"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O trabalho do jornal do militante n.º 1 para descredibilizar toda e qualquer futura investigação sobre offshores, e provocar na opinião pública a indiferença às respectivas notícias, está feito. Mission accomplished.
E se o nome do militante n.º 1 constar nos Panama Papers o jornal do militante n.º 1 faz primeira página com ele para a televisão do militante n.º 1 repetir durante o fim-de-semana a todas as horas certas?
Durante dezenas de anos Ricardo Salgado e o Banco Espírito Santo pagaram jornais inteiros, o Expresso incluído, por via da publicidade no jornal principal, nas revistas, revistinhas, cadernos e anexos do golfe e do ténis e da jardinagem e da casa e imobiliário, tudo ensacado num plástico com umas tiras verdes e publicidade ao BES. Os jornais, os jornalistas pegavam com pinças em tudo o que cheirasse, mesmo que ao de leve, a sagrada família, em nome do pai, dos filhos e do Espírito Santo que as vendas de jornais estavam/ estão pela hora do pessoal só ver as gordas nas bancas e nos quiosques ou no online com o adblock activado.
A sério que ainda levam o Expresso a sério?
Durante dezenas de anos, mais propriamente quarenta e dois, a contar desde o dia 25 de Abril de 1974 até à hora em que teclo estas linhas, jornalistas suspenderam, os que suspenderam, a carteira de jornalista e abraçaram, de corpo e alma e de conta bancária recheada, as causas de governos e de presidentes e de câmaras municipais e de embaixadas e de consulados diversos de países diversos para depois, terminada a comissão de serviço, regressarem aos jornais, como se nada tivesse acontecido, para continuarem a investigar e a informar, de forma isenta e imparcial os leitores, que a gente faz que acredita e há outros que gostam de ser comidos por parvos e jornalismo e jornalistas militantes é no Avante! .
Mas agora tudo muda porque o morto, ex-Dono Disto Tudo e da publicidade paga nos jornais também, que morreu mesmo mesmo mesmo antes de ser condecorado no Dia da Raça, foi azar, por um cadinho assim, parece que tinha um saco azul na cidade do Canal com o qual pagava, que neste contexto quer dizer comprava, autarcas, funcionários públicos, gestores, empresários e jornalistas. Jornalistas. Jornalistas nos Panamá Tretas. Isso é que não pode ser.
A sério que levam os jornalistas e o sindicato dos jornalistas a sério?
O inestimável e impagável trabalho que o jornal do militante n.º 1 está a fazer para descredibilizar de uma vez por todas toda e qualquer investigação que venha a ser feita a paraísos fiscais.
Nos Panama Tretas no jornal do militante n.º 1 já passaram à reserva territorial u, "ex-presidente do Benfica", um "ex-ministro" de José Sócrates e "ex-BES", continua no activo o saco de pancada, morto – Ricardo Salgado, agora na companhia do joker – Sócras himself, que safa todas as primeiras páginas e aberturas de telejornal, da chuva no nabal ao sol na eira e, o empresário, que continua a ser "ex-nada" mas que, após uma semana de muita insistência, com as redes e a bloga a linkar o Google, já é "foi comendado por Cavaco Silva" porque a partir de hoje os outros – Helder Batalgia e "o dono da Gelpeixe", "comendadores da República", também o foram.
Entretanto os "há ex-ministros", prometidos pelo jornal do militante n.º 1 no dia zero dos Panama Tretas, vão preparando a sua defesa, nos media que é onde se julga e condena, já que são para publicar, em fascículos coleccionáveis no lugar da História de Portugal do Rui Ramos, só lá para o Verão, aquela época do ano em que é preciso manter as tiragens porque o pagode vai para a praia e deixa a encomenda feita no quiosque ou na tabacaria.
No filtro jornalístico de "rigor e isenção" às "Panamá Tretas" [autor] o Expresso continua a bater no morto – Ricardo Salgado e o GES/ BES, continua a haver um "ex-presidente do Benfica", agora na companhia de um "ex-ministro" também "ex-BES" e do "empresário" que continua a ser ex-nada.
Se em Portugal houvesse consciência crítica e exigência no próximo sábado o jornal do militante n.º 1 tinha uma quebra nas vendas para metade.
A pergunta que importa fazer é se pagou todas as obrigações fiscais no país, se cumpre escrupulosamente todos os procedimentos legais porque é que leva o dinheiro para uma offshore? O resto é conversa.
O circuito editorial do grupo de comunicação do militante n.º 1 é sempre o mesmo, nunca desilude, é como a certeza de que o Sol vai nascer todas as manhãs: a partir da meia-noite o jornal do militante n.º 1 faz as parangonas que a televisão do militante n.º 1 vai repetindo, durante todo o fim-de-semana em todos os blocos noticiosos, com base na chancela da "isenção" e da "qualidade jornalística" do jornal do militante n.º 1, num rápido contágio aos canais da concorrência com um "o Expresso avança", "fontes próximas á investigação que falaram ao Expresso". E passa a ser verdade. E, este fim-de-semana, passou a ser verdade que há um "ex-presidente do Benfica" envolvido nos Panama Papers mas não há um "ex-patrão de Pedro Passos Coelho" envolvido na papelaria da cidade do Canal.
Primeiro o aviso de que nem todo o Panama Paper é Panama Paper resultante de esquemas fora-da-lei e de lavagens mas também de esquemas juridicamente perfeitamente legais e de lavagens, que a moralidade não é para aqui chamada.
Depois rios de caracteres, escritos nos jornais do economês e nas redes e na bloga, que está de regresso depois de 4 anos de interregno, pelos ideólogos liberais do “social-democrata, sempre!”, o primeiro-ministro no exílio Pedro Passos Coelho, pedagogicamente a ensinar ao pagode ignaro que planear fiscalmente a fuga ao pagamento de impostos, altos, é uma coisa bué louvável, compreensível e aceitável face ao Estado ladrão, e que a fuga aos impostos, baixos, também, que o Estado, ladrão, só atrapalha o direito do mais forte à liberdade no capitalismo que se quer selva.
Este é só um escritório de advogados, esta é só uma offshore, esta é a primeira de uma das faces, agora conhecida, do "não há dinheiro para nada" e do "andámos demasiado tempo a viver acima das nossas possibilidades", o jargão usado em todo o mundo e em todas as línguas para justificar retirada de direitos e garantias, o embaratecimento dos custos do trabalho, a fragilização das relações laborais, o aumento das desigualdades e os Estados colocados ao serviço de interesses privados.