"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
A primeira tournée mundial de Sade Adu em 10 anos é vendida apresentada nos spots televisivos com imagens e sons de há 20 anos [atrás, como sói agora dizer-se]. Faz lembrar o Algarve nos folhetos das agências de turismo, com imagens de antes de ter sido tomado de assalto pelos construtores civis a soldo das autarquias e dos PIN de José Sócrates.
«No need to ask, He's a smooth operator,, Smooth operator, lai-lai-lai…»
* O Governo Sócrates/ PS foi mais eficaz na delapidação do património ambiental comum, porque muito mais abrangente, do que o anterior Governo PSD/ CDS, contudo só se fala no caso Portucale.
* Há muito que o Alentejo está conquistado. O litoral pelos alemães e holandeses, o interior e a raia pelos espanhóis (estes últimos os primeiros a perceber a potencialidade do Alqueva).
E outros atentados ao meio ambiente e ao património natural comum e à qualidade (de)vida d(à)s populações em benefício de uma minoria que se move com à vontade numa rede de cumplicidades com o poder central e/ ou autárquico:
Grândola terra da fraternidade, 36 anos depois do 25 de Abril faz sentido. Património natural e ambiental comum a todos a saque, via projectos PIN, para benefício de meia dúzia. Fraternidade para os grupos Sonae e BES. Para a coisa se compor só falta o Recreativo Grandolense começar a galgar divisões de futebol por aí acima.
Ora deixa-me cá ver: Câmara de Grândola - presidente Carlos Beato; presidente Carlos Beato – PS; PS – Governo; Governo - projectos PIN; projectos PIN - construção civil; construção civil – litoral a saque; litoral a saque – pagam os suspeitos do costume. Desta vez duas vezes.
O que fica para a história, do que as pessoas se vão lembrar, é das coisas más, nunca das boas. Não sei se é por ter sido praticamente criado ali, "à solta", do que me vou lembrar é do saque do litoral, desde Tróia até ao Cabo de Sagres. A coberto dos PIN’s, sítios onde antes, e a pretexto da defesa da natureza, do meio ambiente e da protecção do ecosistema, nem sequer uma tenda de campismo selvagem se podia erguer, estão agora ocupados por urbanizações e resorts, mais as suas piscinas, campos de ténis e campos de golfe. Lamento discordar, mas é disto que me vou lembrar: da destruição do património natural comum para benefício de uns quantos.
(Imagem Rue des Archives via Collection Bourgeron)
«Quer saber qual é “o negócio legal sem risco – que dá muito mais lucro que a droga ou o tráfico de armas”? (…) “Se tiver um terreno onde não pode construir por estar integrado na RAN, na REN ou na Rede Natura, valendo 10 a 20 cêntimos por m2, e se consegue a aprovação de um projecto turístico nesse terreno porque moveu influências, ele passa a valer dois a três mil euros por m2 e você obtém um lucro de 10. 000 % ou mais!”
Eugénio Sequeira, engenheiro agrónomo, professor universitário, ex-presidente da Liga para a Protecção da Natureza, e militante do PS, na Revista Única do Expresso.
Para ser sincero, o que menos me importa é quem é que esteve na reunião, onde é que a reunião aconteceu, onde é que para o dinheiro, ou se foi o tio, o primo ou o avô. E os meus amigos do PS que me desculpem, mas esta já é uma “guerra” antiga que nós vimos travando de há uns anos – muitos – a esta parte.
É o íman; a atracção fatal entre o PS e os construtores civis,e às vezes com futebóis pelo meio. Nunca consegui perceber ou encontrar uma explicação minimamente plausível.
Escreve hoje Mário Soares no Diário de Notícias numa cónica intitulada O General e o Bastonário:
“(…) o do novo bastonário da Ordem dos Advogados, dr. Marinho Pinto, que disse conhecer casos de tráfico de influência escandalosos e negócios suspeitos entre políticos, de sucessivos governos, empresas e empresários que actuam em Portugal. Trata-se de benesses e de concessão de favores que são "recompensados", depois, por chorudos lugares de gestão nessas mesmas empresas. E de negócios e empreendimentos milionários que implicam favores do Estado e concessões das autarquias, que se sobrepõem às regras públicas do ordenamento do território com o pretexto de potencial interesse nacional (PIN).
O grave é que tudo se passe na maior impunidade, sem que as instituições do Ministério Público, policiais e de controlo investiguem os rumores que circulam ou, se o fazem, as investigações não são divulgadas para terem, ao menos, a consequente sanção moral. A comunicação social às vezes fala e escreve. Mas como não há resposta o silêncio é suposto fazer esquecer. Será assim?”
Não terei certamente o prazer de ver um comentário, como dizem os monárquicos, do senhorMário Soares neste meu blogue, mas ainda assim vou distribuir as parcelas e cada qual que faça a soma, a subtracção, a divisão ou a multiplicação conforme lhe aprouver. Com uma certeza porém: o resultado será sempre o mesmo; não há matemática ou aritmética que resista.
Em Abril de 2006 o Governo PS decidiu reestruturar os serviços prisionais. Uma das prisões incluídas no rol foi a do Pinheiro da Cruz com a sua fantástica frente atlântica e praia de areias brancas. Isto apesar de em 2000 ter sido considerada como uma das melhores da Europa.
