"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Errar é humano e o Ministério Público nunca erra. O Ministério Público faz coisas indesejáveis, mas tem de ser, é para o bem comum. O Ministério Público não deve desculpas a ninguém porque ninguém tem um estatuto especial, excepto o Ministério Público. Ninguém está acima da Lei, excepto o Ministério Público. Aprendemos ontem na RTP.
Todos os temas em cima da mesa a debater nos frente-a-frente com o chefe do partido da taberna são "imigração + segurança + corrupção". Todos. Como se no país onde os imigrantes contribuíram com 1.604,2 milhões de euros para a Segurança Social; como se no 7.º país mais seguro do mundo; como se no país que está abaixo da médias europeia no Índice de Percepção da Corrupção, não houvesse mais nada com que preocupar. E depois um alegado jornalista na televisão pública - RTP, pergunta, com a maior cara de pau, a Mariana Mortágua, se acha que os imigrantes devem ter acesso à Segurança Social, ao Serviço Nacional de Saúde, à escola pública. Não. Trabalham e não bufam, morrem à porta do hospital, se ficarem desempregados temos pena, os filhos não sabem ler nem escrever é lá problema deles. Há um alegado jornalismo a reboque de agenda política, dito de outra forma, a levar ao colo quem lhe vai tratar da saúde lá mais para a frente.
Ah e tal o ministro Carneiro da Administração Interna telefonou para a RTP, e disso deu conhecimento ao povo e aos policias, e é inaceitável num Estado de direito democrático um governante pressionar ou tentar condicionar um órgão de comunicação social, e tal, a propósito de um cartoon que nem era sobre os dele, e tal, os que se viram cartoonados [inventei agora] sem dó nem piedade a puxar o gatilho sem dó nem piedade e vai daí meteram um processo em tribunal, e tal, e ficaram desde logo a saber que podem contar com o ministro Carneiro, e tal, porque isso o próprio se encarregou de badalar mais rápido que a própria sombra, que também envolve disparar, e podem ficar lá muito bem descansados nos grupos do WhatsApp e Telegram e nas páginas do Facebook, e tal, a tecerem loas ao Ventas e ao Chaga e que vão matar os pretos e os ciganos e ainda meter na ordem aqueles filhos da puta monhés que andam para aí a trabalhar em trabalhos de merda, e tal, que isso e os relatórios dos fóruns e organizações internacionais que dão conta de um problema sistémico de racismo, xenofobia, homofobia nas polícias portuguesas, ainda antes do Cabrita ser ministro, para o ministro Carneiro são pinares comparado com um cartoon sobre a polícia franciu, e tal.
O Ventas do Chaga, que nunca ouviu falar dos ataques racistas a um polícia negro, nos comentários a uma publicação no Twitter alusiva ao 40.º Curso de Formação de Oficiais da Polícia, se calhar no princípio de que tudo o que é preto é bandido, quer todos os responsáveis políticos no Parlamento porque é inaceitável o ódio contra os polícias, num cartoon que passou na RTP a propósito do assassinato de um puto em França, que meteu o país a ferro e fogo durante mais de uma semana, e conseguiu a proeza de levar atrás de si a direita da "liberdade de expressão", dos cartoons de Maomé e do #JeSuisCharlie, ambos, o Ventas do Chaga e o homem sem passado, "o meu passado chama-se Passos", o inventor do Ventas, à procura do circo mediático e do barulho que distrai, como muito bem referiu o ministro da Cultura, entregue a deputados que quando saem para o trabalho deixam o cérebro em casa, como se pode verificar pelas prestações dos representantes do Chaga e do PSD na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP, e que levou a nulidade intelectual que temporariamente lidera o PSD a apodar Pedro Adão e Silva de pedante intelectual. Isto nem inventado. Agora imaginem esta dupla chegar um dia ao governo da nação, ataque à polícia é quando o Ventas do Chaga quiser, que o PSD vai atrás, liberdade de expressão é quando o Ventas do Chaga quiser, que o PSD vai atrás, Estado de direito é quando o Ventas do Chaga quiser, que o PSD vai atrás, polícia tem força de juiz, que é o que o Ventas do Chaga quer e o PSD vai atrás, comissões parlamentares de inquérito são A Quinta das Celebridades ou o Secret Story, que o PSD vai atrás.
