"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Por muito estranho que até a mim me pareça, foram quase tantas as vezes em que concordei como aquelas em que discordei. O Paulo Pinto Mascarenhas foi-se embora, o Henrique Raposo está de abalada, com o Paulo Tunhas a escrever a espaços, não sei não…
Leio que a edição em papel da Atlântico está suspensa, por falta de verba para manter o projecto em movimento. É pena. Não me identificando totalmente com a linha editorial da revista, é no entanto uma das minhas leituras obrigatórias. Paulo Tunhas, Paulo Pinto Mascarenhas, Henrique Burnay, Henrique Raposo e Rui Ramos, são alguns dos escribas da revista de que não dispenso a leitura. Não só pela coerência da argumentação, mas também para saber como é que “eles” funcionam (sem ironia).
Faço votos para que seja encontrada uma solução, e que, pelo menos, a faceta on-line se mantenha on-line; passe o trocadilho.
(*) Ditado popular da zona de Azeitão, que significa mais ou menos isto: "não me pagas, não trabalho".
A greve geral do Porto em 1903 é um caso fascinante do sucesso dos anarquistas e que foi varrido da memória do movimento social do país (por pertencer à história dos vencidos). Essa greve foi uma das maiores e mais longas de sempre em Portugal. Terminou com êxito para os operários. Surpreendeu Governo, polícia, patrões, imprensa e os próprios socialistas moderados, que a ela se opuseram. Os dirigentes – se assim lhes podemos chamar – não apareciam porque, de alguma forma, não existiam: nas negociações com o patronato, mediadas pelo governador civil do Porto, os representantes dos operários têxteis mudavam em cada reunião semanal, o que surpreendia os próprios socialistas. Isso contrasta com os actuais sindicatos ainda de inspiração leninista: Carvalho da Silva é dirigente da CGTP há décadas. Não é o único.
Na organização anti-organização dos anarquistas desde o século XIX surpreende o carácter que hoje diríamos pós-moderno: em vez da hierarquia e da rigidez, eles optavam pela estrutura em rede, celebrada hoje como forma ideal de revolta pela multitude sem liderança leninista proposta por Harém e Negro (Multidão, Campo de Letras, 2005). Ao contrário do que pensam muitos crentes da religião Internet, o conceito de rede já se usa há muito. No romance naturalista de 1901 Amanhã, de Abel Botelho (Lello & Irmão, 1982), o dirigente anarquista defende a «rede como «modelo» de «organização» que «funciona… sobranceira e independente às chamadas fórmulas políticas; não obedece a nenhum poder central; não tem parlamentos, nem reis, nem padres, nem fidalgos nem guarda municipal. Governa-se por si… O seu mecanismo é completo, porque a sua solidariedade é perfeita!» este anarquista ficcional passa da teoria à prática, conseguindo «ligar os proletários daqui (de Lisboa Oriental) com os do Oeste e alongar a rede». Duas vezes o romancista compara a «rede» à «teia de aranha». Teia, em inglês web. Com a Internet o modelo revela-se de grande eficácia: os anarquistas mais facilmente prescindem de dirigentes e de organizações firmes, bastando-lhes os sites, os blogues e endereços de e-mail. A rede está feita também para eles. As «acções directas» dos anarquistas correspondem a essas anti-estruturas em rede, sem direcção e com poucos militantes, mas com grande impacto pela surpresa e pelo valor «simbólico».
M 1895, um repórter de O Século ouviu o que dizia um anarquista preso num calabouço policial depois do boicote eficaz a uma manifestação ultramontana na Baixa de Lisboa: «Somos ainda poucos mas dispomos de muita força! A sede da nossa associação é nas praças públicas, ao ar livre.» E em 1903 os grevistas reuniam-se na rua.
A rede era móvel, e é. O Público trouxe em 29. 08 um interessante artigo de Jorge Pinto que era absolutamente claro a este respeito: «A revolução vai ter lugar noutro nível, na Rede, na Internet». Nem por acaso, o artigo respondia a um outro nesse jornal, de António Vilarigues, do PCP e leninista. Jorge Pinto manifestava-se pela caducidade do modelo organizativo e de acção do leninismo, defendia a supremacia dos sindicatos sobre os partidos (como os anarco-sindicalistas do inicio do século XX) e, tal como o citado libertário preso em 1895, defendia a organização dos «descontentes e espoliados (…) na rua». E, depois de prever a revolução na «Rede», dizia num final apocalíptico, que mereceria explicação: «Mas a luta, talvez pacífica na rua, poderá tornar-se sangrenta noutros locais, onde aqueles que dominam os novos meios podem reagir em nome de um mundo melhor.» Há libertários mais apocalípticos do que outros. A «talvez pacífica» na previsão da futura luta na rua talvez se explique pela atracção mútua entre anarquistas e polícias: em Silves, o VE atraiu a GNR 8e depois o SIS), da mesma forma que a manif na Rua do Carmo atraiu a polícia de intervenção.
