"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O Governo deixou de poupar 140 milhões com as parcerias público-privadas e, dos 160 milhões que diz que poupou, não poupou coisíssima nenhuma porque, e ao contrário do que acontece com os subsídios de doença e de desemprego, com os pensionistas e com os reformados e com todos os trabalhadores no activo, do sector público ou do sector privado, há o "aval dos bancos financiadores" e os accionistas e os concessionários, e o respeitinho é muito bonito, e o Governo das empresas e das corporações, eleito pelo voto popular, é muito respeitador das hierarquias e obediente ao seu público-alvo, e nem sequer a troika é para aqui chamada nem o Governo invoca o memorando "assinado pelos socialistas".
Por uma questão de justiça, e seguindo o justo princípio do utilizador-pagador, andaram por aí há uns anos a malhar em João Cravinho por causa das Scuts e do bom negócio que tinha sido para os boys do PS colocados nas empresas amigas do PS e do Estado, que é como quem diz amigas do bolso do contribuinte. Agora que finalmente se resolveu acabar com o forrobodó, vêm os antigos defensores das portagens dizer que afinal não, que são regiões empobrecidas e a coesão nacional e a falta de alternativa e o diabo a sete.
Os cidadãos da margem sul do Tejo, sem alternativa, pagam portagem na(s) ponte(s) para chegar a Lisboa, todos os dias da semana, todas as semanas do mês, todos os meses do ano, e uma graaaaande maioria além de pagar a(s) ponte(s) também paga a auto-estrada. Isto há um ror de anos, tantos que até já nos esquecemos.
Pagamos as “nossas” directamente, e pagamos indirectamente as Scuts, aquelas por onde raramente ou nunca passamos, por via dos nossos impostos. Isto como se o distrito de Setúbal fosse uma região rica, como se o desemprego e a miséria não estivessem aí a rebentar outra vez, como se nos anos negros da fome e das bandeiras negras não continuássemos sempre a pagar portagem, sem contrapartidas, enquanto os investimentos em infra-estruturas, via fundos comunitários e em nome da coesão nacional, eram efectuados nas regiões que agora se acham no direito de não pagar portagens.
Não tem nada a ver com ultraliberalismo. E se tiver, a partir deste momento, eu sou um ultraliberal (o que quer que isso signifique) ferrenho. Tem a ver com direitos, liberdades e garantias. Ninguém, e muito menos o Estado, tem alguma coisa a ver por onde é que eu ando ou deixo de andar. Ninguém é culpado até prova em contrário; é dos filmes. E o argumento do telemóvel também não cola. O telemóvel posso sempre deixá-lo em casa, ou no banco do jardim, ou no caixote do lixo; também como nos filmes. O carro preciso dele para a minha mobilidade. Isto sim, um verdadeiro argumento à PCP.
Pena é o sistemático fechar de olhos, e por vezes a argumentação rebuscada em a sua defesa, a outras medidas bastante mais graves noutras latitudes.Saúda-se.
(Na imagem Chairman Mao in March 1938 at the seventh congress of the Chinese Communist Party in Peking, via Getty Images)