Que quanto a alianças com o ex-camarada de partido, agora a soldo dos fascistas, já disse o que tinha dito e nada mais tem a a dizer em relação ao que já disse e que foi nada. Que não senhor, sim senhor, não quer eleições por dá cá aquela palha mas está preparado para ser primeiro-ministro já ontem, como mostram todas as sondagens e estudos de opinião, com o partido e ele e ele o partido a subirem na vontade do pagode, apesar dele e o partido e o partido e ele se encontrarem no mesmo sítio em que se encontravam há um ano e o PS a descer ao seu encontro. E neste já disse e não disse e não torno a dizer o que já não disse foram metade metade dos 90 minutos de jogo. Que está muito indignado com a alegada falta autenticidade das candidaturas autárquicas tutti frutti, "oh rootie", ele que chegou à liderança do partido através de elementos chave que controlam eleitores fantasmas através do pagamento de quotas nas distritais, "a wop bop a loo bop a lop bom bom". Podíamos dizer que não ter a puta da vergonha na cara é isto mas é só mais do mesmo, desde que o partido foi fundado pelo "pensamento político de Sá Carneiro". Que o socialismo está a dar cabo do país, governado por um partido, socialista de nome, e que fez disparar as exportações para além da Taprobana como nunca se 'havera' visto, estabilizar o desemprego e baixar a dívida em percentagem do PIB em tempo recorde. Se o país está melhor e as pessoas não, é coisa que não foi chamada à colação. Mas devia. Portantes, quem no dia das eleições for todo lampeiro fazer um xis no quadradinho deste senhor não se pode queixar depois. Danny Kaye rocks!
António Costa "admite tomar medidas contra a inflação", não vai tomar, admite. Assim como tinha admitido o fim dos vistos gold. Foi há tanto tempo que já ninguém se lembra, foi em Novembro passado. Temos o país constantemente paralisado por greves, dos médicos aos professores, passando pelo enfermeiros e técnicos de diagnóstico, aos transportes públicos, funcionários judiciais e administração pública, mas António Costa tem "acordo com a concertação social, na função pública, com a Associação Nacional de Municípios e tem dialogado na Assembleia da República". E repete isto uma vez atrás da outra, as vezes que forem necessárias, não convencendo ninguém e enganando-se a ele e aquele sindicato dos bancários também conhecido por UGT. António Costa anuncia um conselho de ministros todo ele "exclusivamente dedicado à política de habitação", quando todos nós, na nossa humilde ignorância, pensávamos que "política de habitação" era inerente à função de governar e que os conselhos de ministros eram aquelas coisas que aconteciam naturalmente, como processo de governação. Afinal "anunciam-se".
Propaganda, show off e fogo de artifício, como dizem os camaradas brasileiros, é nos trinques, governar é que está quieto. Talvez da próxima António Costa admita começar a governar. Ou anuncie um conselho de ministros todo ele exclusivamente dedicado à governação.
João Soares, na avença semanal na televisão pública, a meter as mãos no lume pela idoneidade, honestidade, e outras coisas terminadas em "ade", de Fernando Medina, porque conhece o pai e a mãe do dito cujo e isto é uma coisa da genética, quem sai aos seus não é de Genebra. O Pluto não é o filho da Pluta ou o grau zero do comentário político.
Deu para António Costa finalmente proferir as palavras proibidas feitas palavrinhas mágicas: "maioria absoluta";
Deu para Rui Rio aparecer de gravatinha cor de fralda de bebé mudada, qualquer que se a a mensagem subliminar;
Deu para Catarina Martins explicar ao moderador, Carlos Daniel, o que está em causa e o que vai ser votado dia 30;
Deu para António Costa começar ao ataque, que é como quem diz à mentira, com "a alternativa à maioria absoluta ser crise atrás de crise e eleições de 2 em 2 anos" apagando em directo e a cores os anos entre 2015 e 2018, qual Estaline de tesoura em riste a cortar fotografias com o Trotsky;
Deu para Chicão, nascido em 29 de Setembro de 1988, recuperar a memória do sofrimento que foram os anos do PREC;
Deu para Ventura, líder de um albergue de neo nazis e fascistas saudosos de Salazar, invocar os países que nos ultrapassaram na União Europeia, os de leste que nos idos do matacão de Santa Comba tinham homens no espaço enquanto nós tínhamos uma autoestrada de Lisboa ao Casal do Marco, as estradas pejadas de carroças puxadas a burros e demorávamos 5 horas a chegar ao Algarve;
Deu para João Oliveira esfregar na cara de António Costa que os ganhos que exibe como trunfo para uma maioria absoluta só foram possíveis porque o PCP se chegou à frente, caso contrário tínhamos gramado com mais 4 anos de Governo da troika, com o PS a abanar a cabeça na bancada como os cães de feira que nos 70s se usavam na parte de trás dos carros;
Deu para Cotrim de Figueiredo dizer que acreditava no Pai Natal com as pessoas que sobem na vida a trabalhar;