O secretismo dos anarquistas e libertários, afinal semelhante ao das maçonarias e Opus Dei, é inevitável dado o seu apego à «acção directa» e à «desobediência civil». De certa forma, é uma pena, pois o anarquismo é não só uma ideologia interessante nos seus inúmeros desdobramentos e grande discussão, como tem pontos de vista interessantes que dariam contributos mais positivos ao debate democrático (que eles defendem) se saltassem da obscuridade da web e de encontros semiclandestinos para o espaço público. Porventura os anarquistas receiam deixar de ser anarquistas vindo para o debate democrático aberto. E acharão que mais vale continuar a haver um punhado de apocalípticos do que mais uns quantos integrados. Continuará por isso o jogo do gato e do rato em volta de operações-relâmpago, a surpresa e do esquecimento.
O VE nasce em 15 de Agosto numa iniciativa de tipo libertário: um acampamento ecológico. A SIC mostrou-o numa reportagem em 18 de Agosto, logo depois do assalto em Silves. Os anarquistas têm iniciativas deste género há largas dezenas de anos. Um romance de Mário Domingues, interessante como fonte de informação sobre o início dos anos 20, descreve a criação, logo falhada, de uma comunidade ecológica na Caparica por um grupo de anarquistas. Em 2007, o Ecotopia em Aljezur está feito para não falhar: só dura uns dias, é uma experiência liminar. Um Vilar de Mouros agrícola sem música eléctrica.
Surpreendeu-me que ninguém nos media tradicionais – salvo erro – tenha visto no Verde Eufémia (VE) uma marca anarquista ou libertária, mas, na verdade, tem sido o anarquismo que se remete ele mesmo para o limbo. A semiclandestinidade não permite uma identificação imediata pela opinião pública e pelos actores do sistema democrático, incluindo os mediáticos.
A estrutura ideológica do anarquismo, a ausência de dirigentes, de organização (e de arquivo?) e ainda o apagamento público das suas pessoas e acções passadas ajudam ao esquecimento colectivo do anarquismo e da sua história. Em Portugal, os anarquistas têm momentos de intervenção vitoriosos. O período final da Monarquia e da 1.ª República então marcados pela acção dos anarquistas. Todavia, enquanto partidos como o PS ou o PCP consagraram passados (republicano um, comunista o outro) e mantêm viva a sua memória mesmo quando fracassaram (31 de Janeiro de 1891, 18 de Janeiro de 1934), os anarquistas desaparecem da história. Isso sucede até quando eles vêem as suas acções como vitórias. O VE em Silves é micro-história, mas é um inegável conseguimento dos objectivos a que se propunha. O mesmo se pode dizer das manifestações antiglobalização ou das lutas vitoriosas dos anarco-zapatistas de Chiapas, México (também encapuzados).
Houve pelo menos duas acções públicas em 2007 dos anarquistas portugueses ou em que estes participaram: a manif que terminou com repressão policial na rua do Carmo a 25 de Abril e o assalto em Silves. A surpresa é um factor importante das iniciativas. Não resultando de uma organização permanente e gerando-se numa semiclandestinidade, os anarquistas conseguem facilmente surpreender o resto da sociedade.
A principal diferença entre estes dois eventos separados quase um século é a da grande mediatização do caso de Silves. Ela foi ponderada: os envolvidos explicaram que foi um “risco calculado” para dar visibilidade máxima à acção. Como disse Batista na SIC Notícias, tratou-se de fazer uma acção “simbólica”. A criação de símbolos – que exigem divulgação mediática – e um dos tipos de activismo defendido actualmente pelos libertários internacionais. A invocação de não-violência era necessária a Batista para realçar o carácter simbólico.
A linguagem do VE e dos sites libertários sobre o assalto de Silves coincide com a do anarquismo actual: a «acção directa» visou «restabelecer a ordem democrática, moral e ecológica»; a «acção de desobediência civil» foi «acompanhada por um desfile para dar visibilidade à acção, com música, teatro e outras expressões artísticas e políticas». Tudo isto – prática, teoria, linguagem – é próprio dos anarquistas contemporâneos (ver Ruth Kinna, Anarchism, Routledge, 2005).
