinadas e do outro estava eu diria uma força enorme que quase estavam a nos obrigar as assinar as contrapartidas (...) Recordo-me que éramos uma 16 pessoas, ingleses, vieram americanos da KPMG, cada um a ditar da sua sapiência. Da minha parte estava a doutora Paula Cristina Lourenço e Germano Marques da Silva (...) Recordo que, do lado das contrapartidas que tinham de ser assinadas – e que eu não quis assinar – estava o dr Paulo Núncio, actual Secretário de Estado do Planeamento Fiscal que representava na altura, se a memória não me falha, a Steyr. Éramos muita gente. Recusei-me a assinar porque achava na altura que as contrapartidas eram uma coisa séria. E sempre achei. As contrapartidas não podem ser vistas como ‘ok, depois nós cumprimos’. Elas têm de ser cumpridas.”
A maioria PSD/CDS recusou a ida à comissão de Paulo Núncio.
A 4/4/2010, o ministério público checo investiga suspeitas de corrupção relacionadas com o caso Pandur II, contratualizados igualmente com a Steyr. A 20/8/2010, o MP português investiga suspeitas de corrupção no caso Pandur II. A 25/1/2011, o juiz Carlos Alexandre decide levar a julgamento todos os arguidos do processo de contrapartidas do caso dos submarinos. A 17/3/2011, o DCIAP pede informações sobre Paulo Portas ao Ministério Público de Munique que acusou dois ex-quadros da Ferrostaal de pagamento de mais de 62 milhões de euros em “luvas” para garantir negócio na Grécia e em Portugal (ver visão 18/12/2014).
A 4/4/2011, a PGR garantiu à comissão de inquérito parlamentar à compra de equipamentos militares, através de ofício classificado de confidencial assinado por Joana Marques Vidal, que "corre termo pelo DCIAP [...] uma averiguação preventiva com o nº 44/11, relativa aos Pandur".
Em Junho de 2011, pela mão de Paulo Portas, Paulo Núncio é nomeado secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
A 17/10/2011, dá entrada no Parlamento a proposta de OE 2012 que integra, encavalitado, a terceira versão do RERT (ver pag. 338), que concede uma amnistia criminal, mas - ao contrário das duas primeiras versões - sem qualquer obrigação do repatriamento dos capitais em fuga. A nova norma mal é discutida no Parlamento.
E é ao abrigo desse esquema de amnistia que os beneficiários do negócio dos submarinos conseguiram evitar os procedimentos criminais, levando ao arquivamento do inquérito da compra dos submarinos.
A 1/10/2014, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) abriu um inquérito à aquisição dos Pandur. O inquérito foi aberto na sequência de terem surgido novos elementos, durante uma averiguação preventiva aberta em 2011, que indiciam a prática de eventuais crimes. Nos dias seguintes, os partidos da maioria fecham a comissão de inquérito.
E um milhão de euros dos submarinos para cada ramo da família Espírito Santo e mais 15 milhões para os "outros tipos" e uma parte que teve de ser entregue a "alguém". Tudo contas de somar e "boas notícias para Paulo Portas", diziam os jornais há dias. "Estamos rodeados de aldrabões", anos e anos a viver acima das suas possibilidades.
José Sócrates está preso porque foi caçado ao telemóvel a pedir dinheiro a um amigo, Ricardo Salgado anda por aí depois de ter pago uma caução com dinheiro que pediu aos amigos com estilo, na base do "bom princípio geral de uma sociedade que quer ser uma comunidade – comum unidade –, com espírito de entreajuda e solidariedade", na Alemanha há um ror de condenados por uma caso de corrupção sem corrompidos em Portugal onde "há boas notícias para Paulo Portas" [sic], que não pelas conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito à la minuta, presidida por Telmo Correia, um seu escudeiro. Always look on the bright side of life... [Whistle]
A menos que estejamos perante uma jogada de antecipação dos Meritíssimos Juízes em relação à proposta de António José Seguro de criar um tribunal especial para facilitar a vida e os negócios [ou os negócios e a vida, como queiram] aos investidores estrangeiros, os Digníssimos Juízes deviam explicar ao povo, porque é do povo o dinheiro que anda em bolandas, e, fazendo uso do "imenso rigor intelectual", recorrendo a uma linguagem que o povo perceba, como é que uma verdade aparentemente simples – para haver corruptores tem de haver obrigatoriamente corrompidos, ou vice-versa, é afinal uma verdade absolutamente complexa: uma empresa, a Ferrostaal, e dois seus ex-executivos são julgados, e condenados, em tribunal alemão por suborno de funcionários públicos estrangeiros na venda de submarinos, depois de admitirem ter pago subornos à Grécia e a Portugal, o mesmo Portugal onde um tribunal português não deu como provada a existência de subornados.
Não é que eu, enquanto contribuinte, esteja muito ou pouco preocupado com as dívidas da mãe de alguém que deixou de ser primeiro-ministro vai para 3 anos, ainda para mais quando é por todos sabido que os impostos sobre as mais-valias de venda de casa, para habitação própria e permanente, podem ser pagos no prazo de três anos, não havendo lugar a pagamento no caso de reinvestimento em novo imóvel para o mesmo fim.
O que me preocupa mesmo é a falta de qualidade do jornalismo e o jornalismo direccionado e o vale de tudo de usar familiares para atingir terceiros, a obsessão persecutória do jornal em relação a José Sócrates. Doentio.
Também me preocupa o dinheiro dos meus impostos em bolandas nas negociatas de Paulo Portas, «O socialista é muito bom a gastar o dinheiro dos outros, mas quando acaba o dinheiro chamam-nos a nós e a vocês para compor as coisas», pois. Coisa que não parece preocupar em nada o Correio da Manha [sem til] e os seus directores e adjuntos, os campeões da transparência na vida política e da luta contra a corrupção – Octávio Ribeiro, Carlos Rodrigues e Eduardo Dâmaso, como se pode comprovar pelo destaque de primeira página dado a um e a outro tema.
«De acordo com despacho do ministro da Defesa publicado hoje em Diário de República, a "pequena revisão" com docagem do navio será entregue por ajuste directo ao construtor dos submarinos, a ThyssenKrupp Marine Systems GmbH, (TKMS). A despesa máxima será de "5.000.000,00 € (cinco milhões de euros), sem IVA".»
Um negócio de mil milhões de euros com uma burla de 30 milhões ao contribuinte acaba em pena suspensa com as custas do julgamento a expensas do contribuinte. Fuck! Fuck! Fuck! Viva o casino, Olé!