"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
O taberneiro foi em campanha até ao sítio do país com mais imigrantes por m2 falar mal dos imigrantes e encontrar a dona de uma lavandaria que vive de lavar roupa para os imigrantes, cheia de medo dos imigrantes que são o seu ganha pão e lhe dão qualidade de vida, "passam aqui e olham fixamente para a montra, onde é que já se viu? Agora vou ter de pintar os vidros de preto para ninguém ver saber que aqui há uma lavandaria. Isto estava muito melhor quando caminhava para ser um deserto de gente e de areia e eu me preparava para imigrar para Lisboa, agora isto é tudo deles, ocuparam as lojas, nem sequer pagam renda ao dono", ia dizer a senhora da querida lavandaria mas não teve oportunidade porque, de imediato, as televisões se viraram para o taberneiro que exige imigrantes a falarem português e a partilharem os nossos valores, tal e qual os imigrantes do deputado eleito pelo partido da taberna a que preside, e que na plantação de espargos de que é proprietário só emprega falantes de português, adoradores de Jesus Cristo, da Nossa Senhora de Fátima, da Irmã Lúcia, e tementes a Afonso de Albuquerque, que os mantinha na ordem e lhes fazia ver o que era bom para a tosse.
Os dir€itos humanos dos proprietários das tábuas que fizeram o bastonário da Ordem dos Advogados saltar da cadeira em Lisboa, meter cunha a Marcelo para furar o bloqueio, e ir a assapar até Odemira fazer peito às balas contra a venezuelização do país, estão definitivamente salvaguardados, com o Estado, o dinheiro dos contribuintes, administrado pelo Partido Socialista, a pagar por 100€ o que no Trivago vale 81€.
As pessoas não são contra as estufas, as pessoas são contra o trabalho escravo e não percebem por que razão/ razões os encargos são reflectidos nos custos do trabalho e não na margem de lucro de "empresários" e accionistas.
Portugal, séc. XXI, e o sindicatos dos agricultores tem como chefe um proprietário de uma roça de cacau no séc. XIX.
"O primeiro-ministro explicou, no Parlamento, que o Executivo está a trabalhar em “respostas diferenciadas” para residentes e para trabalhadores sazonais e assegurou que irá garantir “soluções de habitação” para todos os trabalhadores."
Dito de outra forma, o Governo do Partido Socialista vai meter o dinheiro dos contribuintes a financiar a precariedade, os baixos salários e o trabalho semi-escravo. Diz que é um partido socialista.
Os migrantes asiáticos vêm para a república do plástico em Odemira fazer o trabalho que os portugueses não querem fazer ou a alternativa considerada era reflectir os custos do trabalho no produto ao consumidor ao invés de reduzir a mais-valia de empresários e accionistas?
"A agricultura paga bem. Quando tu trabalhas ganhas bónus. Por exemplo, num restaurante pagam 600/ 700 euros por mês, não há bónus não há nada, aqui na agricultura eles podem ganhar bónus e o ordenado chegar a 1000/ 1200 euros, depende do que uma pessoa quer trabalhar" diz no telejornal da televisão do militante n.º 1 um migrante búlgaro trabalhador nos campos de Odemira, todo cheio de si, de certezas e do mirabolante ordenado que são 1200€/ mês a trabalhar 12 horas por dia.
No Alentejo, no tempo da 'aceifa', nos idos do fascismo de Salazar e Caetano, o 'manageiro' chegava, metia um garrafão de vinho tinto à frente dos homens, no final da fiada antes de acabar a safra, e dizia "é para o primeiro que chegar aqui", e eles, na sua santa ignorância e no espírito competitivo de ser melhor que o camarada do lado, continuavam desalmadamente a dar à foice até ao pôr-do-sol.
Não deixa de ser curioso ver aqueles que mais rejubilam com o julgamento e prisão de José Sócrates serem aqueles que se agarram com unhas e dentes a uma trafulhice de José Sócrates em Reserva Ecológica Nacional e Reserva Agrícola Nacional, ao inventar um PIN para um parque de campismo com capacidade até 1572 campistas e com o reforço da vegetação autóctone e resistente ao fogo, para acabar na chico-espertice das barracas de madeira, em terreno não passível de fraccionamento ou loteamento para construção, cuja licença terminou em 2019 e com a sociedade que explora o lugar a ser declarada insolvente em 2020. Ilegalidades atrás de ilegalidades. Portanto, partindo do princípio de que o Estado somos todos, tenho eu, o outro qualquer cidadão, tanto direito àquela "propriedade privada" como os alegados proprietários que mais não são que os donos das ripas de madeira que pagaram ao chico-esperto que lhes geria o condomínio.
Entretanto um mascarado, porta-voz dos barricados na porta do empreendimento à espera da invasão dos tanques do Pacto de Varsóvia [link na imagem], diz na televisão do militante n.º 1 que já falou com alguns dos migrantes, que "estão assustadíssimos e que alguns até já perderam o emprego". Alto e pára o baile. É aqui que todos deviam perceber a importância do contrato de trabalho, da contratação colectiva, dos direitos e garantias. Alguém se imagina na situação de ser despedido por falta ao trabalho numa situação de emergência sanitária e de saúde pública? Sim, nos States. Ou nos programas do Ilusão Liberal e do Chaga.
Não é apenas explorar a mão de obra imigrante, é tratá-la em termos humanos, tratá-la com a dignidade que vem na Constituição. É muito bonito dizer-se que "não, imigrantes não!" e depois descobrir-se que "imigrantes sim!" quando dão jeito para trabalhar a fazer aquilo que os portugueses não fazem, mas já não dão jeito para terem os direitos que lhes deviam corresponder.