O anarquismo de hoje está longe de corresponder ao tom terrível que a palavra desperta. O anarquismo terrorista nunca foi mais do que uma minoria do movimento entre finais do século XIX e as primeiras décadas do século XX, mas vários assassínios espectaculares e o anarquista terrorista ficcionado por autores de renome (Zola, Abel Botelho, Henry James, Conrad, Chesterton) ampliaram o mito. As experiências de poder dos anarquistas terminaram da pior maneira, como em Espanha nos anos 30. Dividido ontem como hoje em inúmeras tendências que seria fastidioso enumerar e descrever (houve até um grupo que colaborou com Alan Greenspan na Reserva Federal dos EUA), o anarquismo perdeu de vista a tomada do poder e optou por formas de intervenção na sociedade – que reconhece mais democrática do que antes – no sentido de conseguir alterar realidades de acordo com os seus ideias. A ecologia é nisso um campo privilegiado e corresponde a uma tradição histórica com mais de um século. Algumas “acções directas” estão ligadas à violência, como os ataques em Seattle e noutras cimeiras dos mais industrializados. Mas há também uma preocupação em evitar a violência física mesmo quando há desobediência civil. Foi também o que disseram os libertários após a acção de Silves.
A falta de organização permanente dos anarquistas é histórica, pois esta corrente político-filosófica realça o individualismo. Todavia, nos últimos tempos alguns libertários portugueses na Internet têm defendido a organização. Não é fácil pretender-se ao mesmo tempo organização e ausência de «estruturas revolucionárias», como se pode ler em http://luta-social.blogspot.com. Gualter Batista disse a Kathleen Gomes (Público, 25. 08) que no VE «não há uma hierarquia de decisão» e em várias entrevistas desprezou os partidos. Na minha interpretação, o BE nada teve a ver com a iniciativa em termos organizacionais, mas simpatizou politicamente com a acção. Para os libertários, o por dos esquemas partidários é o da estrutura vertical leninista, como a do PCP. É certo que no conseguimento de objectivos próprios, Lenine foi muito mais eficaz do que os anarquistas. Inventou o partido de vanguarda: com uma minoria minoritária de minoritários, tomou o Palácio de Inverno em 1917 e foi o que se viu até aos anos 90. Mas, para os anarquistas, o totalitarismo soviético e o partido leninista são as duas faces da mesma moeda.
Seiscentos aldeãos encapuzados com máscaras negras entram em Valpaços em silêncio, sem um grito nem um viva, atravessam a vila até à repartição de Finanças. Um grupo arromba a porta, a buscar os livros das matrizes e toda a papelada oficial. Trazido tudo para a rua, aí foi banhado em petróleo e consumido pelo fogo. Assim como chegaram, partiram.
Aconteceu em Maio de 1909 e lembrei-me do episódio aquando do assalto ao campo de milho transgénico em Silves em Agosto de 2007. Ambos os casos estão marcados pelo tipo de intervenção política dos anarquistas. A minha fonte para o assalto à Fazenda de Valpaços foi João Campos Lima (1887 – 1956), um importante intelectual anarquista português, quase esquecido, como quase todos.
Os camponeses não sabiam ler nem escrever, mas a organização do evento foi, para Campos Lima, perfeita: encapuzados, nem mesmo se reconheceriam entre si; surpreenderam; cumpriram os objectivos; não foram capturados. «Esses lapónios que entraram em Valpaços e atacaram a Fazenda Nacional não têm nome nenhum, não são ninguém. Não pertencem a um partido nem têm credo político.» E acrescentava: «Só os levantamentos populares é que são organizados com perfeição, exactamente porque não requerem um longo preparo e nascem espontaneamente da massa, sem discursos e sem sugestionadores.»
O tipo de discurso é muito semelhante ao que envolveu o Verde Eufémia (VE). Não teve organização. O grupo apresentou-se como “informal” e formado dois dias antes, julgo que no acampamento da Ecotopia em Aljezur. O nome foi inventado para a ocasião. Logo depois, o VE extinguiu-se. Não teve líderes. Como escrevia Campos Lima em 1909, «os chefes dispensam-se por inúteis». Teve apenas um porta-voz, necessidade imposta pela implicação dos media. A acção do VE foi organizada, como o assalto a Valpaços, mas não implica uma organização do tipo partidário, a que quase sempre e quase todos os anarquistas têm sido avessos. Nos comunicados do VE e nas declarações do porta-voz, Gualter Batista, reconheceu-se o discurso dos libertários ou anarquistas.
