"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Marcelo tinha mandado dizer na véspera das eleições que com ele o taberneiro não entrava no Governo. Eleições feitas e o taberneiro vai a casa de Marcelo com mais de um milhão de votos no bolso e à saída diz que o Presidente não se importa que ele faça parte do Governo. Ainda o taberneiro estava a passar a língua pelas beiças para pontuar o discurso como é seu timbre e já Marcelo fazia sair uma nota a dar conta de que "Como tem repetidamente afirmado, o Presidente da República não comenta declarações de partidos políticos nem notícias de jornais.". E aqui é que reside a arte do artista Marcelo. Marcelo não diz que afinal já quer o taberneiro no Governo, "aquilo antes das eleições foi no gozo, lol, caíram que nem patinhos", ou "disse aquilo para o pagode não ter medo de votar na minha facção, não resultou, temos pena", ou ainda "o que disse antes das eleições não fui eu quem o disse, foi "a fonte"", não, Marcelo diz que não comenta o comentário do taberneiro. É o que está lá escrito, escusam as pitonisas, comentadeiros e paineleiros vir com efabulações, Marcelo não desmentiu, Marcelo não confirmou, Mar-ce-lo não co-men-ta. Pon-to.
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Podia Marcelo ter acrescentado duas alíneas ao "o Presidente da República não comenta declarações de partidos políticos nem notícias de jornais:
a) Excepto no Governo da 'Geringonça'
b) Excepto no Governo da maioria absoluta do Partido Socialista
Os votos dos emigrantes valem zero, vamos começar a ouvir os partidos, schnell, schnell, mesmo em coligação, que essa coisa das coligações terminarem no dia a seguir às eleições é coisa que não dá jeito a Marcelo. Até dia 20, o dia em que são apurados os votos que não valem nada, os dos emigrantes, tem de ficar o assunto despachado, schnell, schnell. Os cofres estão cheios àespera de Montenegro. Afinal somos um país rico. Viva!
Corria a campanha eleitoral para as Autárquicas de 2017 e Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente de todos os portugueses, num semáforo encontrou-se por acaso com Teresa Leal Coelho, candidata do seu partido, o PSD, à Câmara Municipal de Lisboa.
Estávamos para saber das prometidas antecipadas legislativas por Marcelo, caso o Orçamento do Estado viesse a ser chumbado, e Marcelo, o Presidente de todos os portugueses, recebia na residência oficial o líder da oposição interna ao líder do seu partido, o PSD, para tratar da data das eleições antecipadas, condicionada pela data das eleições para a liderança do PSD.
Corria a campanha eleitoral para as Autárquicas de 2023 e Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente de todos os portugueses, encontrou-se por acaso na Feira do Livro com Carlos Moedas, candidato do seu partido, o PSD, à Câmara Municipal de Lisboa.
Marcelo foi ao teatro e Marcelo antes de sair de casa para ir ao teatro mandou uma nota de imprensa para todas as rádios, televisões e jornais a dar conta de que Marcelo ia ao teatro. É mais forte que ele.
Desde que o Governo caiu Marcelo reduziu as aparições no telejornal de 20 vezes por dia a comentar 20 notícias diferentes, desde a morte de uma formiga ao Orçamento do Estado, para 2 minutos por semana para comentar uma coisa específica de interesse nacional, ainda assim depois de muito pressionado pelos jornalistas. Mission accomplished.
Recorrendo ao léxico marcelista, o Presidente aceita nas ilhas adjacentes da Madeira, com o seu partido, aquilo que não aceitou na metrópole com o PS, sendo que o camarada madeirense Albuquerque é arguido, e com um rol de suspeitas em cima, ao passo que Costa ainda não sabe sequer do que é investigado um ror de meses passados.
Alguma vez iremos saber o que aconteceu no palácio de Belém no dia 7 de Novembro de 2023 entre as dez e meia da manhã, hora da saída de António Costa, e o meio-dia e vinte, hora da saída de Lucília Gago, 50 minutos depois de ter entrado para falar com Marcelo antes do famoso parágrafo vir a público?
Entrar pela casa dos portugueses adentro no primeiro dia do ano para dizer 13 vezes "ficou claro", enquanto sistematicamente levanta os olhos da papeleta para alguém presente na sala [jornalistas?], em vez olhar directamente para a câmara que fica olhos nos olhos com o receptor da mensagem, só mostra que não há clareza absoluta nenhuma em coisa nenhuma. Mais valia ter ficado sozinho em casa, e calado, que "o povo é quem mais ordena", na teoria, já todos nós sabemos.
Marcelo veta decretos aprovados por maioria parlamentar saída de eleições onde milhões foram chamados a votar depois de ouvir um cidadão para o caso bastonário de uma ordem profissional. O Presidente de Todos os Portugueses é afinal o Presidente de Todos os Bastonários numa guerra contra o poder legislativo em defesa do privilégio e do corporativismo.
Um e-mail do "doutor Nuno", a forma patética como Marcelo refere o filho para passar ao pagode a ideia de um distanciamento que não existe, levou o Presidente a reencaminhar o dito para a Casa Civil, que por sua vez o reencaminhou para alguém, que o reencaminhou para outrem, ao fim e ao cabo um e-mail do "maior aliado político" do Governo. E agora que agora ninguém sabe quem foi quem e onde pára a correspondência e respectivos dossiers, na falta de haver uma agência de viagens com o dom da adivinhação, levou Marcelo a convocar os jornalistas no dia a seguir a uma rábula de Ricardo Araújo Pereira na televisão com um Pai Natal que diz "oh-oh-oh" e outro que diz "bo-bo-bo", alegadamente.
Obviamente Marcelo não tem nada a ver com tudo isto de que se vai lembrando aos poucos e poucos. Are you talking to me?
Diz que está em causa a isenção e imparcialidade do governador do Banco de Portugal por ousar admitir regressar como primeiro-ministro a um Governo do Partido Socialista de onde tinha saído como ministro das Finanças para o banco que agora governa, digamos assim. É isso e os heterónimos do Pessoa, ou as personagens do Bowie.
Alguma vez iremos saber o que aconteceu no palácio de Belém no dia 7 de Novembro de 2023 entre as dez e meia da manhã, hora da saída de António Costa, e o meio-dia e vinte, hora da saída de Lucília Gago, 50 minutos depois de ter entrado para falar com Marcelo?
Este Orçamento do Estado para 2024 não é um bom orçamento mas é melhor que o orçamento que o antecedeu, e ainda melhor que governar por duodécimos. Mas este Orçamento do Estado para 2024, que não deve ser aprovado porque é um mau orçamento, já tem a missa rezada caso a direita se alce ao poder: um rectificativo enquanto não elabora a um pior que este, que é mau e que não deve ser aprovado, e ainda pior que os outros que o antecederam. A lógica do quanto pior melhor dos amigos do povo.