"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O ponto não é como a água chega ao mar, se escorrendo alegremente pelo alcatrão e calçada abaixo ou se alegremente escorrendo por uma rede de túneis construída para o efeito, o ponto é a água chegar onde não devia, ao mar.
A verdade é que o conceito "impermeabilização dos solos" é coisa que não passa pela cabeça das câmaras municipais quando toca a receber licençasdeconstrução, Sisas e IMI's, nem a origem da toponímia desperta qualquer curiosidade da parte dos compradores [Sete Rios, Rio da Figueira, Alcântara, Ribeira Velha, etc.]
João Cotrim de Figueiredo, no debate com Inês Sousa Real, a dizer que há que defender o planeta mas não a qualquer custo;
António Costa, no debate com Inês Sousa Real, candidamente a escudar-se atrás de uma lei que deixa o estudo de impacto ambiental a cargo da empresa interessada no projecto mineiro, para o caso.
Em comparação com o Tour de France, as imagens da Volta a Portugal, com o desordenamento do território, o fora de contexto, o caos e a cacofonia arquitectónica, o abandono de povoações e campos, a ruína de edifícios e casas, a "little Austrália" com eucalipto a perder de vista entremeado pelo negro e castanho dos incêndios, é uma coisa que nos devia deixar a todos profundamente envergonhados da merda que andamos a fazer com o rectângulo que herdámos dos nossos antepassados
Vejo na televisão as imagens de um incêndio em Chaves ao mesmo tempo que o repórter em voz-off vai informando que os bombeiros não tiveram descanso durante toda a noite a deixar arder pinhal porque a prioridade é proteger pessoas e bens e depois se ainda houver forças e água e pinhal logo se vê. Logo depois entra a entrevista a um dos defendidos pelos bombeiros durante a noite: “infelizmente temos pinhal por todo o lado”. Por estas horas já deve estar mais “felizmente”, já só há casas. Se isto não é o mundo ao contrário…
Apesar de haverem dois despachos ministeriais e, uma providência cautelar do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, ordenando a suspensão do abate de sobreiros na herdade da Vargem Fresca, naquele que ficou conhecido como o caso Portucale (nome da empresa pertença do Grupo Espírito Santo); os trabalhos foram reiniciados em Novembro do ano passado, com base numa autorização do Núcleo Florestal do Ribatejo (NFR).
Após denúncia pela comunicação social do reinício dos abates ilegais, o ministro da tutela Jaime Silva, ordenou a instauração de um processo disciplinar ao responsável do NFR, António Gonçalves e consequente suspensão de funções.
Independentemente da atitude fora-da-lei de António Gonçalves, independentemente dos processos disciplinares instaurados, o que importa aqui atender é ao comportamento de uma empresa pertença de um grupo financeiro (BES), que se quer credível e que, até há pouco tempo a esta parte, se vinha publicamente queixar pela voz do seu presidente de perseguição, nomeadamente em Espanha.
O que importa aqui atender é que um grupo como o Espírito Santo, com todo o batalhão de advogados e acessores jurídicos ao seu dispor, sabia perfeitamente que uma ordem de Núcleo Florestal nunca se poderia sobrepor a dois despachos ministeriais e a uma providência cautelar do Tribunal e, mesmo sabendo que iria contra a Lei, decidiu avançar.
A isto chama-se má-fé. A isto chama-se falta de escrúpulos. A isto chama-se pirataria. A isto chama-se Chico-espertismo.
Seria deveras interessante ouvir Ricardo Salgado dizer de sua justiça.