"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O senhor que não se inibe de convocar os jornalistas para largar postas sobre política fiscal, competitividade, crescimento económico, malandros que não querem trabalhar por dá cá aquela embalagem e, pasme-se, apoios do Estado às empresas, não ao malandros, levou 36 milhões de euros de multa por induzir os consumidores em erro e infringir os interesses colectivos dos ditos, na Polónia, sítio onde a entidade reguladora funciona e actua e onde pelos vistos também estamos a ser ultrapassados pelos países de leste e ex-comunistas, no ranking do combate ao chico-espertismo, aquele que a direita não invoca para falar do "socialismo" e meter medo com a "venezuelização", nem o Ilusão Liberal faz um meme com barras de cores em espaços temporários cirúrgicos, se calhar por se enquadrar no célebre "ódio ao lucro" e "inveja de quem investe".
Diz a senhora da mercearia, no spot nas televisões, que as receitas do Pingo Doce apoiam 13 - treze - 13 [sem u] hospitais públicos, mais três que o senhor Soares dos Santos julgava serem necessários em Portugal, "dez hospitais chegam e o resto entregar aos privados", ainda bem que já morreu porque senão morria outra vez, ou não havia dinheiro para ninguém, hipótese mais plausível, já que dos impostos que não pagam na Holanda não lhes sobra dinheiro para nada, e no poupar é que está o ganho, um ditado popular que se ensinava desde a primária nos idos do Salazar. Diz também a senhora da mercearia que o Pingo Doce "apoia a produção nacional" ao vender borrego por 3,99 €/ kg. Perde o Pingo Doce dinheiro e entrega os 3,99€ ao produtor, ou o Pingo Doce aproveita a pandemia para encher a contar bancária e ainda goza com os portugueses?
O ódio ao bem-estar e à qualidade de vida, adquirida pelos portugueses nestes anos de democracia, é de tal ordem que a desonestidade [e a raiva] do senhor lhe dá para invocar um país onde o Estado não existe, quanto mais o Estado social, imagem de marca da Europa das liberdades, direitos e garantias.
O 2.º mais rico de Portugal, hoje, porque amanhã não se sabe, a fazer fortuna desde o tempo da rigidez da legislação laboral, dos direitos e garantias dos empregados colaboradores, dos salários mínimos e dos subsídios de desemprego e indemnizações por despedimento, proibido sem justa causa, da Lei da Greve, dos contratos colectivos de trabalho e do poderio dos sindicatos dominados pelos comunistas, nada que alguma vez o impedisse de galgar rankings dos que um dia hão-de ir para a cova com o caixão forrado a notas, de euro e dólar, e de pagar impostos na Holanda, porque lhe dá mais jeito e porque a sua formação enquanto ser humano não lhe permite ver mais longe que o porta-moedas e contribuir com uma percentagem da riqueza acumulada para o bem comum e para quem trabalhou para o colocar no pedestal onde se encontra.
O ritual cumpriu-se este fim-de-semana os dois dias em que as contas bancárias de Alexandre Soares dos Santos e de Belmiro de Azevedo ficaram mais recheadas graças ao bom coração e aos espírito solidário do português anónimo sem que haja da parte do 2.º e 3.º homem mais rico de Portugal, respectivamente, qualquer contribuição para a causa. Lucro, lucro, lucro, a caridadezinha cumpriu a sua função, os escuteiros desempoeiraram as fardas e venderam calendários para 2016 e algumas consciências vão agora dormir descansadas. Até à próxima campanha.
Descontando aquela parte, numa primeira fase de omissão depois de branqueamento, dos crimes do comunismo, de Estaline a Brejnev. O que é bom lá não é bom aqui ou o que é bom aqui não é bom lá ou vamos fazer de conta que abominamos aqui aquilo que omitimos lá, o paraíso na terra que só deixou de ser por causa da cedência de Gorbachev à ofensiva capitalista, e que só quem engana o pagode são os partidos de direita, com o PS e Mário Soares, que não é peixe nem é carne, à cabeça:
O mui popular e internacionalizado amaricano "If you pay peanuts, you get monkeys" traduzido para Pingodocês: "Não há ninguém que vá trabalhar com gosto, ganhando pouco. O salário mínimo nacional de 500 ou 520 euros não dá para nada". Podendo contudo haver quem vá por um salário de 600 ou 650 euros mensais, que já dá para tudo, trabalhar 10, 12 ou mais horas por dia, e sem que ganhe um cêntimo que seja por cada hora extra trabalhada. E vai de gosto e com gosto. O marido ou a mulher porque estão 10, 12 ou mais horas por dia sem aturar o cônjuge, os pais porque estão 10, 12 ou mais horas por dia sem aturar os filhos. De Janeiro a Janeiro. Alegria no trabalho e famílias estruturadas.
A Sociedade Francisco Manuel dos Santos SGPS era a holding que, até ao início de 2012, concentrava as acções através das quais a família Soares dos Santos controla empresas como o Pingo Doce, via Jerónimo Martins. No entanto, em Janeiro desse ano, passou as acções para uma holding com o mesmo nome, com sede na Holanda»
"não é com Grândola, Vila Morena" que se resolvem os problemas" [2]
Para esta direita, herdeira e descendente directa do Estado Novo e que fez a transição da ditadura para a democracia, da União Nacional para o PSD à pala do "pensamento político de Sá Carneiro", o que quer que isso possa significar, é sempre conveniente assacar culpas ao regime democrático e à revolução de 25 de Abril de 1974 pelos males do Portugal moderno do que ao fascismo, pela descolonização que não quis fazer, e a Marcelo Caetano pelo que não soube, não quis e ignorou.