"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Ao invés de ser a Europa do Estado social, construída sobre as cinzas da destruição e da carnificina da II Guerra Mundial, pólo de atracção para milhões de seres humanos vindos de todos os pontos do globo, a actuar como um bloco e a exportar o seu 'way of life' para outras latitudes, para outras potências, para as economias emergentes, não, deve ser a Europa a abdicar do sistema que, em menos de meio século, a catapultou para a riqueza, prosperidade e paz, em prol do capitalismo desregulado da lei da selva, da total ausência de direitos e garantias, em nome dos amanhãs que cantam do crescimento económico e da bondade dos mercados.
Seixas da Costa foi o embaixador português na UNESCO responsável por convencer aquela entidade de que a Barragem de Foz Tua era compatível com o Alto Douro Vinhateiro, Património Mundial. Um ano depois foi trabalhar para a Mota-Engil, uma das construtoras da obra. Hoje é administrador da EDP Renováveis.
Paulo Portas, na altura líder do CDS/PP, foi o Ministro dos Negócios Estrangeiros que nomeou Seixas da Costa para o cargo. Paulo Portas vai agora para a Mota-Engil.
Assunção Cristas, do mesmo partido, era a Ministra do Ambiente quando autorizou o abate de 1104 sobreiros e 4134 azinheiras. Prestou declarações erradas ao Parlamento, em 2011, dizendo que o paredão estaria feito, quando nada havia no terreno. Podia ter parado a barragem. Assunção Cristas, hoje presidente do CDSPP, vinha do escritório de advogados Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados, onde trabalhou antes de ir para o Governo. Este firma de advocacia tem como cliente a concessionária da barragem de Foz Tua, a EDP.
A passagem de Paulo Portas pela Assenbleia da República resumida numa imagem na primeira página do Diário de Notícias: ele dizia umas coisas e a gente ria-se muito.
A partir de agora, e só a partir de agora, vai ser possível a qualquer um, desde que líder do CDS, legitimamente ser "primeiro-ministro vírgula" de um Governo "geringonça", algo que Paulo Portas já tinha tentado em 2011 sem sucesso, mas agora também ninguém se lembra disso, muito menos a comunicação social caixa de ressonância do pensamento único dominante..
A geringonça de esquerda fez, faz, continua a fazer, uma pressão inaceitável sobre o Governador do Banco de Portugal, transmitindo para o estrangeiro, e para os investidores, a imagem, errada, da tentativa de condicionar a sua independência face ao poder político e de ter à frente do banco central um yes man, que falhou nas suas competências, antigas, de supervisionar, e que só foi reconduzido, contra vontade de Paulo Portas, porque tinha em mãos novas competências, vender um banco que só o é por resultado da sua falha na supervisão ao BES. E, para evitar que casos destes se repitam, há que mexer na Constituição, ignorar o Parlamento e a sua função de escrutínio, e passar a nomeação dos futuros governadores para as mãos do Presidente da República, tipo um Cavaco Silva qualquer e os seus amigos banqueiros.
É preciso continuar a "rui machetar" com os PALOP’s, na generalidade, e com Angola, em particular, e a não deixar judicializar as relações entre os dois países soberanos. A justiça que pense duas vezes antes de fazer justiça àquela imagem da senhora com a balança na mão e a venda nos olhos e à sua suposta independência em relação ao poder político, aquela coisa do Estado de direito.
E depois chorou e levou muitas palmas e tornou a chorar e a levar muitas palmas e a partir de agora temos "um CDS disponível para amar", disse Bernardo Ferrão, um palerma promovido a director de não-sei-o-quê na televisão do militante n.1, a SIC Notícias.
O óbvio seria, como todos os painelereiros-comentadeiros, escrever hoje sobre a mais bem preparada geração de políticos mais bem preparados para todas as tarefas que exigem a mais boa preparação, inventada por Paulo Portas, descoberta por Paulo Portas, deixada por Paulo Portas, ao CDS e ao país, à Nação e à Pátria, ao Mundo, "renhónhó, renhónhó, renhónhó", desde que seja ele – O Querido Líder, a escrever os discursos, como revela Assunção Cristas logo no primeiro parágrafo da entrevista, ela que bateu o pé ao líder e disse que não, ela pensa por ela, logo não é invenção dele, nem descoberta dele, "renhónhó, renhónhó, renhónhó", e nada que ninguém já não desconfiasse depois de nestes últimos dias termos visto, por exemplo, a figura de João Almeida no Parlamento, ainda mais palerma do que o habitual. Seria. Prefiro no entanto Paulo Portas, O Hipócrita, em lágrimas, El-Rei Rei da Tragicomédia, em cima do palco lavado em lágrimas, "Quem mais sofreu [liderança do CDS] foram os meus pais e a minha família", aquele momento em que as câmaras fazem zoom sobre a primeira fila e aparece a cara da mulher, sorriso complacente e expressão agradecida, e voltam outra vez ao palco para mostrar o beicinho mordido do orador enquanto a assistência irrompe em palmas. Espera aí! O Homem até tem família, é um direitas ás direitas!
“Ser do CDS no Alentejo” - a coragem, deixo o estribilho a quem sofreu na pele, e na família, o estar na praça à espera do capataz que vinha oferecer 5 tostões por dia aos homens e 4 às mulheres, para trabalho igual numa jornada de 12 horas, e a GNR chamada pelo agrário para pôr termo à contestação e reivindicação, que do agrário preso pela PIDE e que viu a GNR chamada pelos seus pares por pagar acima da tabela, e o mesmo a homens e mulheres, posso falar eu.
"Ser do CDS em Setúbal" - a coragem, era ser filho do presidente da Câmara, não eleito e nomeado pelo Estado Novo de Salazar, ou ser filho do legionário ou o legionário ele próprio, ou retornado e bufo da PIDE no ócio dos dias inteiros passados no café Central, no café Brasileira e no café do Hotel Esperança, à espera do dia em que o ELP e o MDLP haviam de libertar Portugal dos comunistas, primeiro, e da democracia, depois.
"Ser do CDS" - a coragem, é um faduncho manhoso que cantado muitas vezes atinge o estatuto de fado verdade nesse "partido fundador do regime democrático". Amém.