"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
A lengalenga d' "a herança que vamos deixar às gerações futuras" nunca é chamada a debate quando se trata de questões ambientais e de protecção da natureza. Continua o saque, a coberto do argumento da criação de riqueza – para meia dúzia, às custas do património comum de milhões; da criação de não-sei-quantos postos de trabalho, directos e indirectos – que nunca ninguém se lembra de pedir a inventariação, a jusante, e a confirmação, a montante.
Uma certeza: onde antes havia natureza, biodiversidade e ecossistema, passa a haver natureza morta, betão, e um ecossistema que começa no aparador da relva e no caddy e tem no topo da cadeia alimentar o dono da conta no offshore.
* O Governo Sócrates/ PS foi mais eficaz na delapidação do património ambiental comum, porque muito mais abrangente, do que o anterior Governo PSD/ CDS, contudo só se fala no caso Portucale.
* Há muito que o Alentejo está conquistado. O litoral pelos alemães e holandeses, o interior e a raia pelos espanhóis (estes últimos os primeiros a perceber a potencialidade do Alqueva).
Deviam ter aproveitado a ocasião para descerrar uma placa com os dizeres: “Aqui jaz o património natural/ ambiental comum, morto às mãos de um autarca do Partido Socialista e dos PIN”:
Um PIN é isto: constrói-se um aldeamento turístico em zona de Reserva Natural e, em caso de incêndio, os bombeiros deixam arder a Reserva porque as prioridades são as pessoas e bens.
Viva o PIN! Viva José Sócrates e Nunes Correia! Viva o grupo BES! Vivam os milhares de postos de trabalho, directos e indirectos, que ninguém nunca viu!
Agarra-se aí nuns terrenos anteriormente vedados à construção por serem Reserva Ecológica Nacional ou Rede Natura 2000 ou Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina ou Parque Natural do Douro Internacional ou Barragem do Alqueva, de preferência e porque o Allgarve já secou, vendem-se ao preço da uva mijona porque neles não se pode sequer montar uma tenda de campismo selvagem quanto mais urbanizar, e depois o “empresário”-comprador, que invariavelmente se movimenta bem no backstage do poder, apresenta ao senhor Basílio Horta mais a sua API um plano de urbanização na área do turismo, bem sustentado localmente, criador de milhares de postos de trabalho, com zonas verdes a perder de vista e que são invariavelmente campos de golfe, e com um estudo de impacte ambiental inatacável não fora ter sido feito pela mesma entidade que apresenta o empreendimento. PIN aprovado pelo ministério da Economia.
Entram em acção as grandes construtoras que vão erguer o empreendimento, que concedem umas empreitadas a médias empresas, que concedem umas sub-empreitas a piquenas empresas, que concedem umas sub-sub-empreitas a outras ainda mais piquenas, e pelo meio os milhares de postos de trabalho afinal são para uns desgraçados ilegais que são pagos pela metade do que o contrato de trabalho estipula, sem contrato de trabalho, sem segurança social, sem quaisquer direitos e garantias e até mesmo sem a garantia de virem a receber no final do mês. Se isto não é o Governo a engordar, perdão, a salvar empresas, e mais grave, a destruir o património natural e ambiental que é de todos nós…
(Na imagem Circus Aerialist Bella Attardi, hanging on rope practicing aerial ballet for Ringling Bros)