«Não deixeis nunca a cabeça e o coração nas mãos de outros, muito menos do Estado», disse Benigno Blanco, presidente do Fórum Espanhol da Família. Concordo inteiramente. Permitam-me acrescentar: nem ao Estado nem a nenhuma igreja.
Não gosto de levar banhadas; ainda menos daquelas banhadas que são voluntariamente pagas por mim; do meu bolso. Foi o que me aconteceu com a Atlântico deste mês.
Despachei a Atlântico em dois dias. Dois dias que equivaleram a duas horas com 50 minutos; o tempo em que estou à espera que o puto tenha a aula de natação, que foi onde despachei a Atlântico; na sala de espera dos pais.
A revista sofreu um tratamento de liefting e ficou mais levezinha na apresentação. Porreiro pá! (sem ironia; a sério). Como diria o Coelhone, mais desengordurada. Pena é que o liefting tenha sido extensível ao conteúdo; ganhou contornos light. Não tenho muita pachorra para ler revistas onde os famosos falam e aconselham sobre o Natal e os presentes e as bebidas e o coiso e tal. Fiquei com a estranha sensação de estar a ler uma Caras ou uma Lux dos intelectuais de direita, o que quer que isso signifique.
Salvou-se Benefícios de Acreditar de Paulo Tunhas; A Receita do Tratado de Bernardo Pires de Lima; Eles que Venham de Henrique Burnay; A Direita e a Alma Liberal de Carlos Marques de Almeida e pouco mais; o que convenhamos é pouco para 4 euros.
Continuo sem perceber porque é que insistem nas análises primárias que Carla Hilário Quevedo faz à blogosfera, e qual a razão que alguns insistem em escrever sobre o que não sabem: Joe Strummer por Tiago Galvão. Se a ideia era rir-mo-nos; rimo-nos à barda larga, mas de quem escreveu.
By the way; fazendo fé que o que por aqui e aqui se escreve é verdade, porque razão não baixam o preço à revista?
A propósito dessa "guerra" que para aí vai, leio uma questão / observação pertinente, numa caixa de comentários da Atlântico, assinada por um tal de Igor Caldeira, cuja figura confesso desconhecer, e que também tem um blogue; não é amiguismo na blogosfera; ou como diz o “outro”: Nunca o vi nem mais gordo nem mais magro. Reza assim:
“(…) deveremos tolerar, por hipótese, o racismo? Será isso “liberal”? Mas então o que é ser “liberal”? É defender qualquer coisa? Tanto faz? Ou será que um “liberal” se pode (aliás, deve) indignar quando os impostos sobem, mas pode (ou seja, tanto faz) ficar calado quando alguém profere afirmações racistas? Mais ainda, será compatível com o “liberalismo” ser racista, machista, homofóbico ou ter qualquer outro ódio discriminatório?”
Quando aqui se escreveu isto, a propósito disto, a ideia era chegar até aqui:
“Era un secreto a voces en América Latina, pero ahora el máximo jefe represivo de la dictadura de Augusto Pinochet (1973 - 1990) ha venido a oficializarlo: la CIA estadounidense estuvo implicada en los emblemáticos asesinatos políticos de dos opositores a ese régimen de fuerza, los del ex ministro chileno de Relaciones Exteriores Orlando Letelier y ex jefe del Ejército Carlos Prats.”
Mas por maior que seja o sentimento de revolta por tudo o que aconteceu, com o alto patrocínio dos Estados Unidos, durante todos estes anos, o apego dos povos à liberdade – principalmente daqueles que já provaram o seu sabor – é grande; tão grande ao ponto de não permitir que coisas destas voltem a acontecer.
Em história as coisas não acontecem “porque sim”; tudo tem uma sequência; obedece a uma lógica de causa / efeito. Para os mais distraídos – o que não deve ser o caso do historiador –, as ditaduras militares já lá estavam antes dos Ches e dos Castros; uns não servem para desculpabilizar os outros, mas, por mais ensaios históricos que se escrevam, mais ou menos direccionados, e com exercícios básicos de manipulação de imagem à mistura, (qualquer puto do secundário faz bigodes e dentes podres em cartazes!), não há volta a dar-lhe.
Adenda: Ainda sobre o tema, e como complemento aos livros usados por Rui Ramos para a elaboração do artigo, ler também O Homem que Inventou Fidel – Castro, Cuba e Herbert L. Matthews do “The New York Times”, de Anthony DePalma, Bizâncio 2006.
