"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O país onde um projecto PIN [Potencial Interesse Nacional] com não-sei-quantas-centenas de camas e mais não-sei-quantos-buracos de golfe nasce numa área protegida ou de reserva onde antes era proibido montar uma tenda de campismo selvagem;
o país onde um fábrica de celuloses leva dezenas de ano a fio a despejar impunemente num rio águas residuais sem tratamento, contra advertências escritas da tutela e coimas simbólicas aplicadas pelos tribunais;
o país onde os cidadãos são ciclicamente convocados a pagar os desmandos dos bancos e dos banqueiros da excelência da gestão privada;
o país onde os deputados e ministros circulam entre o público e o privado, negociando com as empresas enquanto governantes o que vão administrar no privado depois de largarem os cargos para os quais foram eleitos ou nomeados pelo partido saído vencedor de eleições livres e democráticas;
o país onde as auto-estradas são concessionadas a privados ficando o Estado com o ónus da manutenção e da compensação por o tráfego não atingir os números calculados numa projecção irrealista entre as portagens cobradas e os veículos que não circulam;
o país onde o Estado financia com o dinheiro dos contribuintes um Estado paralelo denominado de IPSS e "economia social" numa duplicação de funções;
Estamos a falar da Saúde, da Educação, da Justiça, os únicos sectores que vão resistindo à voragem, "libertadora", da "excelência" do sector privado, ou do Estado chinês e do estado angolano detentores de sectores estratégicos da economia? Do que é que se fala quando se diz da boca para fora, e sem quantificar, que o “peso do sector público em Portugal está a matar o privado”, num país chamado a salvar com o dinheiro dos seus impostos e a com as tripas e o coração a "excelência" do sector bancário privado?
Gozar com o pagode uma vez é, numa economia em recessão, com empresas a fechar portas todos os dias e com o desemprego a atingir números nunca antes vistos, considerar a possibilidade de uma eventual fuga maciça de quadros e empregados [motivada por uma redução salarial e perda de direitos] da segurança de um emprego para toda a vida no Estado para o sector privado.
«cortar nos salários do privado não resolveria o problema orçamental do país, já que não é o Estado que paga estes salários» o que sendo verdade não deixa de ser uma grande mentira. Primeiro porque cortar nos salários do sector privado é cortar na receita e agravar ainda mais a recessão. À proporção, é o que mais cedo ou mais tarde vai acontecer com a economia alemã, vítima da recessão das economias da zona euro. Segundo porque enquanto for na Função Pública e no sector empresarial do Estado está o PCP e mais 500 mil nas ruas, se atacar a eito no sector privado arrisca 9 milhões, PPD’s incluídos.
A propósito, o aumento do horário de trabalho em meia hora, todos os dias durante 2 anos, no sector privado, só vem legitimar em meia hora o que na realidade já acontece nos serviços, nos bancos, nos hipermercados, nas fábricas, etc., onde os trabalhadores, todos os dias do ano, dão uma e mais horas ao patrão, às vezes um dia da folga, interrupções de férias, a troco da manutenção do posto de trabalho, uma coacção pressão inexistente no Estado do emprego para toda a vida.