Quando José Sócrates aparecia nas aberturas dos telejornais, depois de mais um PIN atentatório do património ecológico e ambiental comum, em tendas montadas no "local do crime" por empresas organizadoras de eventos a anunciar "um dia histórico" para o país e para a região, com um investimento de não sei quantos milhões de euros, gerador de mais não sei quantos milhares de empregos, directos e indirectos, nunca posteriormente confirmados pela comunicação social pé de microfone, e Manuela Ferreira Leite ousou argumentar que tal criação de emprego era na Moldávia, no Brasil ou em Cabo Verde, levou com a esquerda [quase] toda em cima, sem ver o que estava à frente de todos no dia-a-dia e sem raciocinar e perceber que esta reacção emotiva às palavras da então líder do PSD mais não era que assinar por baixo um dos princípios base do capitalismo neo-liberal: a desregulação total e a total ausência de direitos e garantias em nome do objectivo lucro máximo-despesa mínima e bem-estar de uma minoria.
Agora que temos em Odemira, Almograve, no Perímetro de Rega do Mira, e um pouco por todo o país, do Alqueva ao nordeste transmontano, a criação de emprego no Nepal, Paquistão e Sri Lanka, se calhar a esquerda "cão de Pavolov" já fazia um acto de contrição.
Disse um senhor na SIC Notícias, uma vez por hora a todas as horas certas dos noticiários, "como não autorizam construção as pessoas desenrascam-se de qualquer maneira" a propósito dos currais onde comem e dormem os migrantes dos quilómetros de plástico no Perímetro de Rega do Mira . Estão a perceber a conversa manhosa do manhoso? É que aquilo é o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, como dizia o outro "agora só falta aqui é cimento". E o PS, reza a história nestes 47 anos de democracia, é mesmo o partido indicado para atentados ambientais e paisagísticos. É só ir desenterrar os famosos PIN do outro, do Sócras.
A culpa de haver surtos de covid entre migrantes no sudoeste alentejano e costa vicentina é das ainda poucas regras ambientais e paisagísticas que não permitem um novo Algarve. Estas coisas nem inventadas.
"Em Aubervilliers, os empresários agrícolas queixam-se que os franceses fazem demasiadas exigências e não querem trabalhar. A opção foi empregar portugueses, que não se importam de viver em bairros de lata", os famosos bidonvilles, imortalizados para a eternidade pela lente de Gérald Bloncourt quando, nos anos 50 e 60 do século XX, iam a salto para França para fugir à miséria do fascismo e à guerra colonial.
O Vox, na Andaluzia financiado pelos "empresários" dos quilómetros de plástico das estufas até perder de vista que permitem à Espanha inundar a Europa de hortícolas e frutícolas a preços imbatíveis, tratados por mão-de-obra proveniente do norte de África, clandestina e em regime de quase escravatura, que se dedica a fazer o trabalho que os espanhóis dos contratos de trabalho e salário mínimo a 1 050 € mensais [dados Eurostat] não querem fazer, com um discurso anti-migrantes, os que trabalham nas estufas, teve no "paraíso das estufas", a Andaluzia, a votação expressiva nas eleições regionais que, a ser transposta para o parlamento nacional, lhe dava qualquer coisa como 25 deputados, o número suficiente para influenciar políticas em caso de necessidade do PP.
Em Portugal, a propósito do surto Covid em Odemira, o Chaga, dos "portugueses de bem" anti-migrações, com os financiadores conhecidos, e o Ilusão Liberal, oficialmente financiado por crowdfunding nas "redes sociais", por curiosidade, e só por curiosidade, com o programa económico e social, mais ponto menos vírgula, exactamente igual - privatizar, desregular, desmantelar a contratação colectiva, transformar a Segurança Social em seguros privados, acabar com o salário mínimo nacional, desmontar o Estado e o Estado social em favor de interesses privados, aparecem ambos mui indignados com a possibilidade da requisição civil temporária, tem-po-rá-ria, pelo Estado, de um empreendimento turístico com dívidas ao Estado, porque, enquanto se fala nisto, na "colectivização soviética da propriedade privada", não se fala no programa económico do Chaga e do Ilusão Liberal, talhado por medida para permitir o trabalho quase escravo sem direitos nem garantias como o que acontece neste momento em Odemira.
E tudo isto tem nome e tem responsáveis: a esquerda que, por demissão ou por alinhamento com as políticas de direita, permite, enquanto poder, estas situações.
[Na imagem print screen da região de Almeria com quilómetros de estufas a perder de vista]
E o que diz a Igreja Católica à direita beata do tugão com lugar cativo nas primeiras filas das igrejas de boca aberta para receber o "Corpo de Deus"? Diz que a propriedade privada é um direito legitímo mas não absoluto.
Faço minhas e volto a propor a todos algumas palavras de São João Paulo II, cuja veemência talvez tenha passado despercebida: «Deus deu a terra a todo género humano, para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém». Nesta linha, lembro que «a tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada». O princípio do uso comum dos bens criados para todos é o «primeiro princípio de toda a ordem ético-social», é um direito natural, primordial e prioritário.Todos os outros direitos sobre os bens necessários para a realização integral das pessoas, quaisquer que sejam eles incluindo o da propriedade privada, «não devem – como afirmava São Paulo VI – impedir, mas, pelo contrário, facilitar a sua realização». O direito à propriedade privada só pode ser considerado como um direito natural secundário e derivado do princípio do destino universal dos bens criados, e isto tem consequências muito concretas que se devem refletir no funcionamento da sociedade. Mas acontece muitas vezes que os direitos secundários se sobrepõem aos prioritários e primordiais, deixando-os sem relevância prática.
Portanto o "amor ao próximo" e a "caridade cristã" não interessam para nada, eles que morram longe, ainda por cima são do outro lado do mundo, e o Estado que nos devolva o dnheiro que lhe devemos.