"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
A propósito dos tempos que correm – OTA e TGV, combate ao défice e combate ao terrorismo, reestruturação do Serviço Nacional de Saúde, guerra no Iraque, nova Lei para a Comunicação Social e os casos recentes na Saúde, e, até o novo Tratado Europeu, de entre outros – lembrei-me de uma coisa que li, tinha para aí os meus 16 ou 17 anos:
«Era, por isso, necessário ensinar as pessoas a não pensar e a não emitir juízos, obrigá-las a ver o que não existia e a defender o oposto do que era óbvio para todos.»
A Presidente PS da Câmara de Vila Franca de Xira, a propósito do estudo encomendado pela CIP que aponta Alcochete como a melhor localização para o futuro aeroporto, saiu-se ontem com uma pérola. Exemplar de como funciona, não só poder autárquico em Portugal, mas todo o poder passível de tomar decisões que de algum modo possam vir a influenciar e / ou condicionar o futuro das populações. Como que para corroborar o meu anterior post «1 ponto contra Alcochete», a senhora Maria da Luz Rosinha disse com a maior das canduras “não é possível estar a patrocinar estudos sem qualquer interesse.” Para mim, que fui educado no seio de uma família tradicional em que o sentido do dever, do serviço público, do amor à Pátria, e do superior interesse nacional faziam sentido – independentemente das opiniões políticas que cada um tomava à mesa das refeições, sempre em animados debates – o que a autarca de Vila Franca não acha possível, eu acho absolutamente normal. Faz-me confusão, isso sim, os interesses obscuros, semi-obscuros e às claras, que se movem ao redor da Ota e terrenos circundantes. Mas isso talvez seja um defeito meu, que sou antiquado.
Há dias assim. Sai-se de casa (às vezes ainda em casa), apanha-se uma, e, depois, é de rajada; como que por arrastamento. Umas atrás das outras.
Venho no carro e ouço os resultados do barómetro DN / TSF / Marktest em que a maioria dos inquiridos apoia a abertura dos hipermercados aos domingos. Depois ouço o representante da Confederação do Comércio defender que se devia seguir o exemplo da vizinha Espanha e de outros países da Europa em que ao domingo é para fechar, e que os portugueses não têm o hábito de fazer compras ao domingo.
(Curiosa esta moda recente. De cada vez que se fala em Espanha, o “vizinha” vir por acréscimo. Como se nós não soubéssemos.)
E ouço também um senhor falar em nome, salvo erro, da Associação das Empresas de Distribuição defender a abertura de todo o comércio – não só dos Hipers – ao domingo, com um argumento deveras curioso. Mais ou menos assim: “Justifica-se a abertura de todo o comércio aos domingos. Vejam-se os meses de Novembro e Dezembro em que isso acontece, com as lojas sempre cheias”. Pois. E o Natal mais o 13º mês não têm nada a haver com isto… Natal é todo o ano. Melhor, Natal é quando a Associação das Empresas de Distribuição quiser.
Recordo-me de quando era criança; as enormes viagens de carro que fiz por este país dentro, com os meus pais e o meu irmão. Sempre pela nacional, porque isso de auto-estradas era de Lisboa ao Casal do Marco, e de Lisboa a Vila Franca, e mais um bocadinho de Lisboa até depois de Monsanto; era o que havia. Cruzávamo-nos inúmeras vezes com camiões de uma empresa que não me recordo o nome, e que ostentavam na parte superior da cabina um dístico onde se lia “O Mundo Gira e (nome da empresa) Gira com Ele”. Vem isto a propósito do que Vital Moreira, na sua incansável cruzada em defesa da Ota, escreve no Público de hoje: “os concelhos com maior possibilidade de sofrerem danos em consequência de um sismo são, por ordem decrescente, Lisboa, Almada (onde se situa o Poceirão…) (…)”. Pois. “Portugal Gira e os Concelhos Giram com Ele” podia ser o título do artigo de Vital Moreira. O Poceirão, distrito de Setúbal, concelho de Palmela – terra dos bons vinhos, girou até Almada para se encaixar na argumentação de Vital Moreira. É por causa destas, e de outras como estas, que cada vez mais desconfio da Ota e das doutas opiniões em sua defesa.
Pela sua actualidade, recupero aqui excertos de um artigo, assinado por Miguel Sousa Tavares e publicado no Expresso de 3 de Fevereiro, em plena gritaria e algazarra da campanha do referendo à IVG.
Mas Não Se Esqueçam da Ota!:
“Vai pôr a capital uma hora mais longe da Europa e do mundo.”
“E vai, fatalmente, custar uma fortuna incalculável ao país – que o Governo disfarçará, através da privatização da ANA e das receitas do novo aeroporto e do de Faro (os únicos rentáveis), de que o estado vai abdicar a favor dos privados durante gerações, para assim se poder enganar os tolos dizendo que praticamente não há custos públicos envolvidos.”
Os impactos para o turismo, decorrentes da construção do novo aeroporto, segundo um dos estudos em curso e elaborado pela empresa da Ota – NAER:
“Deverá gerar cerca de 1100 milhões de euros para o turismo nacional, que terá um acréscimo de 7, 35 milhões de dormidas com a nova infra-estrutura.”
