"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
E não só assistem todas as noites aos programas de insulto futeboleiro nas televisões como ainda ligam para chamadas de valor acrescentado a responder a merdas tipo "Rui Santos Pergunta" que só existem na cabeça do imbecil que as coloca à votação.
Bastava estar atento, de véspera, ao que Miguel Morgado e Bruno Maçães diziam e escreviam para saber como ia ser, no dia a seguir, o discurso de Pedro Passos Coelho e para perceber que não tem uma única ideia sua dentro daquela cabeça. A novidade é o aparecimento de Miguel Poiares Maduro na equação e logo com citações na íntegra.
«Segundo o Correio da Manhã de hoje, sempre bem informado, o Procurador do MP encarregue do caso de Sócrates, Rosário Teixeira, quer assistir in loco ao sorteio que vai determinar qual o juiz que vai analisar o recurso apresentado pela defesa de José Sócrates. Ora, que se saiba, isto é inédito, e configura um ato de assunção óbvia de que a Justiça não confia nela própria.
Teixeira, no fundo, está implicitamente a transmitir a ideia de a decisão sobre o recurso, não é pacífica e vai depender de qual o juiz que o irá analisar.
Está a transmitir a ideia de que os juízes não decidem com base no articulado da Lei, o qual deve ser lido de forma geral e abstrata, mas sim em função de outros quaisquer ditames e circunstancialismos, desconhecidos para o comum dos cidadãos, mas que, pelos vistos, ele conhece bem e teme que se voltem contra o seu dedo acusador.
A gravidade desta atitude é por demais merecedora de alarme para o comum dos cidadãos, por descredibilizar por completo a Justiça e os seus agentes de forma quase insultuosa.
Que haja cidadãos que não acreditem nem na eficácia, nem na imparcialidade da Justiça que se pratica em Portugal, é um ato da convicção de cada um que decorre da forma como são interpretadas as notícias que vão sendo conhecidas sobre a forma como a Justiça vai operando e sobre os resultados que vai produzindo.
Que seja um Procurador do Ministério Público, ainda mais o procurador responsável pelo caso mais mediático que já ocorreu em Portugal, envolvendo um ex-Primeiro Ministro, a transmitir e chancelar perante o País, as suas reservas sobre a imparcialidade dos Juízes, é assunto de gravidade tal, que não se pode deixar passar sem reparo e consequente alarme da comunidade.
Porque é a descredibilização do próprio Estado de Direito que é prosseguida perante a opinião pública por um personagem que deveria ser, ele próprio, um dos pilares desse mesmo Estado de Direito, em nome do qual deve agir e atuar.
Rosário Teixeira não é um vulgar cidadão cujo conhecimento do funcionamento da Justiça é o que deriva daquilo que se vai sabendo através da comunicação social. Teixeira está no âmago mais fundo do sistema de justiça e conhece a forma como esta atua e se aplica. Por isso, e como a sua exigência denota manifesta desconfiança relativamente à própria Justiça, só temos que considerar que ele terá fundadas e justificadas razões para tais desconfianças. O que é triste. Mas que é sobretudo gravíssimo e porventura justificação quanto baste para alarme social por ser um reconhecimento inquestionável de que o Estado de Direito pode estar minado e em processo de colapso.
Mas mais. Se Teixeira desconfia da Justiça, porque havemos nós, confiar na justiça e nos métodos que Teixeira utiliza, ele próprio, enquanto agente de primeiro plano da própria Justiça?
Se ele acha que alguns dos juízes, a quem o recurso pode ser distribuído, são passíveis de não decidir com a necessária isenção, e tendo em conta as quebras constantes do segredo de justiça que só podem partir do MP que Teixeira chefia na investigação, não teremos nós o direito de suspeitar que Teixeira, não estará também, ele próprio, a não atuar com a necessária isenção?
Tem havido, neste processo, uma desproporção enorme de direitos entre a acusação e a defesa. Permitir que Teixeira possa presenciar o sorteio que determinará qual o juiz que analisará o recurso de Sócrates, só não será mais uma ação de privilégio abusivo para a acusação a Sócrates, caso o seu advogado possa também presenciá-lo.
