"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Começou por aceitar a oferta do "avião de Troia" pela família real do Qatar, "seria estúpido não aceitar", disse. À chegada a Doha fez continência à guarda de honra nativa, o presidente da maior potência mundial a bater pala a tropa estrangeira, ninguém lhe explicou. Teve apogeu em Riade, onde subiu ao palco para discursar com a bandeira do verdadeiro Estado islâmico por fundo, se calhar é cenário, ou patrocínio de uma empresa qualquer, deve ter pensado. Nem o mais estúpido de todos os presidentes americanos, George W. Bush, alguma vez aceitava desempenhar o papel de bobo nesta encenação.
Da primeira vez que tivemos onze jogadores em campo a jogarem à bola entre si, e a divertirem-se, em vez de os habituais dez, em esforço, a jogarem a bola para um, Portugal deu chapa seis à Suíça, com Gonçalo Ramos, o jogador mais jovem depois de Pelé a assinar um hat trick em jogo de estreia num mundial, o gajo que só foi convocado porque é do Benfica, segundo os cabeçudos da clubite futeboleira, duas horas depois de terminado o match que consagrou Gonçalo Ramos o "Man of", nas televisões portugueses continuava-se alegremente a falar de Ró Náldo [com dois acentos, como eles pronunciam], a sua "mais que prevista e anunciada decadência", os mesmos que até anteontem juravam que o crack ia bater o recorde de Roger Milla. Numa coisa há que tirar o chapéu ao 7, sem que fique a descoberto a caspa e a oleosidade, é que nem Beckam, a solo ou em parceria com a posh girl, conseguiu alguma vez projectar a sua imagem desta maneira, que falem de mim, dele, bem ou mal, mas que falem.
O Presidente da República do Estado laico que anda todo babado, e faz questão de misturar a baba com o cargo que exerce, com os milhões de euros do contribuinte enterrados na Jornada Mundial da Juventude a cargo da Igreja Católica, é o Presidente da República que alerta para para a pobreza e crise social em evento promovido pela Mota-Engil cujo CEO aufere anualmente um salário 73 vezes superior à média do que paga o seu grupo. Isto antes da bola, que foi ver a Braga, agora que os combustíveis estão a baixar há semanas consecutivas e se pode dar a esse luxo, e aproveitar o intervalo para lamentar, em directo para a televisão, ter perdido os primeiros 15 minutos do jogo e dar a táctica para levar de vencida o Uruguai na segunda parte.
No fim do jogo a televisão do militante n.º 1, SIC Notícias, foi "em directo para o Funchal, Cristiano Ró Náldo [assim mesmo, com dois acentos] não marcou mas os madeirenses estão contentes".
People watch the soccer match between Qatar and Senegal at a public viewing area in Al-Ruwais, Qatar, Friday, Nov. 25, 2022. AP Photo/ Matthias Schrader
A Morocco team supporter watches the World Cup group F soccer match between Morocco and Croatia, at the Al Bayt Stadium in Al Khor, Qatar, Wednesday, Nov. 23, 2022. AP Photo/ Thanassis Stavrakis
À hora da publicação deste post, o tweet da POPTime "ABSURDO! Catar construiu muros para esconder população pobre do país durante a Copa do Mundo 2022" já leva 1.261 retweets, 2.778 tweets com comentário, 16,7 mil likes. Exactamente o mesmo que a câmara de Beja fez para esconder os ciganos no Bairro das Pedreiras. "O Parlamento não autoriza a ida de Marcelo a Beja" podia ser um título de primeira página ou a abertura de um telejornal em Portugal.
Agora que o PSD tirou da cartola uma coisa que há anos apoquentava os portugueses - a revisão constitucional, e conseguiu trazer o PS a reboque para esta grande causa nacional, talvez não fosse de todo descabido introduzir a figura do "impeachment" no novo texto constitucional, para quando titulares eleitos para órgãos de soberania do Estado de direito não se encontrem detentores de todas as suas capacidades