"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Luís Montenegro diz que se propõe a acabar gradualmente com a publicidade na RTP, as televisões privadas aplaudiram. E Luís Montenegro diz que não vai haver aumento da taxa audiovisual para compensar a perda da publicidade, os do menos taxas e taxinhas disseram que sim senhor. E ainda disse Luís Montenegro que vai haver dinheiro aos potes para a RTP rescindir contrato com trabalhadores. Luís Montenegro não disse, como Passos Coelho, que a RTP era para privatizar. Não. Luís Montenegro propõe-se gradualmente acabar com o serviço público de televisão, asfixiar a RTP até a tornar insignificante e insustentável. A seguir Luís Montenegro vai meter os contribuintes a pagarem a privatização da RTP, darmos dinheiro do nosso bolso para que algum privado, por caridade cristã, fique com ela. O "rural" saiu melhor que a encomenda. E Luís Montenegro chamou "inimigas da democracia" às redes sociais, as redes sociais onde o Governo tem dezenas de contas a bombarem propaganda 24 horas/ dia e onde o PSD tem centenas de minons de plantão em acções de desinformação e bullying. A seguir Luís Montenegro fez saber como quer o jornalismo e os jornalistas, quietinhos e mansinhos, como na Venezuela. Depois Luís Montenegro desceu o palanque e foi sentar-se entre José Eduardo Moniz, director-geral da TVI, e Francisco Balsemão, filho, CEO da SIC.
Descontando aquela parte do Conselho Geral Independente da RTP ser de nomeação governamental [do Governo que acha que os juízes do Tribunal Constitucional devem corresponder aos anseios da maioria que os nomeou], em alternativa à nomeação por dois terços da Assembleia da República, "o que não garantia pessoas genuinamente independentes mas antes pessoas de nomeação multipartidária" [não, não estou a gozar], não percebo como é que no affair Liga dos Campeões aparece sempre, mas sempre, em letras gordas os 18 milhões de euros pagos pela RTP e nunca, mas nunca, o quanto a empresa vai ganhar em audiências, as previsões das receitas com a publicidade e com os direitos de retransmissão e resumos, como se Alberto da Ponte, que era o melhor gestor do mundo e arredores, apesar de ter passado a vida a vender Heineken e Schweppes, passasse, em menos de um fósforo, a gestor incompetente e irresponsável.
A ideia não é ter um serviço público de televisão, com qualidade, uma empresa sustentável e competitiva, a ideia é destruir e desmantelar a RTP para dar margem e receita às televisões privadas.
Ainda sou do tempo em que Mário Soares era o bochechas, um contra-revolucionário que tinha guardado o socialismo dentro duma gaveta numa secretária no Largo do Rato, o amigo dos 'amaricanos' que fazia o que a CIA do Carlucci lhe mandava fazer, que era dar cabo da revolução e do poder popular. E todos os dias, durante o dia todo, lá víamos o bochechas, o secretário-geral do Partido Xuxalista, na televisão e nos jornais a defender a contra-revolução e a reacção e os reaccionários. E todos os dias, durante o dia todo, lá víamos os socialistas verdadeiros e os comunistas e os éme éles na televisão e nos jornais, o dia todo, a defender a revolução e o poder popular e a malhar no bochechas. E todos os dias, durante o dia todo, todo lá víamos os reaccionários e os contra-revolucionários escondidos atrás do bochechas com medo dos comunistas e do poder popular, e a não perder oportunidade de morder [n]a revolução, que mal empregues eram as que caíam no chão. Um Kerensky do caralho, esse bochechas.
E foi por bochechas ter sido o bochechas que os socialistas verdadeiros e os comunistas podem hoje continuar nos jornais nas televisões, e até on-line, todos os dias a malhar no bochechas, o dia todo. E foi por bochechas ter sido o bochechas que os éme éles se mudaram todos para o arco da governação e, com grande "sentido de Estado", pariram uma geração que, mais do que ter medo da memória, quer construir um homem novo. E estas merdas de construções e ocultações nunca deram bons resultados. Mas também para saber isso é preciso ter memória. E o bochechas, já velho com' ó caralho, sabe isso. E sabe disso.
E como o serviço público, a maior parte das vezes, “não está lá reflectido” [de prudente e/ou sensato, ou de imagem devolvida por um espelho?], ao invés de se tomarem medidas correctivas para que passe a ser “reflectido”, acaba-se pura e simplesmente com ele, privatiza-se. Era mais reflectido dizer que se é contra o serviço público de televisão.
Trocando por miúdos, na impossibilidade do Estado [leia-se “o contribuinte”] financiar a televisão privada, deverá o Estado [leia-se “o contribuinte] financiar por linhas tortas os players privados, através da injecção de dinheiros públicos na televisão pública.
(Imagem Bumpsy, Anthony, Circus Clown, autor desconhecido)