"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Foi há 11 anos, mais precisamente no dia 2 de Julho de 2013, terça-feira, pelas 16.20, que Paulo Portas apresentou a sua demissão irrevogável, chateado pela promoção de miss Swaps a ministra das Finanças. Durou quatro dias, até lhe passar com a subida na hierarquia ministerial a um cargo até então inexistente: vice-primeiro-ministro. Ficou arquivado mas não ficou esquecido. "Há mais marés que marinheiros", "A vingança serve-se fria", "Há mar e mar, há ir e voltar", "Cá se fazem, cá se pagam", os portugueses são férteis em expressões que explicam isto muito melhor que horas e horas de parlapié nas televisões. Um já está arrumado, e já sabe com o que conta no caminho para as presidenciais, outros, em standby, podem ir metendo as barbas de molho. Este gajo não é de fiar, não conhece lealdades, não tem princípios morais nos caminhos a que se mete, é perigoso. Em linguagem futeboleira, tem espírito de matador. Cuidem-se.
"A dona de casa Emilita é muito esperta e desembaraçada, e gosta de ajudar a mãe.
- Minha mãe: já sei varrer a cozinha, arrumar as cadeiras e limpar o pó. Deixe-me pôr hoje a mesa para o jantar.
- Está bem, minha filha. Quando fores grande, hás-de ser boa dona de casa."
«Respeitai as autoridades»
"O pai é a autoridade na família. Os filhos são obrigados a ter-lhe amor, respeito e obediência. O professor é a autoridade na escola. Todos os meninos devem obedecer às suas ordens e estar com atenção às suas lições.
É Deus quem nos manda respeitar os superiores e obedecer às autoridades."
Ano 24 do século XXI e a luta é entre o humanismo e o trogloditismo da direita.
A "sovietização do ensino" se calhar não foi a melhor analogia para os saudosistas do regime que nos anos 60 tinha um país a andar de de burro e carroça enquanto os ditos soviéticos metiam homens e mulheres no espaço.
Vibravam todos, nos blogues, Twitter e Facebook, com as proezas do Tea Party nos States, foram todos captados como técnicos e especialistas para os gabinetes dos ministros e secretários de Estado do governo da troika, saíram alguns para o Ilusão Liberal, continuam outros na minagem e tomada de poder no partido a partir de dentro. O percurso é a papel químico.
«Textos falam da imposição de uma "ideologia de género" como "modelo de pensamento único", de "disforia de género associada a várias patologias psiquiátricas", de "senhoras, alegadamente tiranizadas, que nunca se queixavam" e do "direito à resistência" face à transformação do aborto e da eutanásia em direitos"»
Diz que o criador entrou na campanha para dar uma mãozinha ao homem sem passado - "O meu passado chama-se Passos", e que entrou na campanha no Algarve por ser o sítio onde a criatura mais ameaça a casa mãe comum, o partido do criador, e passar a segunda força política. E entrou com um discurso securitário e xenófobo, a associar a imigração à insegurança e criminalidade, segundo ele "uma sensação que paira nas pessoas", em vez do discurso pedagógico alicerçado em dados estatísticos fidedignos - "Segundo as nossas estatísticas, 99% dos imigrantes vêm por bem", David Freitas, coordenador da investigação criminal da Unidade Nacional Contra Terrorismo.
E se o criador entrou na campanha na base de dar uma mãozinha ao homem sem passado acabou a potenciar a criatura que, mais rápido que a própria sombra e que o próprio Luís, veio surfar o discurso do mestre e colher os louros do elogio, "Basicamente o que Pedro Passos Coelho disse esta segunda-feira foi 'ponham os olhos no Chega'", metendo os crentes a olhar para o original e a fotocópia.
E se Passos, segundo a direita, é o federador da direita, qual é a direita que Passos federa, a que com fato grife e perfume caro enche a Praça do Município em Lisboa e o espaço do comentário "isento e independente" com as avenças nas televisões, ou os anónimos, pés rapados, excluídos do sistema, que não podem com eles nem com molho de tomate?
A direita a brincar com coisas sérias, com a liberdade e a democracia, mas a culpa há-de ser da esquerda.
O dia em que um ressabiado Passos apareceu para dizer que não tem muita fé no homem à frente do PSD, cujo passado se chama Passos e que o mais provável é que deixe o PSD atrás, foi o mesmo dia em que uma ressabiada Joacine resolveu dar um ar de sua graça, ela que nasceu para estar ali. Um teve o aplauso da direita radical, o que é uma bela profissão de fé no futuro radioso do PSD, a outra teve o aplauso dos minions do PCP de plantão nas redes, todas as migalhas contam nos amanhãs que vão cantar nas eleições de Março e nem um partido minúsculo escapa. Noves fora nada, estas aparições dizem mais sobre quem aplaudiu do que sobre os aplaudidos.
O homem cujo passado "se chama Passos" acha que o seu passado "podia dedicar-se à universidade" e que "devia investir na vida académica", por acaso apenas quatro dias depois de Passos que é passado, o seu e o dele, ter deixado escapar "estou na reserva", a avaliar um possível regresso, que o partido está entregue a uma troupe de nabos, subentende-se. Ele há coisas que contadas ninguém acreditava.
Ter Passos Coelho todos os dias em todas as primeiras páginas e em todos os telejornais, pela mão de Marcelo, o manipulador-mor do reino, esquecido de ser "cata-vento", outro valor mais alto se alevanta, em tamanho XXL no semanário do militante n.º 1, com os apóstolos a manifestarem disponibilidade permanente para pregar o evangelho, e um sorriso amarelo do homem que não tem passado, "o meu passado chama-se Passos", "será sempre motivo de satisfação", é o atestado de incompetência passado à absoluta nulidade que é o consulado de Luís Montenegro no PSD. Adaptando alguém do nosso tempo, "quando olhar para trás vai ver a sola do sapato, não vai ver a cara".
Diz que quer ser primeiro-ministro de Portugal e diz que o seu passado se chama Passos Coelho e joga com a fraca memória de quem já não se lembra das figuras que fez enquanto líder parlamentar do partido que suportava o governo da troika, primeiro como figura de ponto que deixava as dicas para o líder discorrer longamente sobre asvirtudes e bondade do acto governativo, depois com os números de contorcionismo na defesa do "além da troika".
Deu de novo à costa a fazer o que o definiu e caracterizou enquanto político, exímio na arte de apontar aos outros os defeitos de que padece e o radicalismo de que padece. O maior cego ideológico da história da democracia portuguesa. O tempo volta para trás?