"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Luís Montenegro, para os mais esquecidos era aquele deputado líder da bancada parlamentar do PSD que servia de ponto, dava as deixas para Passos Coelho dissertar longamente sobre o seu desígnio terreno de meter o país nos eixos de onde havia descarrilado no 25 de Abril de 74, sobre a tradicional mandriice portuguesa, sobre o viver acima das possibilidades, as virtudes do empobrecimento e as grandes reformas estruturais para mil anos, no debate para a liderança do PSD que a salvação do Serviço Nacional de Saúde, a resposta para os constrangimentos, passa por atribuir competências a privados, fingindo ignorar que o garrote se deve às políticas orçamentais assumidas no quadro da União Europeia do défice zero até haver excedente orçamental e, com a cumplicidade amorfa da moderadora, sai incólume sem explicar como é que não havendo dinheiro para os cuidados de saúde no Estado vai esse mesmo Estado ter dinheiro para pagar aos privados para se substituírem ao Estado na prestação desses serviços. Fernando Montenegro não está preocupado com o SNS nem com a saúde dos portugueses, está preocupado com o negócio da saúde a atribuir a privados.
[Na imagem Danny Kaye, o original, que tinha piada, não o sósia, um piadista perigoso]
Depois de lançada por Cavaco Silva como a next big thing para a liderança do PSD e bem-vinda por Luís Montenegro, porque faz falta, Maria Luís Albuquerque, a ministra das Finanças do governo da troika que se escondeu atrás do biombo do Banco de Portugal para fugir às responsabilidades do descalabro que foi a resolução do BES, acusa a esquerda de não assumir a responsabilidade de nada, na apresentação do livro de Gabriel Mithá Ribeiro, um dos escribas do jornal da direita radical tuga, Observador, que abre com uma dedicatória a Donald Trump, Jair Bolsonaro, Nova Direita e Povo de Israel e que na introdução enaltece a "profunda revitalização intelectual" levada a cabo por Steve Bannon, Jordan Peterson, Olavo de Carvalho, Roger Scruton ou Dinesh D' Souza, que rompeu "o cerco que trava a socialização da liberdade de expressão". Para os mais esquecidos este/ isto é o partido que pariu André Ventura, com a bênção de Pedro Passos Coelho, também presente no evento e que recebeu um agradecimento especial da parte do autor.
Álvaro Amaro - PSD, José Manuel Fernandes - PSD, Maria da Graça Carvalho - PSD, Nuno Melo - CDS, os euro deputados portugueses que votaram contra a Moção para a Busca e Salvamento de Vidas Humanas no Mediterrâneo, chumbada por 2 - dois - 2 votos.
O professor Cavaco, triste, muito triste com o resultado eleitoral do PSD, avançou o nome da doutora Maria Luís Albuquerque para mobilizar os militantes e unir o partido. O doutor Montenegro respeita as palavras do professor Cavaco e assina por baixo, a doutora Maria é bem vinda. Ainda não é líder do partido e já tem um Centeno para cortar pensões e reformas, perdão, gordura do Estado.
Apesar do "nós somos um partido que fez muito trabalho social quando foi Governo. Com Cavaco Silva, Durão Barroso e Passos Coelho";
apesar do "quem está aqui hoje não é Pedro Passos Coelho, nem Cavaco Silva, nem Durão Barroso, nem Santana Lopes, é Luís Filipe Montenegro";
apesar do "a estratégia de Rui Rio produziu maus resultados mas eu não estou aqui por causa disso, estou aqui porque quero inverter isso";
apesar de tudo isto, o piadista candidato a líder do PSD, quando inquirido por Clara de Sousa sobre o fascista André Ventura e o partido Chega demarcou-se liminarmente e sem os subterfúgios e os jogos de palavras usados para pelo ideólogo de Passos Coelho dois dias antes, no mesmo canal, para fugir à pergunta. Apesar de tudo um democrata.
Depois do sucesso que foi uma ex-ministra do Governo da Troika dutante quatro anos à frente do CDS, Cavaco Silva, que aguentou um executivo de iniciativa presidencial depois da demissão irrevogável de Paulo Portas e da desistência de Vítor Gaspar quando chocou de frente com a realidade, sem a ter a mínima noção da total indiferença com que é olhado dentro do partido que já foi seu e que só por simpatia ainda é escutado com um sorriso nos lábios e com um encolher de ombros assim que vira costas, vem apontar outra ex-ministra de Passos Coelho como factor de união e de mobilização do estilhaçado PSD. Melhor combustível não poderia haver para uma Geringonça 2.0.
Miguel Relvas, da velha liderança do ar pesado e bafiento, sai a terreiro logo no day after a pedir nova liderança e ar fresco para o partido. Podia ser um piada do Imprensa Falsa mas não é. Isto foi de manhã, que à hora do jantar, Miguel Morgado, do mesma agremiação de Miguel Relvas, do circo de sombras por detrás de Passos Coelho, apareceu na televisão do militante n.º 1 aka SIC Notícias a pedir ar fresco e nova liderança para o partido, que ele vai fazer a parte que lhe compete, não sabe nem deixa de saber se é candidato, vai apresentar uma moção e coise, ele que até já meteu mãos à obra e inventou o "cinco para as sete" que só não congrega a direita toda porque o André Ventura se recusou a participar e isso é lá com ele. Não foi ele, Miguel Morgado, quem espantou o fascista Ventura, foi o fascista Ventura que não quis nada com ele. Temos [têm] pena. O André Ventura, esse mesmo, que à noitinha no Prós e Contras na televisão pública teve exactamente o mesmo discurso que o senhor novel deputado eleito pelo Iniciativa Liberal, corrupção, compadrio, sector privado, blah-blah-blah, direito de escolher a escola, saúde privada para todos e que quando Mariana Mortágua falou em "fraude liberal", do Estado a pagar a privados, provocou a mesma reacção nos três, que o João Almeida do CDS também lá estava. E novidades?
Já se tinha percebido que o assunto Tancos tinha morrido quando logo no dia a seguir o velho Correio da Manha [sem til] voltou ao que sempre foi e ignorou olímpicamente o caso na primeira página, no entanto, o [ainda] líder da bancada par[a]lamentar do PSD, ignorando o princípio elementar das democracias - a maioria, frustrado por o circo não montar barraca no Parlamento, aparece a acusar a esquerda de impor uma data para a Comissão Permanente, enquanto lamenta a Assembleia da República não sair dignificada deste affair, um dia - um só, depois de ter sido caçado a digitalizar assinaturas de deputados do seu partido sem a autorização dos próprios. Não ter a puta da vergonha na cara é isto.
No país onde não há candidato a primeiro-ministro o líder do maior partido da oposição quer um debate entre anunciados candidatos a ministro das Finanças. Depois fazem figura de tolinhos quando lhes explicam o funcionamento da democracia parlamentar representativa, como os muchachos de Passos Coelho quando lhes explicaram por a + b que tinham ganho as eleições mas que não iam governar.
Assombrada em todas as previsões e sondagens por uma derrota que se adivinha épica nas eleições de 6 de Outubro começa o vale tudo de uma fuga para a frente da direita trauliteira e sem ideias.
David Justino, vice-presidente da Comissão Política Nacional de Rui Rio, no Twitter.