"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Parece que vai por aí grande alvoroço porque a extrema-direita está a ganhar likes no TikTok e no Insta a todos os outros na geração entre os 18 e os 24 anos, e Portugal não é excepção, com o partido da taberna a liderar destacado. Porque em casa já ninguém fala com os filhos [como se antes falassem de outras coisas que não merdas de futebol, reality shows manhosos, e festivais de música pimba]. Porque estamos [estão] todos à mesa de telemóvel na mão [como se antes do telemóvel alguém falasse de política com os filhos à mesa, ou de outra coisa qualquer]. Porque os putos passam o dia, e a noite, na net [antes disto é porque viam demasiada televisão]. Porque se calhar é melhor meter alguma ordem na net e nas redes [antes disto chamava-se censura, e depois da ordem metida quando a direita se alçar ao poder só precisa acrescentar "nova"]. Tudo isto no país em que ninguém fala de política no local de trabalho, porque isso é com cada um, porque a minha política é o trabalho e depois o fora-de-jogo no domingo e o penálti por assinalar. Tudo isto pelos génios do génio que Obama foi por ganhar eleições a mexer-se bem no Facebook e no Twitter, estas novas ferramentas de comunicação. Sim, os fascistas podem, mais que não sejam porque não estão cá com merdas como os outros.
No dia em que o palco ruiu por causa do trabalho de investigação de um "anónimo" no Twitter, o senhor Silva, diz-se que quer ser Presidente da República, sai-se com as redes sociais estão a "enfraquecer instituições". O timing é tudo, como sói dizer.
O Facebook, o Instagram e o WhatsApp estiveram em baixo e, descontando os agarrados que migraram para o Twitter à procura de "metadona social", o apagão obrigou os jornalistas a fazerem trabalho de jornalistas e a sabermos todos pela comunicação social o que acontecia no Facebook, Instagram e WhatsApp, ao invés de sabermos pelas três redes o que acontecia na sociedade e no mundo, dito por quem trabalha nos jornais, rádios e televisões. Por cinco horas voltámos a ser uma sociedade funcional, com a vantagem de não termos o discurso do ódio amplificado e difundido urbi et orbi.
Parecendo nascer condenada ao fracasso, na era do minimalismo Twitter, ainda assim com o número de caracteres duplicado em relação ao original, da imagem por mil palavras no Instagram ou do TikTok intuitivo - 'Shock and Awe', o Clubhouse tem no entanto tudo para se tornar a rede tuga por excelência, a República da Reunião de Condomínio, horas e horas de conversa pela noite dentro para se chegar a conclusão nenhuma.
Atacam o governo espanhol, socialismo radical, por estar a esconder os números da Covid-19, para logo a seguir criticarem o governo português, socialismo, por os estar a publicar sem truques, quando antes tinham elogiado o governo espanhol por ter tido dias seguidos sem mortes enquanto em Portugal se continuava a morrer, isto depois do elogio à Áustria, por abrir fronteiras a todos excepto a Portugal, assobiando para o lado ao contributo do governo austríaco para a propagação da pandemia na Europa ao ignorar e esconder o vírus para não prejudicar o turismo na neve, ainda antes de terem dado como exemplo países com menos infecções que Portugal, não referindo que somos dos que mais testa na Europa e no mundo e que o que conta nesta altura do campeonato são o número de mortes e de internamentos em cuidados intensivos e não o número de contagiados, para logo a seguir invocarem a Grécia, um governo democrático, do partido da tradição das contas marteladas que chamou a miséria da troika, a abrir portas ao turismo, a todos excepto a Portugal, como se ninguém percebesse que nos tempos que correm, do desemprego e do coma da economia, esta não fosse uma das frentes de batalha - viagens, lazer e tempos livres.
É este o estado da danação dos bonecos de ventríloquo da direita do tugão que pululam nas redes nos tempos que correm.
As redes sociais são boas quando usadas pelos avençados do partido do militante n.º 1 para largarem spin, fazerem acções de propaganda e manobras de intoxicação da opinião pública.
As redes sociais são boas para o grupo de comunicação social do militante n.º 1 estar nelas.
As redes sociais são boas para os jornalistas do grupo de comunicação social do militante n.º 1 virem para as redes sociais queixarem-se das redes sociais.
As redes sociais são boas para os órgãos de comunicação social do grupo de comunicação social do militante n.º 1 lucrarem milhões com o clickbait.
As redes sociais são boas para a televisão do militante n.º 1 fazer RT e linkar, de sábado a segunda, notícias saídas no jornal do militante n.º 1.
As redes sociais são boas para o pivô do telejornal noticiar "o movimento nascido nas redes sociais" e o que "o político tal disse nas redes sociais".
As redes sociais são boas, a começar pela "alvorada" dos blogues, porque democratizaram a opinião e, como consequência, a opinião pública deixou de só opinar o que interessava à opinião privada, patrocinadora de fazedores de opinião pagos pelo grupo de comunicação social do militante n.º 1.
Temos una doutora, presidente da Assembleia da República, que diz "inconseguimento"; temos um doutor, primeiro-ministro, que diz "malabarice" enquanto sacode a água "do pacote"; temos um doutor, ministro da Educação, que diz "interviu", curiosamente, e só curiosamente, os três do partido que mais desinvestiu na escola pública, na educação e na educação de adultos, nestes 40 anos de democracia, mas o viral nas redes sociais, o que quer que essa merda signifique, é um desgraçado "analfabeto" [entre aspas, sublinho] que teve de sair da escola antes do tempo para fazer pela vida e, quiça, pela vida da sua família, em protesto por um aumento salarial que não vem, um "inconseguimento" de quem já tem idade para estar reformado pelos padrões da senhora que é doutora e segunda figura do Estado, e que pensa que vergonha é um verbo.
«Facebook has become a dream space of judgment—a place where people you may know only in the most casual way suddenly reveal themselves to be players in a pervasive system of discipline.»