"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Depois de aqui ter abordado o tema, foi com agradável satisfação que li isto. Muito bem, muito bem; um sincero aplauso!
Só aqui ficou a faltar uma referência. Tal vez pelo desinteresse mais que uma vez demonstrado pela coisa do futebol, Pacheco Pereira quando escreve:
“esse mesmo "meio" está retratado também nas escutas telefónicas do Apito Dourado, nos mil e um incidentes que envolvem a claque do Futebol Clube do Porto (seria bom conhecer os relatórios policiais e do SIS sobre a perigosidade desta claque), nas violências públicas diversas semeadas ao longo dos últimos 20 anos e que só têm em comum permanecerem impunes” (o negrito é meu).
deixa passar em claro, não situa estes “últimos 20 anos”.
Convinha referir toda a estratégia que há 20 anos começou a ser delineada para atingir a tão propalada supremacia no futebol português; que começa com o célebre Triunvirato dos Pintos, no tempo das então Associações Distritais de Futebol, com Adriano Pinto à frente da Associação do Porto; os célebres cozinhados para o alargamentos de divisões – onde subiam sempre equipas a norte de Aveiro…-, e consequente aumento de poder, através do não menos célebre esquema de votos por clubes representados nas divisões superiores de futebol, e que levou a que a AF do Porto conjuntamente com a e Braga e a de Aveiro escrevessem para o bem, e mais para o mal, todo o futuro do futebol em Portugal.
O fomento das claques, com especial destaque para os Super Dragões e todo o rol de vandalismos, barbaridades associadas; as manifestações com “Lisboa a Arder!”; as “manifs. espontâneas” à porta das Antas quando as coisas não corriam de feição, proporcionando depois ao presidente o aparecimento público para debitar mais uma tiradas e justificar determinadas medidas. Sempre com a complacência e o beneplácito da comunicação social, que não raro elogiava o seu humor de fino recorte.
A claque surge assim como um de entre vários elementos duma operação estratégica concertada. O monstro foi criado e alimentado com um fim; e quem o criou e alimentou, neste momento, perdeu completamente o controlo sobre o fruto da sua criação. E esse é que é o problema; agora.
Pacheco Pereira na Quadratura do Círculo limitou-se a amplificar aquilo que qualquer cidadão desprendido de provincianismos bacocos e de clubites agudas já havia constatado quando lê, ouve e vê as noticias. Assassinaram “fulano de tal” no Porto; que por acaso estava acompanhado de um elemento da claque dos Super Dragões. Assaltaram “não sei o quê” no Porto; por acaso o carro utilizado pelos assaltantes tinha sido emprestado por sicrano, elemento da claque dos Super Dragões. O vereador “não sei quantos” foi agredido barbaramente na rua; os presumíveis agressores são apontados como elementos da claque dos Super Dragões. Ele há cada coincidência!
Quanto às promiscuidades entre o PS Porto e Pinto da Costa, com negociatas de construção civil pelo meio; os processos envolvendo os ex Fernando Gomes e Nuno Cardoso falam por si. E o povo não é estúpido; só por isto se explicam bem 50% dos votos depositados em Rui Rio. Só não vê quem não quer ver.
Dizer isto não é denegrir o PS Porto, não é denegrir o FC do Porto, não é denegrir os portuenses. Dizer isto é manifestar preocupação pelo caminho que as coisas levaram e continuam a levar; e um militante socialista, um portista ferrenho, ou um portuense com ou sem clube, não sendo de modo algum novidade para eles o que Pacheco Pereira disse, ficam de certeza agradecidos pela chamada de atenção.
Há no entanto quem se entretenha a truncar as palavras dos outros e a tentar manipular descaradamente a opinião pública. Escreve hoje David Pontes, director-adjunto do Jornal de Notícias:
“As declarações de Pacheco Pereira em que ele estabelece uma ligação entre a sucessão de assassinatos de pessoas ligadas à noite, o F.C. Porto e o PS Porto seriam risíveis, apesar de insultuosas para as instituições visadas, se não reflectissem também uma visão etnocêntrica, que teima em reduzir os portuenses a portistas.”
A visão etnocêntrica está do lado do director-adjunto do JN. Alguém num jornal da capital, no seu perfeito juízo, se sentiria incomodado se hipoteticamente, onde se lê Super Dragões se lê-se Diabos Vermelhos ou Juve Leo? (Não vale os jornais do Benfica e do Sporting!).
E o etnocentrismo anda sempre por lá, camuflado; um código interiorizado, nas atitudes, nas palavras, até nos mais ínfimos e insignificantes acontecimentos. Um exemplo: durante a recente greve dos camionistas em Itália, os grevistas para matar o tempo resolveram eleger uma Miss Greve. Ganhou uma portuguesa. Pensava eu quando li os jornais italianos, e os portugueses sedeados em Lisboa. Hoje ao ler o JN fiquei a saber que quem afinal ganhou a eleição foi uma “camionista portuense”…
Isto do etnocentrismo, e de determinada elite política/desportiva/cultural do Porto cidade pretender um estado de excepção para a região, uma ideia de autonomia quase a roçar a independência, nem que para isso feche convenientemente os olhos a promiscuidades mais que duvidosas envolvendo o sub mundo, e finja não perceber o que está na origem das recentes nomeações de procuradores de Lisboa para o processo Apito Dourado e os mais recentes casos de criminalidade associada à diversão nocturna, já foi chão que deu uvas.
Ou como disse Rui Rio: “Mesmo que Lisboa consiga responder agora ao que o Porto não conseguiu responder, é preciso, depois, saber por que é que o Porto não foi capaz de responder” (negrito meu). Eu, pela parte que me toca, já percebi.
Se o Porto não tiver respeito por si próprio, quem é que vai ter?