“O Prémio Nobel da Economia Joseph Stiglitz disse na quarta-feira em Caracas que a decisão do Presidente venezuelano, Hugo Chávez, de criar um banco regional de empréstimos será benéfica para a América do Sul.
(…)
Stiglitz, que venceu o Prémio Nobel da Economia em 2001, criticou também os acordos comerciais dos Estados Unidos com a Colômbia e outros países.
«Isso está a minar a cooperação andina e faz parte da estratégia americana de dividir para conquistar, uma estratégia para tentar conseguir o máximo de lucros para as empresas americanas, deixando pouco para os países em desenvolvimento», disse.”
Os tempos mudaram, e, com eles mudaram os métodos. Deixou de ser ética e politicamente aceitável incentivar e suportar ditaduras militares como forma de tirar dividendos no plano económico, apesar da justificação ter sido sempre política: o mal menor na luta contra o comunismo. No entanto a ideia base objectiva mantém-se imutável. O capitalismo – aqui na acepção económica do termo – vestiu novas roupagens: liberalização dos mercados e competitividade. Qualquer semelhança com o que aqui foi escrito, e que potenciou o aparecimento de Ches e Castros é, obviamente pura coincidência…
Pois é caro Daniel, por muito que lhe custe admitir, eu é que tinha razão. Perder tempo a discutir bigodes… (Segue-se um palavrão terminado em ssseee).
O copianço é muito feio, e não é uma boca ao retardador para o blogue de Luís Filipe Menezes.
No dia 27 de Abril de 2007, publiquei um post onde se dava conta do modo em como o resistente Edmundo Pedro havia sido recebido na manifestação do 25 de Abril em Lisboa, pelos militantes da JCP. Daniel Oliveira passou por lá, pelo blogue, e deixou este comentário:
No dia 9 de Outubro, e a propósito das picardias que andam por aí na web por causa da capa da revista Atlântico, publiquei este post, onde chamo a atenção para o que penso que realmente importa, e que é isto. De certeza por coincidência, Daniel Oliveira que andava entretido e feliz da vida no nobre desígnio de comentar o bigode do Che, publica depois este post.
Declaração de interesses: Este blogue não é Guevarista. Nem tão pouco Castrista, Bolivarista, Chavista ou outro qualquer “Ista” Latino-Americano, Anglo-Saxónico ou o diabo que o valha.
Li com interesse e agrado o artigo sobre Che Guevara que Rui Ramos assina na Atlântico deste mês. (Leiam que vale a pena).
Aparte pontuais discordâncias de análise do ponto de vista ideológico, nada a apontar no que respeita aos factos. Arrisco mesmo dizer que só por isso nem valia a pena ter escrito o artigo, porque não acrescenta nada de novo ao que já se sabe.
Retenho-me no entanto na introdução ao artigo, quando Rui Ramos escreve: “Há 40 anos, a 10 de Outubro de 1967, o mundo viu finalmente o seu cadáver, deitado numa maca, com os olhos entreabertos, vidrados. (…). Com ele, no sul da Bolívia, morria a grande ilusão castrista de revolucionar o continente a partir de uma ilha das Caraíbas protegida pelos soviéticos.”
Rui Ramos comete, a meu ver, um pecado capital (consciente ou inconscientemente, não sei): ao longo das quatro páginas que compõem o artigo, nem um só paragrafo para situar os leitores na América Latina das décadas de 50 / 60 do sec. XX, nem para enquadrar o fenómeno Che / Castro no labirinto de ditaduras militares que governavam o continente, do México até à Argentina, com o alto patrocínio dos Estados Unidos sob um álibi perfeito – a Guerra-fria e a luta contra o Comunismo.
Partindo da máxima “Fomismo (de fome) é Comunismo”, as sucessivas administrações Norte-Americanas meteram o pé na poça e fizeram asneira da grossa, ao incentivar e apoiar sem escrúpulos, todo o tipo de ditaduras sanguinárias e corruptas que durante meio século governaram (?) o continente. Se não tivessem como lema que, aqueles países exóticos, produtores de bananas, cheios de mulheres baratas e muita praia para passar as férias, – que, infelizmente era assim que os americanos viam Cuba –, eram o seu quintal da frente (ou das traseiras?), e tivessem deixado seguir normalmente o rumo das coisas, talvez neste momento – porque nestas matérias em história só se pode especular – não se assistisse à tomada de poder pela via eleitoral, de toda uma corja de potenciais candidatos a ditadores de inspiração Guevarista. A “febre” da revolução já lhes tinha passado. Venezuela, Equador, Bolívia, Nicarágua são antes do mais a falência das políticas patrocinadas pelos Estados Unidos na região, e, a prova – ironia suprema – que Che e Fidel conseguiram o que sempre ambicionaram, e pela via das urnas (!), mesmo que depois de mortos.
