"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Alegar que alguém com salários entre o miserável e o remediado, mais as contas e a renda da casa para pagar, faz greve, que alguém se dá ao luxo de perder um dia de trabalho, sem razão para isso e só porque o PCP ou o PS lhes mandaram parar, é só passar [mais] um atestado de estupidez aos portugueses, depois do país estar melhor na saúde e na educação "do que há um ano atrás" [como se houvesse há um ano à frente ou há um ano ao lado].
No Bairro do Talude em Loures moravam motoristas da Carris Metropolitana. Todos sabemos os problemas com a falta de motoristas que a Carris Metropolitana teve no arranque da operação, foram sobejamente noticiados nas televisões. Portanto, o argumento da "imigração à toa" e ilegal cai já por terra, "afuera!", como diz o outro.
O salário médio de um motorista da Carris Metropolitana anda à roda dos 1 100/ 1 200€ mensais, com horas e folgas, que é nesta base que as chapas de serviço são elaboradas, leva 1 300/ 1 400€ para casa.
A casa cuja renda não podem pagar. Nas várias reportagens que as televisões passaram aparecem moradores do Talude a dizer que até 400€ de renda conseguem pagar e abandonar a barraca. Como diz o sobrinho do Álvaro Amaro que é ministro [nos idos do PS havia uma hastag para isto, #ComPrimos], a economia vai ter de se adaptar. E o país pode esperar.
Entretanto a televisão do militante n.º 1, SIC Notícias, organiza um debate em cima do joelho com autarcas da Área Metropolitana de Lisboa.
"Moedas a funcionar", como diria o Espírito Santo, abre a boca e invariavelmente a conversa vai parar à polícia e à polícia municipal. Que incompetente, benza-o Deus. Não tem mais nada.
O chegano, militante do PS que é presidente da câmara de Loures, depois de andar pelas redes a meter likes em quem o incentivou a mandar os pretos para a terra deles, os macacos para a selva, Portugal para os portugueses, diz que "não podemos [a câmara] deixar o problema alastrar". Pois. Construiram uma barraca, construiram duas, construiram três, construiram 10, e às 90 barracas a câmara deu por isso.
Pelo meio insinua que há uma rede mafiosa que vende barracas a dois/ três mil euros, como se isso fosse argumento, como se alguém que trabalha 9, 10, 12 horas por dia, nos trabalhos de merda que os portugueses não querem fazer, se sujeitasse a viver na imundice só porque sim e para se fazer ao bife a uma casa da câmara, sabe-se lá com quantos anos na lista de espera.
Afinal a maior imundice, a merda até ao tecto, não está no bairro da lata.
Horas de directos nos telejornais, de reportagens, de comentários, de painéis de especialistas, que ainda ontem estavam a comentar os drones na Ucrânia e que amanhã, se preciso for, estão a comentar as eleições no Benfica, e nenhum, nem um só, foi capaz de fazer uma pergunta simples a um morador do bairro do Talude Militar em Loures: que vida tinha antes, o que é que aconteceu, que voltas é que a Terra eu ao Sol para ter de ir morar para uma barraca e agora se encontar na pele do personagem da canção do Gabriel, O Pensador, "Eu queria morar numa favela, O meu sonho é morar numa favela"?
Querem saber o que é um pantomineiro? Ouçam as declarações de José Luís Carneiro, secretário-geral do Partido alegadamente Socialista, sobre as demolições em Loures, câmara governada por um também alegadamente socialista. Encheram a cabeça de Pedro Nuno Santos que as eleições se ganhavam ao centro, e Pedro Nuno Santos, contra natura, auto domesticou-se e meteu-se ao centro. Foi o que se viu, o PS a descer, muito, e o "centrista" Chega a subir, muito. Agora, como as eleições se ganham ao centro, elegeram secretário-geral um engomadinho com tanto carisma quanto um molho de nabos, e que aparece barbeadinho, penteadinho, a tentar respirar o ar dos tempos na questão da imigração e dos "pretos que enxameiam o país com barracas", sem tomates para se assumir ou, pior que isso, a ser mesmo o que aparenta ser. Mário Soares, sem conversa de merda, tinha ido ao terreno e tinha chamado o Ventura wannabe de Loures ao Rato.
[Imagem: Setúbal, Barracas no primeiro piso do Forte Militar, Setúbal. Arquivo da Associação de Moradores 1975 [?], do livro "Fartas de Viver na Lama", Jaime Pinho/ Fernanda Gonçalves/ Leonor Taurino, Edições Colibri]
95% de 17.125 votantes - 16.342 votos. O camarada Carneiro foi eleito secretário-geral de um partido que só abre as portas das sedes para eleições internas ou para reuniões para decidir o que a comissão nacional ou a comissão política já decidiram. O partido está por conta dos seus donos, as pessoas não saem de casa para ir à sede beber um café e falar de coisas. Haja alguém que pense por elas. Amém!
Um dos maiores broncos que o sistema das jotas partidárias já criou - Duarte Marques, é director de campanha para as presidenciais de 2026 do símbolo máximo do aparelhismo, do clientelismo, do oportunismo, dos partidos e do Estado ao serviço de interesses privados - Marques Mendes.
No dia a seguir ao PSD de Luís Montenegro ter declarado apoio a Marques Mendes, Rui Rio, ex líder do PSD, por duas vezes alvo de tentativa de "golpe de Estado" pelo actual líder e primeiro-ministro, aparece como mandatário da candidatura de Gouveia e Melo [cá se fazem cá se pagam, há mais marés que marinheiros], o almirante anti-sistema, apoiado e financiado por gente de fora do sistema, que vai desde Mário Ferreira a Ângelo Correia passando por Isaltino Morais e Ribeiro e Castro, até ao mais velho de todos, o coveiro do CDS, também conhecido por Chicão.
