"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Ontem tivemos uma fundação, alegadamente isenta e sábia, a enfiar-nos pelos olhos dentro a bondade e a virtude de mais da transferência de rendimentos do trabalho para o capital aka trickle-down, como se tivéssemos todos nascido ontem. Hoje temos o sindicato dos patrões a clamar por unanimidade para mais transferência de rendimentos do trabalho para o capital, por causa da competitividade, do crescimento económico, dos salários, do investimento estrangeiro, com o estudo da fundação, alegadamente isenta e sábia, na mão, que o "demonstra de forma inequívoca". Lá para domingo ninguém se espanta se os dois ex-líderes partidários da direita - Mendes & Portas, no espaço de agit-prop, denominado "análise isenta", que detêm em horário nobre, canal aberto, e sem contraditório, aparecerem a vender a virtude do estudo da fundação, alegadamente isenta e sábia, como eles, e como os patrões das empresas necessárias para o crescimento económico, a creação de riqueza e blah blah blah [criação em português antigo porque é desde esse tempo que nos prometem isto].
Aguiar-Branco, o erro de casting que calhou ser segunda figura do Estado na pele de presidente da Assembleia da República, depois de cair na real e ter visto a merda que fez [ao abrigo da liberdade de expressão, honi soit qui mal y pense] em vez de recuar e, num acto de humildade democrática, reconhecer que errou, sem precisar pedir desculpa, seguir em frente e emendar a mão quando a ocasião se propiciar outra vez, e não vão faltar vezes, ensaia uma fuga para a frente e tenta emporcalhar mais gente no turbilhão [também ao abrigo da liberdade de expressão, honi soit qui mal y pense], chamando uma embaixada de sábios em seu socorro. Lá para domingo ninguém se espanta se os dois ex-líderes partidários da direita - Mendes & Portas, no espaço de agit-prop, denominado "análise isenta", que detêm em horário nobre, canal aberto, e sem contraditório, aparecerem a defender a posição de Aguiar-Branco e a apontar o dedo à esquerda castradora.
Para a posteridade fica a segunda figura do Estado, o presidente da Assembleia da República, a casa da democracia, aplaudido de pé pela bancada do partido da taberna, e o silêncio de todas as outras, incluindo a do seu partido, depois de legitimado o racismo, o insulto, o ódio, sob a capa da "liberdade de expressão". Desceu a Avenida nos 50 anos do 25 de Abril mas foi uma encenação teatral.
[Imagem ao abrigo da "liberdade de expressão" invocada e aplaudida]
No intervalo da palhaçada armada no Parlamento pelo taberneiro, no intervalo entre Aguiar-Branco sair pela porta pequena na primeira votação e Francisco Assis lhe ficar à frente na segunda, tivemos Bruno Nunes, deputado, em directo via Skype na televisão do militante n.º 1, e ficámos todos a saber que o partido "é um partido democrático", e depois que "o que se segue só o líder sabe" em resposta à jornalista de serviço, e outra vez que o "partido é um partido democrático", dito duas vezes.
Augusto Santos Silva dizer que o Ministério Público deve um esclarecimento ao país sobre as buscas à casa de Rui Rio e à sede do PSD, "sustentando que foi cometido um crime em directo", para o PSD é diferente de Augusto Santos Silva dizer que o Supremo Tribunal de Justiça deve esclarecer depressa, antes das eleições, a situação penal do primeiro-ministro, "frisando que o caso abriu uma crise política". Percebemos todos? O PSD também percebe.
Marcelo meteu o bedelho onde não era chamado, mas isso não é novidade para ninguém. E logo de seguida fugiu com o rabo à seringa, e a isso já estamos todos habituados. O ministro dos Negócios Estrangeiros meteu o bedelho onde não era chamado, mas noção é coisa que não lhe assiste, desde que as caixas de e-mail recusam correspondência, alegadamente por causa do tamanho do ficheiro, que é suposto ser efectivamente recusada enviar devido ao tamanho do ficheiro. Nada de novo em pantomineiros profissionais. O presidente da Assembleia da República esticou-se nas suas competências e atribuições, mas isso é mais do mesmo. E esqueceu-se de que é presidente do Parlamento e não da bancada parlamentar do PS, e até aqui nada de novo. Os cheganos e os ilusionistas liberais, estes últimos que só diferem dos primeiros por terem mais vocabulário e não usarem a gravata pela braguilha como o Trump, aproveitam todas as oportunidades para manifestarem o ódio que têm ao 25 de Abril. Dão-lhe biscas e eles aproveitam. No final da cadeia alimentar fica o 25 de Abril, achincalhado, mais uma vez, e o Lula, metido numa alhada sem saber ler nem escrever.
No dia em que o palco ruiu por causa do trabalho de investigação de um "anónimo" no Twitter, o senhor Silva, diz-se que quer ser Presidente da República, sai-se com as redes sociais estão a "enfraquecer instituições". O timing é tudo, como sói dizer.
E o que mais impressiona no affair Conde Rodrigues é… Conde Rodrigues himself. Acossado por todos os lados e de todos os quadrantes, continua impávido e sereno, como se não fosse nada com ele, sem sequer lhe passar pela cabeça manifestar publicamente a sua indisponibilidade para ocupar o cargo e, consequentemente, retirar a candidatura. Ah, valente! [ironia].
O Donaltim era aquele boneco que aparecia na televisão a preto-e-branco sentado ao colo de um senhor a dizer coisas que na realidade não dizia e que eram ditas pelo senhor ao colo do qual se sentava, e que tinha o braço enfiado por dentro do pobre boneco, à laia de coluna vertebral, ao mesmo tempo que com a mão lhe dava movimentos à boca enquanto desenvolvia ele próprio um discurso, com a boca fechada e sem mexer os lábios.
O Donaltim não podia ser imputado porque não tinha culpa de nada, não tinha culpa de ser boneco.
A questão já não é ser ou não ser presidente da Assembleia da República, qualquer cidadão pode alimentar o sonho desde que eleito deputado. A questão é quando o cidadão, eleito deputado, não gera consenso dentro do partido pelo qual foi eleito, não gera consenso entre os seus pares, antes pelo contrário, para ocupar um cargo e desempenhar uma função para a qual é preciso consenso. E senso. E, depois das evidências, o cidadão não toma ele próprio a iniciativa de retirar a candidatura e se mantêm quedo e mudo à espera que saia.
E depois a gente olha para todos os presidentes que a Assembleia da República teve em 36 anos de Democracia e depois olha para a eventualidade Fernando Nobre e pensa: WHAT THE FUCK?! Andam a gozar com o pagode, ou o quê? Se calhar é “ou o quê”…