"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Ler nos online e nas "redes sociais" pantomineiros neoliberais, daqueles que têm a Margaret Hilda e o Governador da Califórnia nos idos do Woodstock Festival como foto de fundo, a acusarem António Costa de deliberadamente confundir autoridade do Estado com autoritarismo, pela forma como o Governo respondeu à greve dos camionistas das matérias perigosas e como lidou com a figura "requisição civil", depois de passarem a vida a elogiar a mão firme e a domesticação dos sindicatos que levou os "amanhãs que cantam" dos mercados aos States e à UK ;
Ler nos online e nas "redes sociais" pantomineiros do "De pé, ó vítimas da fome! De pé, famélicos da terra!" a acusarem António Costa de grave atentado ao direito à greve consagrado na Constituição da República, enquanto faziam figas para que o Pardal da trotineta fosse eclipsado pela negociação dos patrões com a CGTP, schnell, schnell, e que ninguém se lembrasse de que todos os anos nas páginas do Avante! lastimam a queda do Muro de Berlim e lamentam o fim da União Soviética, onde sindicalismo e luta sindical era na Sibéria, quando se encontravam todos a trabalhar como escravos no Gulag e em condições sub-humanas.
E depois, quando este circo acabar, podemos falar de toda a contratação colectiva assente no baixo salário base compensado por horas a 50 e 75%, horas retiradas ao descanso pagas, descansos efectivos e complementares [dias de folga] pagos, refeições deslocadas, fora da base e à factura, diuturnidades e ajudas de custo, que foi negociada por sindicatos afectos à CGTP, no tempo em que os sindicatos tinham poder negocial e a Intersindical assinava contratos verticais, e da verticalidade sindical que, do princípio "a união faz a força", meteu no mesmo saco coisas diversas e diferentes, uma das razões para o nascimento dos novos sindicatos sectoriais e não alinhados?
Talvez depois haja muita coisa que fique mais nítida.
Fazer mais mal aos sindicatos e ao sindicalismo que dezenas de anos de barragem contínua de propaganda da direita na comunicação social subserviente à agenda do patronato, e de sindicatos fantoches à mesa da concertação social.
Quando a imunidade do sector privado à greve era um dado adquirido, porque inexistentes, ou residuais e inócuas, num espaço de uma mão de meses temos o país abalado por duas greves com adesões massivas, uma com impacto directo no PIB e nas exportações - estivadores em Setúbal, outra que só pela mediação do Governo não o paralisou totalmente - motoristas de transporte de matérias perigosas, ambas convocadas por dois sindicatos não alinhados nem enquadrados nas duas centrais sindicais, cada qual subordinada a uma agenda delineada fora do sindicalismo e da luta sindical tradicional, a CGTP às deliberações da Soeiro Pereira Gomes, a UGT verbo de encher e para que os sindicatos dos patrões não assinem sozinhos as concertações sociais, as duas incapazes de gerar protestos e reivindicações fora da Função Pública e da administração do Estado. E se o tão temido populista nascer na frente sindical?
[Imagem "Federico Fellini on the set of Satyricon" phorographed by Mary Ellen Mark, 1969]
Os mesmos da direita radical que privatizaram sectores estratégicos da economia na base do "aliviar o peso do Estado na economia" querem agora que o Governo intervenha num conflito laboral numa empresa privada. Como ainda lhes resta alguma vergonha, mais medo que vergonha, em exigir publicamente a suspensão do direito à greve, que advogam em privado, ainda os vamos ver clamar pelo sindicalismo responsável da CGTP na mesa das negociações e da concertação, contra o sindicalismo selvagem dos sindicatos não-alinhados.
A UGT quer que a representatividade que não lhe é reconhecida no meio laboral, que os trabalhadores que não tem sindicalizados lhe paguem uma quota mensal como forma de legitimar a luta da UGT, since 1978, na retirada de direitos e garantias, aos trabalhadores, na desvalorização da contratação colectiva, na assinatura de sucessivos códigos do trabalho com condições cada vez mais gravosas, para os trabalhadores, sempre em benefício da rigidez patronal, com a promessa de um amanhã que canta, e que canta sempre para a mais-valia dos patrões e dos accionistas.
Por via da inusitada "geringonça" de esquerda no Parlamento, a UGT reduzida àquilo que sempre foi – nada e sem implantação no terreno do trabalho, com excepção de alguns sindicatos de bancários e seguros; esvaziada da função para a qual foi criada – dizer que sim às confederações patronais e assinar de cruz tudo o que lhe ponham na frente, luta desesperadamente pela sobrevivência e tenta fazer da Concertação Social uma espécie de Câmara Alta do Parlamento, bóia de salvação do sindicalismo fantoche. Desesperados. Responsavelmente desesperados. Desesperados com "sentido de Estado".
O problema de Carlos Silva é exactamente o mesmo problema de Paulo Portas: ninguém precisa dele nem da agremiação que capitaneia para nada, então esbraceja e faz barulho e, quanto mais esbracejar e barulho fizer melhor, pensa ele.
Canetas e esferográficas há muitas [como se viu na tomada de posse do XXI Governo constitucional.
[Imagem de autor desconhecido]
Adenda: Não é por acaso que os ministros do CDS passaram estes últimos 4 anos a elogiar o "sentido de responsabilidade" da UGT e dos seus dirigentes.
Não sendo do conhecimento geral qual a quota de cedências que coube aos patrões, ou até se as houve, e que as do Governo ficaram em águas de bacalhau apesar da ameaça de entornar a água ao bacalhau por parte do homenzinho responsável que sucedeu ao homenzinho responsável e que antecedeu o homenzinho responsável.
Posto isto, e como continua alegremente na sua yellow brick road em direcção a Emerald City sem se desviar uma vírgula do caminho, conclui-se que ou é tolinho ou cada um é para o que nasce e há quem nasça para ser marioneta ou boneco de ventríloquo.
«Tenho alguma estranheza como é que o povo português levou pancada durante quatro anos e está disposto a manter a confiança num governo que cortou salários, pensões, reduziu a concertação social a um diálogo de surdos, bloqueou a negociação colectiva, mesmo que se diga que foi por imposição do FMI».
Quando o que ele quer dizer é que do lado dos patrões "sempre temos defendido que mais vale ter um posto de trabalho mal remunerado do que diminuir a mais-valia ao patrão e/ ou ao accionista.
Como se fossemos todos muito burros e nunca tivessemos assistido pela televisão ao homenzinho responsável João Proença, de gravata e prenhe de sentido de Estado, ao lado do patrão a celebrar mais um acordo para a competitividade e o crescimento da economia e a salvaguarda do emprego.