No PS um homenzinho, responsavelzinho, educadinho, bem engomadinho, cheiinho de "sentido de Estado", vai ser entronizado líder, para dizer que sim e abanar o rabo ao PSD de Luís Montenegro, com a bênção de um velhaco em fim de mandato no palácio de Belém [praise the Lord!], enquanto produz um panhonha desenxavido que meteu na cabeça poder ser Presidente da República - Seguro, Tozé.
Na Miguel Lupi em Lisboa, o Joker ri-se, que é para isso que foi criado.
O taberneiro diz o que um milhão e quase quatrocentos mil portugueses, que não são racistas, nem xenófobos, nem estão cheios de ódio e raiva, querem ouvir, e a factura vai sair pelo lado do Estado social, da escola pública, do Serviço Nacional de Saúde, dos direitos e garantias, coisa que ninguém quer ouvir e que obviamente nunca foi dita, apesar de estar escrita.
O senhor Carneiro, único a chegar-se à frente, diz o que o PS, homenzinho e responsável, com a alma cheia de "sentido de Estado", e o que o PSD pantomineiro e videirinho do doutor Montenegro querem ouvir e que seja dito, a factura vai chegar pelo lado do partido da taberna.
Mais estúpido que ver comentadeiros, alguns nitidamente com agenda, a atribuírem pontuação a actores políticos em debates pré ou campanha eleitoral, é ver comentadeiros, alguns nitidamente com agenda, a pontuarem, e generosamente, alguém que passa a bendita meia-hora do frente-a-frente a gritar, a interromper, a mentir com quantos dentes tem na boca, como o fact-checking depois comprova. "Para o taberneiro twelve points!"
O nosso "problema" com os ilusionistas liberais é que já nos conhecemos há demasiado tempo, tanto quantos os anos deste blogue - 19, dos confrontos de ideias através dos posts, nas caixas de comentário com os escribas do Blasfémias e d' O Insurgente, e depois em "confrontos" rápidos no Twitter a 140 caracteres. Na altura da memória difusa, para alguns, inexistente para outros, revista e lavada a OMO para a maioria , o Chile de Pinochet e dos Chicago Boys, que fica nas costas da Argentina, era do lado de cá do Atlântico, aqui mesmo ao lado. A ditadura um mal necessário. A tortura, os assassinatos, as violações, os desaparecimentos, efeitos colaterais, quando não mesmo um exagero da esquerda. O país aí estava, preparado, pujante, um exemplo para toda a América Latina cubana e guevarista, até mesmo para Portugal, alegavam os especialistas em economês. Agora que a memória está fresca, que todos os dias somos bombardeados com o desemprego, a fome, a miséria, a prostituição nas ruas e os sem-abrigo como factor estrutural e não conjuntural, o ataque às liberdades, as cargas da polícia de choque a qualquer pretexto sobre tudo o que respira, enaltecidas no Twitter por minions com cargos mais ou menos importantes dentro da agremiação, um palerma a distribuir réplicas da moto-serra de Milei na Reunião Geral de Alunos congresso da colectividade, a Argentina é do outro lado do Atlântico, lá muito longe, aquele sítio onde o Magalhães andou às voltas quase meio ano.
Pedro Nuno Santos foi à televisão do militante n.º 1 - SIC Notícias, responder a perguntas sobre Luís Montenegro e para ser acusado por quem entrevistava de só atacar Luís Montenegro e de não ter propostas para apresentar. Uma espécie de José Rodrigues dos Santos em louro e de olhos azuis. A seguir a entrevistadora preferida de Luís Montenegro - Maria João Avillez, foi chamada para comentar a entrevista e sabiamente concluir que Pedro Nuno Santos não fez mais nada que falar de Luís Montenegro e que propostas nicles batatóides. Economia circular é isto.
Depois de um governo viabilizado, de um Orçamento do Estado aprovado, de duas moções de censura chumbadas, Leitão Amaro admite que PSD pode não viabilizar um governo minoritário do PS porque "o PS deitou o Governo abaixo", numa moção de confiança-fuga para a frente como forma de Luís Montenegro escapar ao escrutínio de uma comissão parlamentar de inquérito e procurar legitimidade eleitoral para as cada vez mais trafulhices do foro da ética. É o que acontece quando a esquerda se demite de ser esquerda a toque de uma alegada estabilidade política ou do "sentido de Estado". Já tinha acontecido quando o PS meteu Carlos Costa no Banco de Portugal, quando o PS meteu Marcelo num segundo mandato na Presidência, quando o PS saudou a nomeação de Lucília Gago para Procuradora-geral da República, quando o PS meteu Aguiar-Branco como segunda figura do Estado. De repente tudo se resume ao "critério da reciprocidade". Casos que à esquerda são automaticamente corrupção, compadrio, nepotismo e o diabo a quatro, e à direita perseguição política e argumentum ad hominem. Veja-se Luís Montenegro, veja-se Marine Le Pen, o que disseram antes, o que dizem durante e depois.
Sérgio Sousa Pinto, por esta altura do campeonato ser o herói de quem o baptizou Sérgio Sousa Tinto, do partido da taberna ao CDS, do Ilusão Liberal ao PSD, todos os minions de plantão às redes a replicarem clips com intervenções suas em espaços de comentário nas televisões, diz mais, muito mais, sobre Sérgio Sousa Pinto que sobre os padrinhos de baptizado.
O PS meteu Carlos Costa no Banco de Portugal; o PS meteu Marcelo na Presidência; o PS meteu José Pedro como segunda figura do Estado. Do que é que o PS se queixa concretamente?