"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
[Na imagem, de autor desconhecido, Eduardo Cabrita, que conseguiu estar seis anos no Governo, 4 - quatro - 4 dos quais com a tutela, e não dar por nada]
O país onde os polícias até entrarem ao serviço não sabem o salário base que vão auferir; o país onde os polícias não sabiam que ser polícia era profissão de risco, foram enganados e agora exigem subsídio compensatório; qual América numa série da FOX Crime, o país onde os polícias são abatidos na rua que nem tordos.
[Imagem no Facebook do Sindicato Nacional da Polícia]
Escudado num nariz de palhaço, pergunta um polícia na manif de Faro a quem lhe devia fazer as perguntas, o repórter da SIC Notícias: "se o senhor tivesse um filho deixava-o ir para a PSP por 789 €?". Vinte e um de Janeiro do Ano da Graça de 2020, o dia em que ficámos todos a saber que para ir para a PSP é preciso autorização dos pais.
Onde é que pára o PS de esquerda que levou os anos da troika, que foram os anos do "poucochinho" Tó Zé Seguro, um quase cúmplice, a gritar que a austeridade estava a matar a Europa e a aprofundar o fosso, não só entre o norte e o sul, mas entre os mais ricos e os mais pobres dentro de cada país, enquanto fomentava o racismo e a xenofobia e era a responsável pelo ressurgimento dos fascismos no continente depois da II Guerra?
"Orçamento do Estado só deverá prever um aumento de um por cento para a Administração Interna. Cabrita exige 5% para fazer face às reivindicações sindicais e esvaziar o Movimento Zero."
O movimento que se define como espontâneo, inorgânico, independente de partidos políticos e sindicatos, sem direcção conhecida ou membros filiados identificados, dos que se queixam de nem com gratificados o dinheiro lhes chegar até ao final do mês para pagar as contas e ainda comprar fardas e material de trabalho, aparece uma manif com centenas de t-shirts produzidas e com logo criado e desenhado por profissional, a empunhar faixas todas xpto com dizeres e palavras de ordem impressos "à la partido político", coisa barata ou como se houvesse um poço de petróleo debaixo de uma qualquer esquadra de polícia, enquanto desfila a fazer o símbolo da nova extrema-direita 'amaricana', o polegar em circulo com o indicador, em P de "Power", e a libertar o médio, anelar e mínimo num W de "White", White Power, prontamente adoptado pelos neo-fascistas europeus. Para o que é que serve o Serviço de Informações de Segurança?
Enquanto Telmo Correia descia a escadaria de S. Bento para falar com os manifestantes debaixo de uma assobiadela e de uma vaia monumental, nos Passos Perdidos André Ventura falava para a imprensa com uma t-shirt do Movimento Zero vestida antes de fazer o mesmo trajecto, minutos antes feito pelo deputado do CDS, aplaudido pelos manifestantes e aos gritos de "Ventura! Ventura!", para um mini-comício sobre insegurança e autoridade do Estado a pretexto das perguntas dos jornalistas.
Em dia de manif das polícias, com o neo-fascismo populista do Chega sentado no Parlamento a levar a direita tradicional, CDS-PP, e os novos neo-liberais, Iniciativa Liberal, a reboque, ao invés de serem os próprios a demarcar território e a separar as águas, convém [re]lembrar os dois grandes perigos para a democracia e o Estado de direito neste início de século XXI: a judicialização da política e a autonomização das polícias.
Nos 80s, sem as "redes sociais" para dar corpo e voz às indignações; nos 80s, com metade da população a ver televisão em dois canais a preto-e-branco, nos 80s, sem a consciência civíca e a exigência crítica a que, lentamente, nos vamos habituando; nos 80s, sem telemóveis para filmar tudo o que mexe e respira; nos 80s, com a comunicação social a só sair de Lisboa em dias de futebol e da Volta a Portugal; nos 80s, na ressaca do respeitinho é muito bonito, no respeitinho à autoridade palavra de Lei, recrutada gorda e com a 4.ª classe; nos 80s tive uma amigo assassinado [e estou a medir bem as palavras] pela PSP na Olga Morais Sarmento em Setúbal. Numa brincadeira de puto roubou o 2 cavalos ao pai e, como não tinha carta de condução, não parou na operação stop montada. Como era por demais ridículo invocar fuga à autoridade num 2 cavalos o argumento foi o da tentativa de atropelamento. E lá foi o polícia descansado à sua vidinha. Nunca soubemos se o 2 cavalos também ficou crivado de balas como nos filmes amaricanos.
"Mulher morta por engano pela PSP". Por engano. "Porque é que não há-de haver um referendo para dar mais poder à polícia? Prontes, era só", telefonava, umas horas depois, uma mulher para o programa Opinião Pública na SIC Notícias.
Depois da "progressão na carreira" só porque sim, o "subsídio de risco". Como se quem vai para a PSP, para a GNR, para uma força policial, não tivesse antecipadamente conhecimento dos riscos inerentes à profissão, como se os riscos inerentes à profissão fossem a excepção e não a regra de que tem conhecimento antecipadamente quem vai para a PSP, para a GNR, para uma força policial. E andamos nisto...