Deu para Rui Rio afirmar que já reduziu despesa pública em empresas privadas;
Deu para Ventura recuperar a bisca das "fundações e organismos que absorvem recursos do Estado" lançada pelo Criador, Passos Coelho, nos anos do Governo da troika;
Deu para Rui Rio, líder de um partido que há 40 anos não faz outra coisa que desinvestir e retirar competências ao Serviço Nacional de Saúde, dizer que o SNS está em falência, depois de ter passado os debates anteriores a dizer que há funcionários públicos a mais;
Deu para Cotrim de Figueiredo passar todo o santo debate a dizer que António Costa não respondia às questões enquanto ele próprio ganhava o cognome de O Ilusionista por causa dos truques para fugir à questão flat tax;
Deu para Rui Tavares vestir a fatiota de Cotrim de Figueiredo e explicar aos telespectadores que com a taxa chata do Ilusão Liberal quem fica a ganhar são os mais ricos, para rombo nos cofres do Estado que asseguram serviços públicos gratuitos e universais;
Deu para Ventura voltar à carga com "o país em que metade trabalha para outra metade que não quer fazer nada" e "um país outro todos roubam e ninguém vai para a prisão", precisamente no dia em que se soube que a agremiação de bandalhos a que preside vai ser despejada da sua sede em Évora por não pagar a renda da casa há 8 meses;
Deu para António Costa fazer autocrítica: "o que faltou foi vontade política para viabilizar o Orçamento do Estado";
Deu para Chicão falar em três banca rotas desde 1995 apesar de nem uma ter havido e a que podia ter acontecido foi evitada;
Desinformação, racismo, fakenews, aquecimento global, blah-blah-blah, poluição, feminismo, pegada alimentar, igualdade, patati patatá, à cautela o melhor é ir tratando da vidinha, que custa a todos, enquanto não se faz um programa sobre precaridade, exploração extrema, total ausência de direitos e garantias, o capitalismo selvagem elevado à sua máxima potência, que sou uma mulher de causas, muito moderna, muito coerente.
Nunca se lhe ouviu, em 40 anos, uma constatação, um lamento, por em 40 anos de democracia a esquerda ter estado afastada da solução e/ ou influência governativa, quando a diferença entre a esquerda e a direita "fragmentadas" é, por exemplo, a primeira reivindicar aumento do salário mínimo, investimento no Serviço Nacional de Saúde e na escola pública, redução da carga horária, direitos iguais para iguais deveres, contra o desmantelamento do Estado social, a privatização da saúde e da educação, a desregulação do mercado laboral, a ausência de direitos e garantias pelos segundos.
Marcelo não engana quem quer ser enganado, Marcelo não engana ninguém, Marcelo sobrevive na iliteracia política portuguesa.
No É Ou Não É de Carlos Daniel, que na RTP substituiu Prós e Contras de Fátima Campos Ferreira, sem os apartes imbecis e com menos interrupções a despropósito, esta semana subordinado ao tema "Que Estado Devemos Ter", apresentou um painel com Ana Gomes, Assunção Cristas, António Pedro Vasconcelos, Augusto Mateus e Carlos Guimarães Pinto. O BE e o PCP, partidos que defendem uma efectiva intervenção do Estado em todas as áreas, desde a economia à saúde passando pela educação, olímpicamente ignorados.
Um partido que nasceu anteontem numa rede social, e que nas últimas legislativas elegeu um deputado, com um representante num programa de televisão, num canal condenado à privatização caso algum dia chegasse a formar governo, com o argumento do "peso do Estado" na comunicação social e da "máquina de propaganda".
Um partido que nas últimas legislativas foi remetido para a cauda do Parlamento, e que a fazer fé em todas as sondagens e estudos de opinião vai pura e simplesmente desaparecer nas próximas eleições, com uma ex-ministra representante, que foi perorar sobre e tudo e mais um par de botas menos sobre o que interessava ouvir: o papel do Estado como trampolim e porta giratória público-privado-público para todos os quadros do partido a que pertence.
A menos que haja alguma espécie de Jorge Mendes do paineleirismo comentadeiro estas coisas não fazem um mínimo de sentido numa televisão pública. Ou se calhar até fazem, à luz do "marxismo cultural" que, segundo os minons da direita, domina o comentário político televisivo neste país dos sovietes.
O mesmo "marxismo cultural" que leva a que tenhamos todos os dias nas televisões fanáticos ideológicos que querem desmantelar o Estado em favor de interesses privados a acusar de "preconceito ideológico" quem defende papel forte do Estado. O mesmo "marxismo cultural" que anda há mais de 30 anos a desinvestir e a retirar competências ao Serviço Nacional de Saúde para depois vir invocar a ausência de resposta e a incapacidade do Serviço Nacional de Saúde como argumento para o entregar ao privado da saúde negócio. Convenhamos, isto é de génio!