"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
A televisão do militante n.º 1 convidou, à tardinha, João Duque, o Cantiga Esteves e o Tiago Caiado Guerreiro deviam estar indisponíveis, para analisar o estudo e nos dizer que uma das causas para a fraca poupança das famílias é que depois de 4 anos de aperto austeritário as pessoas terem agora mais dinheiro na carteira para gastar e que por isso não poupam, nem estão para aí viradas. Depois a televisão do militante n.º 1 foi ouvir o Abominável César das Neves sobre o estudo, para à noitinha nos dizer que uma das causas para a fraca poupança das famílias é que depois de 4 anos de aperto austeritário as pessoas terem agora mais dinheiro na carteira para gastar e que por isso não poupam, nem estão para aí viradas.
Alto e pára o baile! Então a direita toda e o João Duque e o Abominável César das Neves andaram a dizer que a Geringonça não devolveu dinheiro nenhum às pessoas, antes pelo contrário, que tudo não passava dum truque de ilusionismo para esconder o estratosférico aumento de impostos e a retirada de poder de compra, às pessoas no geral e classe média em particular, que a Coca-Cola ia desaparecer da mesa das refeições, que o vinho vai ser substituído pela água, que um pai de família já nem nos tempos livres pode ir à caça por causa do aumento do preço do chumbo dos cartuchos, que as quintas no Alentejo para as férias das famílias iam ser impostadas pela Mortágua do Bloco, para já não falar nos cigarros, de enrolar e já enrolados, charutos e cigarrilhas, e afinal as pessoas não poupam porque têm mais dinheiro disponível para gastar?! Afinal no que é que ficamos?
Porque a verdade é que o Euro é uma moeda cara e 1 kg de batatas que no dia 31 de Dezembro de 2001 custava 80/ 100 escudos passou a custar 1 euro no dia 1 de Janeiro de 2002 e um café que custava na mesma data 45/ 50 escudos passou a custar, também no dia seguinte, 50 cêntimos de euro, uma conversão directa em menos de 24 horas [do que é que o pequeno comércio a retalho e restauração se queixaram será sempre uma incógnita]. Dir-me-ão que as pessoas não se governam só a café e batatas, pois não, mas é muito por aqui que a coisa começou.
Outra coisa que o estudo nos diz é que vale a pena apostar e investir na educação porque com mais formação e mais habilitações literárias as probabilidades de encontrar um emprego mais remunerado são muito maiores.
O que o estudo não nos diz é a média salarial dos portugueses, nem a quantidade de portugueses que aufere o salário mínimo nacional, nem a constituição dos agregados familiares dos portugueses que vivem com a média e o mínimo salarial em Portugal. É que dá muito mais jeito à narrativa liberal instalada no Banco de Portugal dizer que os madraços dos tugas são uns gastadores que não acautelam o futuro e insistem em continuar a viver acima das suas possibilidades. É que alguém que ganhe o salário mínimo nacional, se não tiver filhos, nem pagar renda da casa, nem água, nem luz, e for trabalhar de Inverno com roupa de Verão, depois de um jantar de bolacha Maria na véspera, consegue aforrar a pensar nalgum contratempo da vida ou para acautelar a velhice.
Que “os portugueses não têm hábitos de poupança” é ladainha e responso nos tempos que correm. “Poupar” e “abdicar” não são propriamente a mesma coisa. Dito de outra maneira, o que é que sobra para poupar, e o que é que há para abdicar? Já é (mais que) tempo de parar de usar a semântica para dourar o léxico: hábitos de abdicar. Sff.
Eu ainda me recordo das conversas de ir comprar qualquer coisa aquela mercearia “lá mais abaixo” porque é mais barato dois tostões que “nesta aqui ao pé”, e por outro lado, comprar não sei o quê “nesta aqui à porta” porque é mais barato um tostão que na outra “lá mais abaixo”. Dizem agora que os portugueses perderam os hábitos de poupança; melhor, que precisam readquirir os “velhos” hábitos de poupança. Seja. E depois os mesmos dos hábitos de poupança perdidos e que urge readquirir, que “no pasa nada!”, que dos 50 milhões de euros para a Madeira em 2010 até aos 86 milhões em 2013 são tostões, sem importância, qualquer coisa como 0, 003 %...
(Na imagem March 1943, Washington, D.C. Meat rationing at the A&P. Harold Rowe, Office of Price Administration food rationing chief by Alfred Palmer, Office of War Information)