"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
E lá continuamos nós embeiçados com as estratégias de comunicação, em como passar a mensagem, em versão hardcore "a quantidade de vaselina usada", fazer parecer ser aquilo que não é. O que está em causa não é o secretismo da medida mas a medida ela própria. Vira o disco e toca o mesmo, o povo gosta é de "grandes músicas".
Só é pena o Diário de Notícias que, em 3 parágrafos, faz – e muito bem - o resumo da jornada, tenha depois uma atitude igual à daqueles que, 10 minutos antes do jogo terminar, começam a abandonar o estádio e acabam por não assistir ao golo decisivo já em cima do apito do árbitro. E os 10 minutos para o jogo acabar que faltam no editorial do DN são o investimento que não aparece, os empregos que não vão haver, os subsídios de desemprego que vão acabar, o recurso ao RSI e às senhas de sobrevivência nas "cantinas sociais" e nas IPSS e, por agora, a obrigatoriedade de ser útil à sociedade nas autarquias, juntas e IPSS. Por agora.
[Na imagem Max Schreck em Nosferatu de F. W. Murnau]
Limpar as empresas de activos tóxicos trabalhadores com muitos anos de casa. Os efectivos, os no topo da carreira, aqueles com salários mais elevados, porque há por aí uma legião de gente nova disposta a tudo para ter um emprego. E o tudo são os baixos salários, a contratação a prazo e a ausência de regalias.
É (um)a maneira de ver a coisa. Porque todos os dias centenas de trabalhadores por esse país fora, do público ao privado, pedem a passagem à reforma falando de «"desmotivação", de "frustração", de "saturação", de "desconsideração cada vez maior relativamente à profissão", de "se sentirem a mais"»; por o factor humano ter sido preterido em favor do factor económico. Só que não têm o mesmo peso corporativo que a classe “Professor” tem. Nem se movimentam nos media com o mesmo à vontade.
Na minha empresa por exemplo: os mais velhos, embora com penalização na reforma, estão todos de abalada. Pergunte-se: “Porquê?” – “Porque não estou para me chatear!”, é a resposta recebida. E os postos de trabalho vão sendo paulatinamente preenchidos com imigrantes provenientes do Brasil, da Moldávia, da Ucrânia. Porquê? Porque os mais novos que cá estão, vulgo portugueses, não estão para se chatear.
Que futuro é possível esperar de um país onde os trabalhadores se sentem a mais?
Possivelmente, num futuro mais ou menos próximo, por alturas do Natal e da Páscoa os engarrafamentos do ir “passar as festas à terra” deixem de ser nas auto-estradas e passem para os aeroportos e estações de TGV.