"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Não sei se foi por ter passado muito tempo a ver séries e filmes 'amaricano's sobre investigação criminal e julgamento em tribunal, que não nas páginas dos tablóides, pensava eu, na minha santa ignorância, que uma acusação em tribunal era baseada em provas irrefutáveis e não em especulações e suposições. E também, pelo muito tempo que passei a ver séries e filmes 'amaricanos', sou levado a concluir que, num tribunal 'amaricano', os senhores Rosário Teixeira e Calex era corridos para fora do tribunal pelo juiz sem sequer tocarem com os pés no chão. À parte uma coisa inexplicável que foi o favor que a televisão do militante n.º 1 fez a José Sócrates com o "trabalho jornalístico" assente única e exclusivamente em meter no horário nobre o ex-primeiro-ministro aos berros perante o procurador, ladeado pelos advogados que se limitavam a pedir calma, enquanto tentava desmontar uma acusação assente em nada, vamos acabar todos, contribuintes, a pagar uma indemnização choruda a José Sócrates por condenação do Estado português, em última instância, pelo Tribunal Europeu.
Quando José Sócrates, de recurso em recurso, chegar à condenação do Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, quem paga a indemnização é Batman Carlos Alexandre, o Robin Rosário Teixeira, ou o suspeito do costume, o Superman José Povinho?
Quando daqui por uns anos, muitos e longos que as anedotas são de alentejanos mas quem tem o proveito é a justiça do Minho ao Algarve, José Sócrates ganhar uns milhões de euros de indemnização depois de recurso atrás de recurso que, invariavelmente, termina no Tribunal Europeu, por causa de um processo mal-amanhado, mal fundamentado, mal investigado e que não deu em nada a não ser em dores de cabeça para o próprio e mais um ror de gente e os tempos que passou à sombra atrás das grades, quem é que paga o pilim? O erário público aka o bolso do contribuinte aka o Estado, ou o bolso do juiz Carlos Alexandre, a meias com o bolso do Procurador Rosário Teixeira, com uma "vaquinha" de ajuda dos meritíssimos Agostinho Torres, Mouraz Lopes e outros?
«Segundo o Correio da Manhã de hoje, sempre bem informado, o Procurador do MP encarregue do caso de Sócrates, Rosário Teixeira, quer assistir in loco ao sorteio que vai determinar qual o juiz que vai analisar o recurso apresentado pela defesa de José Sócrates. Ora, que se saiba, isto é inédito, e configura um ato de assunção óbvia de que a Justiça não confia nela própria.
Teixeira, no fundo, está implicitamente a transmitir a ideia de a decisão sobre o recurso, não é pacífica e vai depender de qual o juiz que o irá analisar.
Está a transmitir a ideia de que os juízes não decidem com base no articulado da Lei, o qual deve ser lido de forma geral e abstrata, mas sim em função de outros quaisquer ditames e circunstancialismos, desconhecidos para o comum dos cidadãos, mas que, pelos vistos, ele conhece bem e teme que se voltem contra o seu dedo acusador.
A gravidade desta atitude é por demais merecedora de alarme para o comum dos cidadãos, por descredibilizar por completo a Justiça e os seus agentes de forma quase insultuosa.
Que haja cidadãos que não acreditem nem na eficácia, nem na imparcialidade da Justiça que se pratica em Portugal, é um ato da convicção de cada um que decorre da forma como são interpretadas as notícias que vão sendo conhecidas sobre a forma como a Justiça vai operando e sobre os resultados que vai produzindo.
Que seja um Procurador do Ministério Público, ainda mais o procurador responsável pelo caso mais mediático que já ocorreu em Portugal, envolvendo um ex-Primeiro Ministro, a transmitir e chancelar perante o País, as suas reservas sobre a imparcialidade dos Juízes, é assunto de gravidade tal, que não se pode deixar passar sem reparo e consequente alarme da comunidade.
Porque é a descredibilização do próprio Estado de Direito que é prosseguida perante a opinião pública por um personagem que deveria ser, ele próprio, um dos pilares desse mesmo Estado de Direito, em nome do qual deve agir e atuar.
Rosário Teixeira não é um vulgar cidadão cujo conhecimento do funcionamento da Justiça é o que deriva daquilo que se vai sabendo através da comunicação social. Teixeira está no âmago mais fundo do sistema de justiça e conhece a forma como esta atua e se aplica. Por isso, e como a sua exigência denota manifesta desconfiança relativamente à própria Justiça, só temos que considerar que ele terá fundadas e justificadas razões para tais desconfianças. O que é triste. Mas que é sobretudo gravíssimo e porventura justificação quanto baste para alarme social por ser um reconhecimento inquestionável de que o Estado de Direito pode estar minado e em processo de colapso.
Mas mais. Se Teixeira desconfia da Justiça, porque havemos nós, confiar na justiça e nos métodos que Teixeira utiliza, ele próprio, enquanto agente de primeiro plano da própria Justiça?
Se ele acha que alguns dos juízes, a quem o recurso pode ser distribuído, são passíveis de não decidir com a necessária isenção, e tendo em conta as quebras constantes do segredo de justiça que só podem partir do MP que Teixeira chefia na investigação, não teremos nós o direito de suspeitar que Teixeira, não estará também, ele próprio, a não atuar com a necessária isenção?
Tem havido, neste processo, uma desproporção enorme de direitos entre a acusação e a defesa. Permitir que Teixeira possa presenciar o sorteio que determinará qual o juiz que analisará o recurso de Sócrates, só não será mais uma ação de privilégio abusivo para a acusação a Sócrates, caso o seu advogado possa também presenciá-lo.
A não ser assim, estaremos perante mais um abuso dos poderes da acusação e a um cerceamento dos direitos da defesa, num processo onde tal assimetria tem sido gritante e repetidamente evidenciada.
«O procurador do Ministério Público, Rosário Teixeira, e o juiz de instrução criminal, Carlos Alexandre, estarão convencidos que as entrevistas dadas por José Sócrates à comunicação social são uma forma de reproduzir o que foi dito em interrogatório judicial, logo, um exemplo claro de violação de segredo de Justiça.»
[Imagem "RKO clown Toto distributes cardboard Easter bunnies packed with lollipops from W.T. Grant Company at UW Children's Orthopedic hospital, 436 N. Randall Street.(1932)"]
A justiça que deixa cair a conta-gotas, e cirurgicamente, pedaços do "segredo" para o Correio da Manha e o Sol fazerem primeiras páginas e para a televisão do Correio da Manha abrir "telejornais", para a fritura em lume brando da condenação vox pop na praça pública, é a mesma justiça que prende preventivamente um cidadão sem explicar porque o prende e retira ao cidadão, preso preventivo sem saber porquê, um dos direitos fundamentais do ser humano numa sociedade moderna e democrática: o direito à palavra.
Já faltou mais para reintroduzir os julgamentos sumários e os trinunais plenários.