"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Sabendo nós o conteúdo das escutas que "eles" querem que nós saibamos, na altura que "eles" muito bem entendem ser a indicada para se saber, e sabendo nós, daquilo que veio aos ouvidos do pagode, que tudo junto e por atacado não vale um caralho, não tem relevância criminal de qualquer espécie, que tudo não passa de uma corja de bisbilhoteiras e calhandreiras que "eles" são, e sabendo também nós que o que "eles" querem que nós saibamos é apenas uma ínfima parte das horas, dias, meses, anos que "eles" levaram a escutar a vida alheia, a pergunta, legítima, diria mesmo mais, legítima, que se impõe é se tiraram proveito disso, se souberam de negócios em primeira mão, de decisões políticas ainda em fase embrionária, se tiveram acesso àquilo que comummente se chama "inside information"? Pois.
A muito custo e depois de muito barulho, político e mediático, finalmente encontrado o "momento processualmente adequado" para ouvir António Costa na casa dos segredos, de onde saiu como entrou, foi só a ocasião se propiciar ao futuro do ex primeiro-ministro para se propiciar às habituais fugas ao segredo de justiça, agora com imagens e tudo, para lembrar à turba que eles ainda ali estão, o Costa, e por sua pessoa o Escária, os polícias, guardadores e desvendadores de segredos, a república dos juízes em roda livre, Bruxelas e tudo o mais. Nunca falha.
Em 50 anos tivemos dois golpes de Estado sem sangue. Um, pelas mãos das Forças Armadas, devolveu a liberdade e a democracia ao povo, o outro, pela acção do Ministério Público, obrigou a eleições antecipadas e reconfigurou radicalmente o Parlamento. Dizem os guardiões da Acrópole que "não se pode avaliar o Ministério Público por uma decisão", afinal só se demitiu um primeiro-ministro, só caiu um Governo, a extrema-direita só ocupou 50 lugares no Parlamento, a cavalgar o descontentamento popular assente numa mentira, tenham lá calma. E além do mais, no país "colonizado pelo Partido Socialista", dos organismos do Estado à comunicação social, da Justiça às empresas, todos temos direito a ter uma cor política e uma preferência partidária. Agora imaginem que isto não era "tudo socialismo".