"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
"Tudo em aberto". O PS com 36% e o PSD com 33%. E António Costa lá atrás, com um sorriso apalermado, a espreitar por cima do ombro de Rui Rio, à frente em grande plano, em pose de estadista.
No espaço de uma semana António Costa passou de estar a três deputados da maioria absoluta, com a esquerda em maioria no Parlamento, segundo sondagem da Pitagórica, para o homem que vai atrás de Rui Rio com a direita em maioria no hemiciclo, segundo uma tracking poll num universo de 180 eleitores, apresentada por uma televisão - a CNN Portugal, ex TVI24, como se de uma sondagem se tratasse, com a imprensa com agenda, onde a fronteira entre jornalismo e comentariado não existe, prontamente a dar eco do feito, e com mobilização geral dos milhares de perfis nas redes a fazerem alarde da boa nova. Assim se inventa uma dinâmica de vitória e se manipula uma parte do eleitorado, dos indecisos aos abstencionistas.
A narrativa, desde o primeiro minuto a seguir ao chumbo do Orçamento do Estado, em todas as televisões, rádios, jornais e mais espaço de comentário: "A esquerda à esquerda do PS vai ser penalizada nas urnas pelo chumdo do OE".
A sondagem Aximage para o Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF.
A terceira ideia é que a direita está sustentadamente a ganhar ímpeto, imune ou até reforçada pelos ataques que lhe são dirigidos e mesmo com o CDS (0,9%) a passar o pior momento da sua história. Juntos, bastam Chega e Iniciativa Liberal (13,2%) para ultrapassar a esquerda radical composta por BE e PCP (12,6%).
Joana Petiz, ponta-de-lança da direita radical no Diário de Notícias, num texto que nos explica que "radical" é a esquerda, que os salazaristas bafientos Diogo Pacheco de Amorim e Carlos Clanco de Morais são "Novas marés, melhores marinheiros" - "juntos bastam", e que acaba a classificar como radicalmente conservadores o PCP e o... Chega.
Voltando à narrativa da direita, com Rui Rio à cabeça, na noite das presidenciais a levantar a voz de eufórico, que a esquerda tinha sido "esmagada" [que o PS tenha indicado o voto em Marcelo, um pormenor], que o eleitorado comunista no Alentejo e nas antigas cinturas industriais se tinha transferido para o Chaga, o que a sondagem ISCTE para a SIC e Expresso, efectuada entre os dias 5 e 13 de Abril, nos diz é que "com esta ou aquela flutuação, aquilo que mudou desde as legislativas foi fundamentalmente a descida do CDS e a subida do Chega", uma transferência de todos, portanto.
Andaram o Tavares, o Raposo, o Fernandes e o painel todo do Observador, mais uns patetas avulso nas televisões, laboriosamente a construir uma narrativa em torno das transferências de votos do eleitorado, tradicionalmente PCP/ CDU/ comunista para o Chaga, no Alentejo e nas zonas urbanas anteriormente conhecidas por "cinturas industriais", para depois a sondagem Aximage para os Notícias, Diário - Jornal, e TSF deitar tudo por terra.
O dia em que ficámos todos a saber que o PS, com 37,6% nas intenções de voto, é ultrapassado pela direita "graças ao fôlego dos liberais", com uns estratosféricos 5,7%. Mas como é que possível a alguém que circula a 6 à hora ultrapassar outrem que vai a 40, seja pela direita ou seja pela esquerda? É que "a soma dos partidos à direita volta a ser superior à projecção eleitoral dos socialistas", apesar da soma dos partidos à esquerda - PS + BE + PCP + Livre, ser 52,4%, contra os 39,5% da direita - PSD + CDS + Iniciativa liberal + Chega. Maioria absolutíssima de esquerda [o PAN, por não ser carne nem peixe, sem piadismo, não foi considerado nesta soma].
Não se desse o caso de em Portugal cada vez menos gente ler jornais e ainda muito menos o Diário de Notícias e dos que lêem, quer à esquerda quer à direita, saberem fazer contas, isto era mais uma acção de propaganda manhosa para a maioria dos antigamente informados pela leitura das gordas.
Quando tens o partido que lideras a ser papado pelo sucedâneo de extrema-direita, incubado durante décadas entre portas com a capa do "sentido de Estado", depois legitimado em acordos para a governação, e a única coisa que te ocorre é chutar para canto com piadas sobre os comunistas.
"A brincar, a brincar, foi o macaco ao cu à mãe", vox pop.
Este é o gráfico posto a circular nas redes pelos minions do Ventas, à parte a "Pitágora & Sondagens PT" não existir, um peru menor, como diz o povo, as pessoas olham e vêm um gráfico impressionante, o Chaga como terceira força política, a morder os calcanhares ao PSD, a deixar lá bem no fundo da rua o CDS do Chicão, apesar dos esforços suados do Nuno Melo. O tipo [typography] com o dobro do tamanho do dos outros partidos políticos para encher o olho e tapar o cérebro, impactante, impressionante. Ninguém se dá ao trabalho de mais nada que não partilhar este fenómeno da política. Missão cumprida, a dos minions. Só que depois fazemos as contas e são 22 + 20 + 5 + 4 + 3 + 2 + 1 + 1= 58 deputados eleitos pelo distrito de Lisboa que elege... 48 deputados, menos 10. Até a Wikipédia sabe. Missão cumprida, a dos minions, discípulos de Goebbels.
Adenda: Uma sondagem sem indecisos, nulos, brancos, abstenção, ou não sabe/ não responde. Todo o eleitor em idade de votar, vota. Há que dar valor a tamanha capacidade de mobilização do eleitorado.
Dizia na televisão um habitante do concelho de Mação que o fogo deste ano seguiu exactamente o mesmo trajecto seguido pelo fogo de 2017. Não é muito difícil prever qual vai ser o sentido do fogo no ano de 2021. E é assim de há vinte e tal anos a esta parte, desde que inventaram o "petróleo verde", que ia tirar as pessoas da miséria, sem nunca ninguém ter informado as pessoas que as pessoas que sairiam da miséria eram outras pessoas e que davam pelo nome de accionistas e proprietários das celuloses, enquanto o dinheiro dos nossos impostos anda em bolandas todos os verões para resgatar pessoas e bens vítimas do petróleo verde já que a bio-diversidade e o ambiente caminham irreversivelmente para a desertificação, a seguir à desertificação humana às mãos das más escolhas políticas.
Daí o interessante da sondagem saída hoje no Jornal de Notícias, um dia depois depois do presidente da Câmara de Mação ter vindo apontar o dedo ao Estado, ler "o Governo", pelo incêndio, o tal que faz exactamente o mesmo trajecto todos os anos em que há incêndios, e no dia em que o presidente da Câmara de Vila de Rei aparece a repetir o mesmo missal, o falhanço do Estado, ler "do Governo".É que daqui até às eleições de Outubro ainda há muito Verão pela frente e muita campanha suja para fazer com préstimo impagável das televisões, todas no terreno sedentas de sangue e de miséria alheia.