A não ser assim, estaremos perante mais um abuso dos poderes da acusação e a um cerceamento dos direitos da defesa, num processo onde tal assimetria tem sido gritante e repetidamente evidenciada.
Contornar a proibição do trabalho infantil e do salazarento "não tinha jeito para os estudos" com o, também salazarento, "foi trabalhar para aprender a ser um homenzinho" que é o ensino dual e vocacional.
Como se o problema de Portugal fosse a qualificação, ou a falta dela, e não fossem precisamente os mais qualificados a emigrar e os mais qualificados, que não emigram, nos agora full-time no fast-food e nas prateleiras e caixas de supermercados de patrões muito patriotas com fundações muito eruditas e sedes fiscais para lá dos Pirenéus.
Sem Governo, sem oposição, sem Presidente da República que, socorrido pelos militares [fundadores da democracia e último garante da soberania] e sem ter de passar pelo calvário do encerramento das urgências hospitalares e dos serviços médicos no interior do país, condecora a título póstumo o ideólogo do 'vale tudo' do regime. Fim de ciclo, saudades do futuro.
O Serviço Nacional de Saúde, que o Governo Passos Coelho/ Paulo Portas quer desmantelar, salva vidas a pessoas que, ou por via do dinheiro dos seus impostos ou por via do rendimento do seu trabalho, contribuem para a saúde privada, que o Governo Passos Coelho/ Paulo Portas quer instituir.
Um ministro qualquer de um Estado que não existe chama pateta ao Presidente da República e o pagode encolhe os ombros e continua impávido e sereno. Who gives a shit?
Depois da fé da ministra nos cântaros de chuva que haviam de cair do céu e da intervenção da Senhora de Fátima na 7.ª avaliação da troika, pelo casal Silva, temos agora a governação por "sentimento", ainda que só ao nível do Governo e da maioria que o suporta, mas ainda assim um feeling, uma fezada. É, definitivamente, uma passagem de nível. Como nos jogos de vídeo, em amaricano, "next level, reload":
De nada adianta dizer que o investimento continua em queda, que as exportações estão a desacelerar, e que a animação se deve ao aumento da procura interna, porque, por "intervenção divina" do Tribunal Constitucional, as pessoas e as famílias tiveram mais dinheiro para gastar. É uma alegria. Viva!
Acusado de acesso indevido a dados pessoais, corrupção passiva para acto ilícito, abuso de poder e violação do segredo de Estado, suspeito de, e enquanto director dos Serviços de Informações Estratégicas de Defesa, usar informação privilegiada em benefício de interesses particulares e corporativos, vai depor condicionado pelo "segredo de Estado" de que é acusado de ter violado.
É o "segredo de Estado" por medida e por encomenda, numa Democracia menor, onde um primeiro-ministro iluminado e acima e qualquer suspeita, decide se um órgão de soberania é ou não digno de confiança no acesso a informação confidencial e sensível, sistematicamente violada por "paisanos" anónimos de nomeação política.
Kafka não teria escrito melhor.
[Na imagem fotograma de Frankenstein Júnior, Mel Brooks, 1974]
E eis senão quando, e como que por artes mágicas, o vídeo com o mui famoso e extremamente actual discurso proferido por Paulo Portas no debate "O Estado da Nação" na Assembleia da República em 15 de Julho do Ano da Graça de 2010, e que já havia sido apagado do sítio do CDS-PP, mas que continuava disponível na cache, sofreu a acção do apagador do diligente [re]historiador de serviço à memória centrista-popular. Depois do CDS ter nascido de geração espontânea, com o delete ao pai-fundador, Diogo Freitas do Amaral, em formato moldura a caminho do Largo do Rato, o CDS é finalmente um partido novo e puro como a água da nascente. O problema é que todos os dias o P[artido] P[ortas] faz discursos e diz coisas com piada.
Como o apagador ainda não chega a todo o lado, o discurso está disponível aqui. Muito obrigado.
[Na imagem "o doutor" [como o doutor Portas gosta] Salazar na "lavoura"]