“O estudo prevê que as entradas de turistas continuarão a crescer indefinidamente ao ritmo de 1, 5% ao ano, o que fará com que em 2020 se atinja os 23, 5 milhões. Então fizeram-se as seguintes contas: se em 2017, quando a Ota entrar em funcionamento, a Portela (que, entretanto, continua sempre em expansão) estará já a responder por 16 milhões de passageiros, os 7, 35 milhões que faltam até chegar aos tais 23, 5 milhões em 2020 serão atingidos graças à Ota. Os pressupostos em que assenta este raciocínio são hilariantes: primeiro, que todos os turistas entram em Portugal o fazem por via aérea (na realidade, são apenas 42%) e, segundo, que todos eles, rigorosamente todos, chegarão através do aeroporto da Ota.”
“Segundo os inquéritos que terão sido feitos, também há turistas que deixarão de vir a Lisboa, com um aeroporto situado a 55 km da cidade: “apenas 14%, escreve o jornal (Jornal de Negócios). Apenas? Saberão eles que o grande crescimento do turismo se tem situado justamente em Lisboa? Pouco importa: informam-nos que isso será compensado com “o aumento de turistas na Região Oeste e na Comporta (?), por exemplo”. Sejamos então suficientemente crédulos para acreditar que os quase 900. 000 turistas/ ano que o próprio estudo reconhece que deixarão de vir a Portugal e a Lisboa, devido à localização da Ota, serão amplamente compensados por outros que só cá virão para desembarcar na Ota e ficar logo por ali, ou então para ir à Comporta, que fica 55 kms mais longe! Estarão a brincar connosco?”
Noutro estudo encomendado pela NAER, mas que recebeu tratamento discreto e de nome Relatório Final da Análise de Terraplanagens, elaborado pela empresa de construção Parsons, a mesma que tem actualmente grandes obras em curso – adivinhem onde? – no Iraque; e segundo esse relatório:
A “Ota tem um “problemazinho” com a existência de uma serra com 660 metros de altura a norte do enfiamento da pista principal – o que só consente duas soluções: ou se arrasa a serra ou se põe os aviões a fazer manobras escapatórias assim que levantem do chão. Já se sabia que, em termos de segurança de voo na aproximação às pistas, a Ota, devido aos ventos dominantes e outras condicionantes, irá ter fatalmente uma baixa classificação de segurança, em contraste com a Portela, que tem uma excelente classificação internacional.”
Ainda segundo o relatório Parsons:
Que “a área do novo aeroporto se situa numa região de forte risco sísmico, na Zona A do zoneamento sísmico nacional (falha do Vale Interior do Tejo).”
“Por exemplo, que será necessário desmatar 100 hectares de terreno arborizado e remover biliões de metros cúbicos de terras. Bem pior, que o terreno é todo ele alagadiço e atravessado por três ribeiras (uma das quais terá de ser desviada), o que leva os engenheiros a afirmar que “pelas suas características geomecânicas desfavoráveis e condições hidrológicas associadas, é particularmente condicionante do tipo de ocupação prevista, delimitando a sua ocorrência zona de risco e exigindo a adopção de disposições de estabilização”. Acontece, de facto, que, para azar dos obreiristas, os terrenos da Ota são integralmente compostos por areia, argilas e lamas, fazendo prever que, após as obras de terraplanagem, “o tempo de consolidação, sem contar com o factor sísmico, possa variar entre 25 e 110 anos”. Mas, há solução: os engenheiros chamam-lhe “colunas de brita” – é cara, complicada e vai durar, só ela, dois anos e meio.”
“Quando, depois de o Governo decidir o aeroporto na Ota, o Presidente diz que há um problema de escolha técnica, o que tem enorme significado político, as razões técnicas para explicar o novo aeroporto não são suficientes, o que é um problema político. O Governo insiste na Ota, quando técnicos reputados colocam enormes reservas a um aeroporto só para 30 anos e com problemas de segurança e de instalação num terreno alagadiço. Porque insiste o Governo na Ota? O que faz desta uma questão política, ainda que a escolha seja técnica? O Governo precisa desesperadamente de investimento na construção civil, na segunda parte do seu mandato. Daí a Ota e o TGV.”
Pacheco Pereira, Quadratura do Círculo/ SIC Notícias, ontem.
Os terrenos do aeroporto da Portela não entram nas contas para a privatização da ANA; quem o garante é o ministro das Obras Públicas, Mário Lino. E afiança que os terrenos do actual aeroporto de Lisboa não vão ser vendidos para financiar as obras da Ota.
Qual vai ser então o destino a dar aos terrenos do actual aeroporto na Portela?
“Já falei com o presidente da autarquia, independentemente das pretensões que qualquer das partes possa ter sobre a parcela A ou B dos terrenos. É desejável que o estado e a Câmara se entendam, para que se possa desenvolver um projecto para aqueles terrenos e para a cidade”.
É a resposta dada pelo ministro Mário Lino, sem se rir e, nem sequer corar!
Sendo do domínio público a situação financeira em que se encontra a Câmara de Lisboa e, com base nos antecedentes deste Governo para situações similares, nomeadamente de José Sócrates enquanto ministro do Ambiente e o número de camas para projectos turísticos no Alqueva versus José Sócrates Primeiro-ministro e o número de camas efectivamente programado e autorizado; acrescente-se-lhe a futura linha de metropolitano projectada para servir a zona do actual aeroporto e, aqui temos um cocktail potencialmente explosivo.
Não se antevê um futuro risonho para a qualidade de vida naquela zona da capital.