"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Fazer reparos ao funcionamento da justiça, tentar reformar a justiça, oh da guarda que o poder político quer meter o bedelho onde não é chamado, a inaceitável ingerência, a separação dos poderes, vem aí o totalitarismo, desta vez sem os tribunais plenários, que saltaram directamente para a casa da partida sem passarem pela prisão. Já uma Procuradora-Geral da República derrubar um Governo de maioria absoluta em conluio com o Presidente da República, e um presidente do Supremo Tribunal de Justiça a largar postas de pescada sobre o Orçamento do Estado é a normalidade democrática, não há cá ingerência coisíssima nenhuma e os poderes continuam separados.
Tanto se lhe dá que o Estado português seja laico, tanto se lhe dá que a cerimónia seja uma cerimónia religiosa e não uma cerimónia de Estado, do Estado do Vaticano. Peanuts para quem vai comprar indulgências por andar a fazer como político exactamente o contrário do que o que a religião que professa ensina e o oposto do que o líder da igreja que frequenta – o Papa, defende. Tanto se lhe dá, é mais uma exibição de botões de punho entre aeroportos e uma selfie com o senhor Francisco para pôr em cima da secretária de trabalho, estrategicamente virada para os flashes das máquinas em futuras entrevistas. Tanto se lhe dá que a mentira seja condenável pelo catecismo e a soberba um pecado capital.
O tempo em que a minoria cristã era atirada aos leões para gáudio da maioria pagã, que é como quem diz, ser aceitável referendar os direitos da minoria cristã em países como o Paquistão, o Irão, ou a Arábia Saudita, por exemplo, ou até na "civilização ocidental", herdeira da moral judaico-cristã e também a da revolução sexual e da emancipação da mulher, referendar o direito de uma minoria celibatária em largar postas de pescada sobre casamento, família e procriação.
A Igreja fala e o povo ouve. Mesmo o povo que não ouve o que a Igreja fala. Leve ou não a sério o povo o que a Igreja fala, o povo que ouve e o povo que não ouve o que a Igreja fala. Minorar o sofrimento, necessário, na passagem pela vida terrena para ganhar o Reino dos Céus, upgrade, delegar competências na Igreja para minorar o sofrimento da austeridade, necessária, para ganhar o Reino dos Mercados. Blah-blah-blah e discursos que toda a gente gosta de ouvir. Ouça ou não ouça.
Se calhar por a Igreja Católica nunca ter beneficiado tanto do Orçamento do Estado, por via das transferências para os "avatar" IPSS e com delegações de competências que antes eram pelouro do Estado - do Estado Social, com outro qualquer Governo como beneficia com este?
«Novo patriarca quer Igreja que saiba acolher». E começou bem. Diria mesmo, nem podia ter começado melhor. Deu missa numa casa de Deus repleta de vassalos duques, condes, marqueses e barões, com lugar reservado nas filas da frente, aplaudidos de pé pelos cavaleiros, ao magote nas filas de trás. Desconhece-se se o suserano, via embaixada ou consulado alemão, enviou representante à cerimónia. O povo ficou na rua, a distância higiénica pelo cordão sanitário. Além de fazer muito barulho, dizer impropérios e cheirar mal do sovaco, a defenestração é doença perigosa.
Lembram-se da Brigada do Reumático, aplausos e vassalagem a Marcello Caetano no estertor da ditadura? Eu também me lembrei, hoje nos Jerónimos.
Isto podia ter sido dito ontem, na missa de corpo presente, ou pode ser dito amanhã ou depois de amanhã, quando o intervalo técnico que ocupa a cadeira da Presidência da República empossar o Governo do perdoa-me: