"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
A muito custo e depois de muito barulho, político e mediático, finalmente encontrado o "momento processualmente adequado" para ouvir António Costa na casa dos segredos, de onde saiu como entrou, foi só a ocasião se propiciar ao futuro do ex primeiro-ministro para se propiciar às habituais fugas ao segredo de justiça, agora com imagens e tudo, para lembrar à turba que eles ainda ali estão, o Costa, e por sua pessoa o Escária, os polícias, guardadores e desvendadores de segredos, a república dos juízes em roda livre, Bruxelas e tudo o mais. Nunca falha.
"Carlos Alexandre quer Supremo a avaliar alegada violação do segredo de Justiça de António Costa"
O juiz decidiu remeter para o MP no Supremo uma certidão neste âmbito depois de a Procuradora de primeira instância lhe ter dito que não tinha competência nesta matéria [...]
Violação do segredo de justiça é quando o meritíssimo quiser. Ou era. Ou o excelentíssimo senhor juiz ainda não percebeu o que [lhe] aconteceu com este gesto simples de António Costa a estragar uma carrada de primeiras páginas ao Correio da Manha [sem til] e a pôr fim, ainda antes de começar, ao queimar em lume brando das insinuações e julgamentos na praça pública, ou percebeu e ensaia uma fuga para a frente. O que com toda a certeza não percebeu é que isto cansa, que as pessoas começam a ficar fartas.
Se o PSD não sabe se a lista das vítimas do incêndio em Pedrógão Grande está ou não em segredo de justiça primeiro pede um esclarecimento à Procuradora-Geral da República e depois, consoante a resposta recebida, pede ou não ao Governo para o levantar, não faz chicana política nem tenta capitalizar com a desgraça e o sofrimento alheios. E, em caso de dificuldade, faz pedagogia e pede ajuda à comunicação social militante que desconhece a separação de poderes num Estado liberal democrático, acampada à porta do primeiro-ministro e da ministra da Administração Interna, ao invés de ir bater às portas certas [que não são propriamente as das "redes sociais" e as das empresárias elaboradoras de listas].
Juro que vi e ouvi no Prós e Contras da RTP 1 um meritíssimo senhor doutro juiz, Ricardo Cardoso de baptismo, dizer que há violação do segredo de justiça porque a empregada doméstica do arguido buscado em casa que vê o mandato nas mãos da polícia e desata a telefonar para tudo o que é jornais, televisões e jornalistas. Não esclareceu os casos em que o arguido buscado em casa não tem empregada doméstica e o segredo de justiça também é violado. Se calhar é a sogra do arguido. Ou a vizinha que todos os portugueses têm, bisbilhoteira, sempre a espreitar pelo ralo da porta. Ou assim.
A justiça trabalhou árdua e afincadamente para se colocar na posição em que se encontra aos olhos dos cidadãos, o descrédito total e onde o respeito devido aos juízes e aos tribunais foi gradualmente substituído pelo medo. Ninguém tem respeito a ninguém, a nenhum tipo de autoridade, não só aos juízes e aos tribunais, mas também. As pessoas têm medo, o que é substancialmente diferente e muito muito muito salazarento, 41 anos depois do dia da liberdade. E continua meticulosamente, com denodo, na tarefa a que se propôs. Seria cómico se não fosse trágico. «Ministério Público abre inquérito à publicação de interrogatório de Sócrates».
"O processo foi posto de modo a que só o Correio da Manha [sem til] tenha acesso às notícias" [e faça primeiras páginas com todos os detalhes e os pormenores mais escabrosos].
«O procurador do Ministério Público, Rosário Teixeira, e o juiz de instrução criminal, Carlos Alexandre, estarão convencidos que as entrevistas dadas por José Sócrates à comunicação social são uma forma de reproduzir o que foi dito em interrogatório judicial, logo, um exemplo claro de violação de segredo de Justiça.»
[Imagem "RKO clown Toto distributes cardboard Easter bunnies packed with lollipops from W.T. Grant Company at UW Children's Orthopedic hospital, 436 N. Randall Street.(1932)"]
E reintroduzir o exame prévio, as detenções arbitrárias e o julgamento sumário em tribunal plenário, porque a justiça tem de ser célere por causa do investimento estrangeiro na economia. Multas “verdadeiramente” dissuasoras, actividade suspensa, buscas domiciliárias e nas redacções. Como se o jornalista fosse aquele fulano que, pela calada da noite, por escalada de varandas, arrombamento de portas e gavetas, entrasse no DCIAP, no Ministério Público, nos tribunais, para sacar as preciosas informações que não lhe vêm parar às mãos por intereses diversos dos "barões, baronesas, viscondes e viscondessas", intocáveis e imperturbáveis no foral.
Não sei se a figura do bufo é reconhecida no Código Penal português, desde o dia 25 de Abril de 1974. Ou mesmo se é necessário o seu reconhecimento, em papel de Lei, como sói dizer-se. E também não sei se o affair Manchete-Angola é tido e achado numa Procuradoria-Geral da República, subitamente em "modo frantic" e a "quente, e dirigida por uma Procuradora com ligações à "casa-mãe" do Governo.
E ajuda a perceber como é que funciona a teia de cumplicidades e a rede de promiscuidades entre a[s] polícia[s] e a comunicação social, e explica as execuções de mandatos de busca com transmissão em directo nas televisões e as constantes fugas ao segredo de justiça em processos ainda em investigação e/ ou em julgamento, e, pasme-se, vem denunciado nas páginas do jornal campeão das primeiras páginas à custa dessa mesma promiscuidade e cumplicidade. E ninguém faz nada???