"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Agora que dezenas de obras no PRR foram adiadas porque não há empresas a responder aos concursos públicos há uma justificação para a causa de cada coisa e Marcelo deixou de aparecer a cada 10 minutos nos telejornais a pedir celeridade e agilização para não se perder o rico dinheirinho que tanta falta faz à economia e ao país, criando a percepção de que tudo se devia à inércia e à inépcia socialista e geringonça. É a direita que com a cumplicidade da comunicação social acéfala é perita em perita em criar percepções na opinião pública com reflexos nos sentidos de voto, a mesma direita que anda há meses laboriosamente a moer com a insegurança e crime como se isto fosse o O.K. Corral em Tombstone, Arizona.
Cavaco Silva, o dos fundos comunitários para abater frota de pesca, arrancar árvores autóctones, plantar eucalipto e pagar para não semear nada; Cavaco Silva, o da desindustrialização e na aposta no futuro que eram os serviços; Cavaco Silva, o da clique dos montes com piscina, casas no Algarve e jipes, Cavaco Silva, o das anedotas com "o dinheiro da CEE", esse Cavaco Silva "alerta o Governo para a necessidade de fazer um bom uso dos fundos europeus". É pena que o Cavaco Silva sisudo e reservado, de mal com toda a gente e até com ele próprio, o Cavaco Silva carrancudo tenha dado origem ao Cavaco Silva Paródia.
Que o Gagarin tuga tenha dinheiro para esbanjar numa ida de 10 minutos ao espaço e precise de financiamento público para as empresas que lhe geram a riqueza para esbanjar numa ida ao espaço, é uma coisa; a mesma coisa é o Gagarin tuga, depois da vinda a público de irregularidades no processo, ter desistido do financiamento público às empresas que lhe geram fortuna pessoal, que não pode ser confundida com as empresas elas próprias, e devia meter toda a gente a pensar sobre a fiabilidade e a justeza na atribuição destes financiamentos, que a direita toda, com Marcelo à cabeça dos sindicatos patronais, diz desta vez haver Estado a mais e sociedade civil a menos, agora imaginem, e porque é continua o país na merda, trinta e tal anos depois da adesão à Europa e das enxurradas de dinheiro ininterruptas, contra a melhoria, a olhos vistos, da qualidade de vida de uma meia-dúzia, vá lá, uma dúzia.
E não vão faltar gajos, com o Ilusão Liberal à cabeça, a explicar-nos que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, uma coisa são as empresas do gajo, outra coisa é o gajo ele próprio e a sua fortuna pessoal, que não tem nada a ver com as empresas, e ainda outra coisa são os gajos que passam a vida a gozar com o pagode e os gajos que nos explicam que os gajos não estão a gozar com o pagode.
Já chateia. Desde o Presidente da República ao primeiro-ministro, passando por ministros avulso, líderes de partidos diversos, sindicatos, associações empresariais e o mais que seja, a ladainha é a mesma, que o PRR vai ser vai ser uma oportunidade única e irrepetível para Portugal dar o salto até à altura dos olhos da Europa, de se desenvolver, de acabar com a pobreza. Desde o primeiro tostão que deu entrada nos cofres com a adesão à CEE que a oportunidade é única e irrepetível. Com Cavaco: agora é que é. Com Guterres: agora é que vai ser. Com Durão Barroso: desta é que não escapa. Com Sócrates: é pouco mas é o que há e vai ser bem aplicado. O ouro do Brasil. E todos sabemos quem é que desde então teve oportunidades únicas e [ir]repetíveis de acabar com a [sua] pobreza. Já chateia.