"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Chega aquela altura do ano da direita [e de alguma esquerda] da caridadezinha levar à letra aquela máxima "Natal é quando o homem quiser", alínea a, excepto de 24 para 25 de Dezembro, 25 inclusive, e desatarem a abrir telejornais com os almoços e jantares solidários para os coitadinhos dos sem-abrigo e outros deserdados da sociedade, que os dias do advento são para a família, mesmo família a sério, que somos [são] todos irmãos e cristãos e o caralho mas calma lá com isso de almoçar ou jantar com um badameco qualquer que dorme no vão de escada. Houve um tempo em que os presidentes passavam a noite da consoada, ou da passagem de ano, com os operários de uma qualquer fábrica, para mostar solidariedade com aqueles que não têm dias nem noites porque o país não pode parar, ainda a questão dos "sem-abrigo" não se colocava, mas depois chegou Cavácuo, o Presidente do bolo-rei, o primeiro beato na primeira fila da igreja de goelas abertas para papar o Corpo do Senhor e a tradição caiu em desuso. Vão lá então este ano comer bacalhau fora da data e fora das horas e, oh! oh! oh!, já podem dormir descansados até à terceira semana de Dezembro do ano que vem.
Aplicar aos sem-abrigo o mesmo princípio que durante o Governo da troika foi aplicado por Passos Coelho , Vítor Gaspar, Paulo Portas e Cia Ltda. aos desempregados: diminuir a prestação a pagar, no valor e na duração, para obrigar os "manhosos e calaceiros", desempregados por opção, a procurarem o trabalho que não havia. É state of mind. Ignorando um problema, os sem-abrigo, que sempre foi de dependência de álcool/ drogas, saúde mental, e relações familiares, a que se lhe junta agora o fenómeno imigrante, aliado ao problema habitação, que deixou de ser um bem de primeira necessidade para ser uma activo financeiro, para o qual ninguém estava habilitado a lidar. Não alimentar os sem-abrigo para os obrigar a fazerem-se à vida, começam a trabalhar, e a pagar rendas de casa ao preço de um salário mínimo nacional. Parafraseando Manuel Machado, treinador do Nacional da Madeira, "Um vintém é um vintém, um cretino é um cretino. São coisas que, por mais capas que se façam, não mudam de ano para ano, são valores absolutos".
[Imagem "British prime minister Margaret Thatcher covering her face with her hand at the 1985 Conservative Party Conference"]
Marcelo, que tem como paixão os sem-abrigo e que arranjou maneira de se encontrar "por acaso" com Carlos Moedas na Feira do Livro em plena campanha autárquica, já comentou que é preferível dormir na rua em pleni inverno que num local sem condições?
Pessoas defensoras de políticas económicas e sociais que ao ínfimo sopro geram uma legião de desempregados e sem-abrigo, partilham nas redes vídeo onde sem-abrigo fica sem os poucos pertences que tinha, apanhado que foi no meio de um protesto contra as políticas que as pessoas que partilham o vídeo defendem. Se calhar são todos de câmaras governadas por comunistas.
[Imagem "A person cleans off a wall after protestors spray-painted it a night earlier, during nationwide unrest following the death of George Floyd, near the White House, in Washington", Reuters/ Tom Brenner]
Almoços de Natal para sem-abrigo aos dias 11 e 18 de Dezembro para depois passarem a véspera e o dia sozinhos, no aconchego do cartão nas montras e vãos de escadas das lojas de marca, com rebajas preparadas para logo a seguir às trocas do que não acertou no sapatinho.
Já cumprimos [cumpriram] a parte que lhes cabe no voluntariado, já fizemos [fizeram] a boa acção da quadra, já limpámos [limparam] a consciência, o Natal pode ser aquilo que sempre foi, um hino ao consumismo no aconchego do lar, para o ano há mais.
Natal é quando um homem quiser, duas semanas antes está muito bem, "para quem é bacalhau basta", vox pop.
E depois da cerimónia e da noiva lançar o bouquet para a assistência e de cortado o bolo, os noivos tornam ao abrigo e o “padrinho” ao Palácio e os convidados ao seu habitat “natural” e a vida de cada um segue o seu curso normal e assim se folheou mais uma página negra da baixa política portuguesa e do vale tudo. Este homem é perigoso.