"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O país dos 600 € de salário mínimo nacional e da média salarial a rondar os 900 €, descontos para a recapitalização dos bancos incluídos, é o país onde uma renda de casa "acessível" na capital é um T2 por 1 150 € mensais e é o país onde toda a gente, Governo incluído, goza a torto e a direito com o cidadão, o eleitor, o contribuinte, não necessariamente por esta ordem, cada um por si ou todos em conjunto.
Eu até compreendo o raciocínio do Henrique Raposo. E também compreendo o raciocínio dos proprietários. A sério que compreendo. E sem ironias.
O que eu gostava de ver explicado era a razão ou as razões, pelas quais o cidadão anónimo não pode se proprietário da sua própria habitação. Ou até de outra, para férias.
Quando se diz e se escreve que «Portugal é um dos países mais pobres da Europa, mas, paradoxalmente, é um dos países com mais proprietários», por que razão ou razões, não podemos ser nós o exemplo no caso da Habitação? Uma vez que, por exemplo, no caso da massa salarial, a Europa não é exemplo para nós…
Esta semana vi numa televisão um senhor todo engravatadinho e engraxadinho, como é da praxe, a passear pelo meio de um bairro qualquer de Lisboa enquanto ia dizendo para o repórter mais ou menos isto: “Esta Lei das Rendas está muito mal feita, não conseguimos actualizar, e veja lá que para sobreviver até já tive de vender várias casas!”. Na mouche! Aqui é que reside o verdadeiro problema quando se fala de Mercado de Arrendamento. Apetece perguntar: “… e trabalhar; já experimentou?”.
Interessante o artigo de Francisco Sarsfield Cabral (FSC) no Público de hoje.
Desde Sarkozy a Paulo Portas, passando por Francisco Louçã todos são classificados como populistas por defenderem uma intervenção dos governos na politica monetária do Banco Central Europeu (BCE) de modo a proteger as famílias da violência da subida das taxas de juro. Na sua argumentação FSC vai ao ponto de evocar o Partido PopulistaNorte-Americano dos finais do sec. XIX criado para «promover a luta dos agricultores contra o crédito difícil e contra os bancos», e, Adolf Hitler, que antes de se tornar chanceler discursava em comícios onde prometia «acabar com a escravatura dos altos juros».
A culpa desta situação, segundo FSC, é do Governo – deste e dos anteriores –, que não souberam criar legislação que permitisse às famílias arrendar casa em vez de a comprar, «pela simples razão de que, com as rendas congeladas ou quase, há muito deixou de haver casas para alugar». O que FSC não explica – e eu pessoalmente adorava ouvir a sua explicação! – é, porque é que um qualquer cidadão há-de ter de pagar uma renda durante toda a vida por uma habitação que nunca será sua, se pode pagar durante 25 / 30 anos a mesma importância, por uma casa que no fim do empréstimo é a sua casa, e que, possivelmente, se converterá num bem imóvel a deixar como herança à descendência. A isto chama-se investimento, e FSC, melhor que ninguém o sabe (quando lhe interessa saber).
Mas o interessante no artigo de FSC está guardado para o último parágrafo, quando dá como exemplo o Governo espanhol que «já anunciou incentivos para estimular o aluguer de habitações»; à parte este anúncio ser uma repescagem eleitoralista do executivo de Zapatero,que já havia anunciado a mesma medida há um ano atrás, e que consiste em o Estado subsidiar as rendas de jovens até aos 30 anos de idade e com fracos rendimentos; na óptica de FSC o intervencionismo estatal / governamental nos mercados é aceitável, depende é dos moldes em como ele é feito. Se for para atenuar os problemas das famílias, estranguladas pelo aumento das taxas de juro, é populismo e é coisa para esquecer, porque a política monetária do BCE é independente e deve continuara sê-lo; se for para financiar com o dinheiro dos nossos impostos o mercado de arrendamento, para que meia-dúzia de proprietários lucrem com as rendas é aceitável e recomenda-se. Pelos vistos há bons intervencionismos e maus intervencionismos…
Muito me conta senhor Cabral! Realmente é uma chatice estas coisas das democracias, em que cada um é proprietário da sua humilde casinha; saudosos tempos em que meia-dúzia de senhorios punham e dispunham das habitações e viviam de papo para o ar à custa das rendas!