"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Uma coisa banal em países como França, Alemanha ou Inglaterra - atirar ovos e tinta a um político como forma de protesto causou grande sururu no país do respeitinho é muito bonito, entre as hostes da direita que anda há décadas, desde o boom dos blogues, a justificar ataques a sedes de partidos políticos no norte do país durante o PREC, e entre o partido que pariu José Sócrates ministro do ambiente e José Sócrates primeiro-ministro e o coelho na cartola chamado PIN, alguns merecedores mais do que tinta, alcatrão e penas. Até o argumento da "liberdade de expressão" já está em cima da mesa, ao lado de outros bastante interessantes como sejam "as férias de avião, as roupas da H&M, os duches quentinhos, as luzes ligadas que deixam pela casa, as toneladas de lixo que fazem nos festivais" trazidos paras as redes pelos minions do PS de serviço, numa acção concertada.
No entanto esta inócua e primitiva forma de protesto teve um mérito, o de dar a conhecer à grande maioria dos portugueses que o país tem, alegadamente, um ministro do Ambiente e, pasme-se, "da acção climática". E já paravam com estas preocupações com aquecimentos globais, alterações climáticas, subidas de nível dos oceanos e blah blah blah e passavam a ver isto como oportunidade de negócio.
Depois do Ventas do Chaga ter declarado a intenção de "roubar" a rua à esquerda surge um "misterioso" Vida Justa, vindo das margens, não as margens do Brecht que oprimem o rio mas das margens do rio que são oprimidas pelas margens, num mix de esquerda à esquerda da esquerda, okupas, desenraizados sociais, anarkas, libertários, imigrantes, uma amalgama de apátridas políticos que não costumam andar metidos nestas alhadas, apesar da participação de elementos mais ou menos conhecidos de organizações e partidos políticos mainstream. Uma vida própria até agora desconhecida e que começou a ganhar visibilidade com o novel STOP dos stores. Quando a extrema-direita aparecer na rua, se aparecer, é com a ralé e como ralé. E até aqui nada de novo e saiba a esquerda aprender com as lições do passado, a completarem 100 anos por estes anos.
A woman struggles with a riot police officer during a protest demanding the dissolution of Congress and to hold democratic elections rather than recognize Dina Boluarte as Peru's President, after the ousting of Peruvian President Pedro Castillo, in Lima, Peru December 12, 2022. Reuters/ Sebastian Castaned
De cada, e de todas as vezes, que há um assomo de protesto, revolta, contestação ao poder instituído nos "países que definem como orientação e objectivo a construção duma sociedade socialista - Cuba, China, Vietname, Laos e R.D.P. da Coreia, pelo seu papel de resistência à 'nova ordem' imperialista", e até mesmo na Arménia ou na Bielorrússia ou na Ucrânia, ficamos a saber, à quinta-feira no "a verdade a que temos direito", da mãozinha da CIA e do imperialismo 'amaricano' a manobrar atrás do arbusto, que no paraíso na terra não há razões para reviralhos, por oposição ao protesto, revolta, contestação ao poder instituído, em zonas do globo como a Palestina ou o Saara ocidental, aí sim, genuíno protesto de massas, de geração espontânea nas ruas e nas fábricas. O que nos transporta para os protestos na fábrica da iPhone em Zhengzhou, China, com a polícia a carregar indiscriminadamente sobre os trabalhadores, manobrados pela CIA e pelo imperialismo 'amaricano', mas por outro lado é o iPhone, o símbolo máximo do imperialismo 'amaricano'. E isto é um senhor imbróglio, não para os chineses, nem para a iPhone, que são muito mais práticos e pragmáticos a lidar com estas minudências, segundo o ponto de vista do capitalismo imperialista, claro, mas para quem constrói narrativas, teses ao congresso, e atribui cédulas de protesto genuíno aos povos, de forma a construírem uma realidade onde encaixar a ideologia e a peculiar visão do mundo.
No país de Jorge Sampaio, Maria Emília Brederode dos Santos, Alberto Martins, Clara Queiroz, Eurico de Figueiredo, Etelvina de Sá, José Medeiros Ferreira, Isabel do Carmo e um grande et caetera, sessenta anos depois da primeira "crise académica" em 1962, e quase 50 anos depois do 25 de Abril.
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* Upgrade ao salazarento "a minha política é o trabalho"
O poder sempre teve um problema com o cabelo. Na tropa é rapado à chegada e nunca tem ordem de grande crescimento até à hora da saída. Durante o PREC, quando a autoridade dentro dos quartéis andou pelas horas da amargura, os tropas deixaram crescer abundantes guedelhas e fartas barbas e patilhas, é ver as fotos da época. Reza a história que o botas de Santa Comba mandava ministros e secretários de Estado comprar um chapéu. Os hippies deixaram-no crescer até tamanhos nunca vistos, os punks eriçaram-no e meteram cristas à moicano, e os skinheads, antes da conotação política, rapavam-no como imagem distintiva da classe operária e dos imigrantes jamaicanos à margem do sistema. Rui Barros quando chegou a Turim com um vasculho na cabeça, antes de pisar o relvado, foi mandado à barbearia por Agnelli, o dono do clube, e com isso fez abundantes primeiras páginas em Portugal sobre o exemplo do profissionalismo do futebol italiano por oposição à lendária rebaldaria do tugão. À imagem das mulheres tapadas nos países governados por barbudos, também eles com o cabelo enrolado em trapos, em Portugal nos idos do fascismo a mulher andava na rua com um lenço na cabeça, e se enviuvasse era o lenço para sempre nos meios rurais ou em comunidades do litoral como as piscatórias. Quem tinha o cabelo um dedo por cima da orelha era apodado de guedelhudo, daí o cabelo à foda-se ou crescidinho atrás, característicos dos betos, que sem mais nada para se revoltarem, mantinham a aparência da insurgência dentro da ordem da classe a que pertenciam. É ver nos mais antigos que ainda por aí circulam, Balsemão por exemplo, ou nos mais novos de idade mas com a mesma idade mental, Lobo Xavier, João Almeida e restante betaria do defunto CDS.
An Embera Indigenous woman carrying a child clashes with riot police while fighting for the right to land they say belongs to them, in Bogota, Colombia October 19, 2022. Reuters/ Harry Furia Grafica