Por uma daquelas coincidências das democracias, quis o destino, pela cruz dos eleitores nos boletins de voto, que houvesse um executivo camarário em Grândola da mesma cor política do Governo da Nação – o que é mais que meio caminho andado para disparar a construção por tudo o que seja palmo de terreno livre –, e logo se anuncia um projecto turístico para os “melhores quilómetros de frente atlântica” (sic); por oposição ao conservadorismo (literalmente) camarário PC no litoral alentejano e Costa Vicentina; não fazem nem saem de cima. E desculpem a minha franqueza, mas em matérias de protecção da natureza e conservação do património natural, a haverem eleições autárquicas específicas para a área eu votava no PC.
Este sábado o Expresso na coluna Sobe e Desce colocava Ricardo Salgado do BES a subir:
“Não é todos os dias que um grupo económico consegue que o Governo reduza a reserva ecológica nacional (REN) e autorize a construção de oito mil camas residenciais, três mil turísticas e três campos de golfe no litoral. A Comporta não será a mesma – vamos a ver se fica melhor”
Leram bem 11 000 – onze mil – 11 000 camas. Numa área pouco maior que a Avenida da Liberdade em Lisboa, com uma biodiversidade fantástica, e onde agora existem arrozais e sapais. Como já devem ter percebido a Comporta (a que o Expresso se refere) pertence ao concelho de Grândola, a tal Câmara PS. O promotor do empreendimento é o mesmo que se posiciona na linha da frente da grelha de partida para o Pinheiro da Cruz. Aquele que anda metido numa alhada por causa dos sobreiros na Herdade Portucale, e com os ministros do CDS à mistura.
Avança o autarca de Grândola com o mesmo parlapiêt do Governo. Que se vão criar não sei quantos mil postos de trabalho directos e mais não sei quantos mil indirectos. Não podia estar mais de acordo! Na fase da construção vai ter um impacto fantástico em economias como a da Moldávia, da Ucrânia e do Brasil, que é quem fornece a mão-de-obra, barata e submissa, feita à medida dos empreiteiros com poucos escrúpulos. Na fase do funcionamento pleno, ainda vai ter um impacto maior num concelho rural e envelhecido como o de Grândola, um autentico viveiro-fornecedor de técnicos especializados na área do turismo! As sisas e as rendas obviamente, e no ponto de vista da Câmara, têm um peso residual…
Neste fartar vilanagem de destruição e depredação do património natural a coberto do desenvolvimento das regiões, o autarca de Grândola ganha um aliado. O seu vizinho fronteiriço e presidente da Câmara de Alcácer do Sal, por coincidência também do PS, e que tem uma perspectiva sui generis da REN; em que tudo se resume a uma questão de burocracias:
“este processo arrastou-se durante muitos anos e só agora se conseguiu concretizar graças à nossa teimosia, mas também ao Governo, que tem tido alguma vontade de libertar estas questões burocráticas”
Entretanto a untouchable atlantic coast que andamos a vender aos bifes foi-se. E quando eles começarem a ver no logro que caíram também se vão.
SenhorMário Soares, “o grave é que tudo se passe na maior impunidade” pelas mãos do partido que o senhor ajudou a fundar, “sem que as instituições do Ministério Público, policiais e de controlo investiguem os rumores que circulam”. “Será assim?”
Post-Scriptum: Enquanto Ricardo Salgadosubia no Expresso, a descer não se viam Carlos Beato, presidente da Câmara de Grândola, nem o ministro (?) do Ambiente (como é que ele se chama mesmo?!). Para o Expresso a REN também é sinónimo “questões burocráticas”?
O Telegraphon-line tem desde ontem na primeira página, na Picture Galleries, uma entrada intitulada “The best of Portugal” que por sua vez linka para um “Portugal 2008: holiday planning guide”.
À parte sermos mais competitivos que a Espanha no que realmente conta para qualquer bife que se preze, cervejeiramente falando (não sei se existe o termo): uma Heineken por uma libra contra uma e noventa dois pis aqui ao lado; e no regime de pensão completa: 23. 06 libras aqui, para 46. 13 libras em Espanha; o que salta à vista são as imagens seleccionadas para ilustrar a “brochura”.
Com excepção dum interior de hotel, e de um hotel artisticamente encarrapitado numa arriba, são imagens, não digo do tempo de Salazar, mas talvez do tempo de Marcello Caetano. Do tempo em que no Algarve pouco mais havia que algarvios; em que o vinho do Porto era transportado nos barcos Rabelos; um país de humildes casinhas de xisto com roupa a esvoaçar nos estendais e onde os velhos, à falta de melhor, passam os dias a jogar às cartas nas proas dos barcos.
Um país com uma “untouched Atlantic Coast”; esperem aí até levarem com os PIN’s…
Um país onde “many resorts have on-site nannies and all-day activity clubs for children so parents can relax in the spa or play golf”; se os pais da Maddie não fossem burros…
Não sei porque é que insistimos em gastar milhões para promover campanhas West Coast; não sei porque é que avançamos alegremente para a destruição de tudo o que resta na “untouched Atlantic Coast” à sombra dos PIN’s; aliás até sei… estava a lembrar-me das declarações do bastonário da Ordem dos Advogados…
O que “eles” querem não é isso. E para lhes darmos o que querem, damos-lhes fotos dum tempo “antes do tempo”. Andamos a enganar-nos a nós próprios; andamos a enganá-los a eles. Só que o nosso engano trás consequências. Irreversíveis.