“Esta é a história de um fracasso” – assim começou Guevara o seu relatório da expedição ao Congo, em 1965”, escreve Rui Ramos. Caro Rui Ramos, talvez tenha chegado a hora de reescrever o diário de Che, porque cada vez mais me parece ser esta “A história de um sucesso” para os semeadores da revolução, e que, por linhas tortas, se começou a escrever no dia em que os Estados Unidos decidiram patrocinar a primeira ditadura militar latino-americana.
No número de Agosto da revista Atlântico, há um artigo que me merece especial atenção. Couve de Bruxelas, assinado por Henrique Burnay (HB). Reza assim:
A Estátua Que Não Se Faz
«Os americanos fizeram uma estátua às vítimas do totalitarismo comunista, mas é pouco provável que os europeus de Bruxelas também fizessem uma. Os dois lados da ‘Europa’ têm memórias diferentes. O problema é que se não se entendem quanto a quem eram os maus, como é que vão concordar sobre quem são os bons?»
O problema, caro HB, não reside em os europeus não se entenderem. O problema está na eterna perspectiva norte-americana em dividir o mundo entre “bons” e “maus”. O problema está na rapidez com que os norte-americanos, partindo da visão maniqueísta que têm do mundo, erguerem estátuas. E também as derrubarem.
«Tune Kelam, eurodeputado e um importante político estónio, foi à inauguração do memorial destinado a homenagear as cem milhões de vítimas do comunismo, erguido em Washington (…)» escreve HB; muito bem, fosse o monumento aqui mais perto e eu também iria, sem sombra de dúvida. Mas o problema é muito maior que isso. Lestos a homenagear as «vítimas do totalitarismo comunista», que passou ao largo dos EUA, os americanos esquecem-se de homenagear, por exemplo, as vítimas do McCartismo surgido como resposta histérica da “inteligentia” americana ao comunismo; e que não foram tão poucas como isso. Partindo do princípio que vítima não é só aquele que perde a vida. Mas se for só aquele que perde a vida, esquecem-se, por exemplo, de homenagear as vítimas das ditaduras militares na América Latina, inventadas e apoiadas pelos EU, também como reacção ao perigo comunista.
O problema, visto daqui, deste lado da Europa, é que os EU têm problemas em lidar com a sua história recente, e, absolutamente nenhuns quando se trata da história que fica para além dos limites geográficos das suas fronteiras, e principalmente da Europa. Daquela Europa que foi “ganha” para o “lado de cá” pela Guerra-Fria e pelo colapso económico dos comunismos.
Quando HB escreve «mas é pouco provável que os europeus de Bruxelas também fizessem uma» traz-me à memória uma célebre entrevista da Rolling Stone ao músico norte-americano Frank Zappa, em que ele dizia não compreender porque é que os europeus falam diversas línguas e têm diversos governos. «É pouco provável que os europeus de Bruxelas também fizessem uma», mas não é de todo improvável nem impossível que os europeus de Tallin ou de Varsóvia, por exemplo, venham a fazer a sua. E não será por isso que deixaremos de ser mais ou menos Europa; que o projecto europeu se deixará de concretizar. Esta é a riqueza do Velho Continente, e dá pelo nome de diversidade histórica e cultural. Não perceber isto é fazer figura de Frank Zappa, que, com este célebre comentário, definiu o pensamento do americano médio. E fazer figura de Frank Zappa, por razões que não ligadas à música, é fazer uma triste figura.
É fácil erguer estátuas. Ainda mais fácil é derrubá-las. Recordo-me de ver em directo na TV os milhares de alemães, armados de escopros, martelos e picaretas, que participaram no derrube do Muro de Berlim, essa estátua à Guerra-Fria. Da sua genuína alegria. Da sua esperança num mundo novo.
Recordo-me de ver, também em directo pela TV, uma praça de Bagdad. Três dúzias de soldados americanos, armados… com armas. Derrubavam a estátua do ditador sanguinário Saddam. Eram acompanhados na operação por meia dúzia de timidos iraquianos.