"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Decorria a campanha eleitoral para as legislativas de 2011 quando Pedro Passos Coelho, numa acção de campanha no mercado de Vila Real, é abordado por uma ex-aluna que viu as suas competências certificadas pelo Novas Oportunidades. "Fui a melhor aluna da minha turma", revoltada pela campanha que o então líder do PSD vinha a fazer contra a iniciativa do Governo, classificando-a como uma "credenciação à ignorância". Quase a perder as estribeiras responde torto, "olhe, espero que o seu curso lhe sirva para muito, está bem?".
Que a certificação de competências, atribuída pelo período de governação em que foi primeiro-ministro a mando da troika, lhe sirva para muito, a ele, na "zona de conforto" de onde era preciso sair, dizia, de debaixo do guarda.chuva do Estado, que tanto criticava. Que lhe servia a ele e aos alunos a quem vai passar conhecimento, está bem?
«O objetivo deste projeto de resolução […] é recomendar ao Governo que desenvolva mecanismos de valorização e e reconhecimento das competências adquiridas através da educação não formal […].
Cada vez mais, estas competências são hoje mais-valias reconhecidas pelo mercado de trabalho no recrutamento, sendo, por isso, importante credibilizar e certificar essas mesmas competências.»
Quem 'escreveu' o título do post, quem 'ditou' o seu conteúdo. Esta gentinha além de não ter vergonha nenhuma na cara ainda goza com a cara do povo. Depois do dô-tôr, e braço direito do primeiro-ministro, Miguel 'Novas Oportunidades' Relvas, Novas Oportunidades para as jotas, quiça pela militância nos escuteiros e no Banco da senhora Jonet.
Insultar milhares de portugueses é levá-los a crer que a sua disponibilidade e sacrifício, e o esforço dispendido, por vezes com prejuízo da sua vida familiar, para certificar qualificações e adquirir novas competências através do programa Novas Oportunidades, lhes dá acesso a um diploma, em pé de igualdade e qualidade, com os diplomas adquirido pela via normal de ensino. A realidade é dura mas é a realidade.
Ainda sou do tempo em que nas estradas se estigmatizava a nabice de um mau condutor com um “saiu-te a carta na Farinha Amparo?!” lançado pela janela do carro. Sinais dos tempos, agora para sublinhar a ignorância e a incompetência de alguém não raro ouvimos “tiraste o curso no Novas Oportunidades?!”.
Licenciaturas tiradas a “100 à hora” em universidades manhosas.
Projectos de construção de edifícios assinados a “100 à hora” em Câmaras empregadoras dos boys do partido que elegeu a administração.
Construções manhosas a “100 à hora” sem um mínimo de qualidade, bom senso e respeito pela cultura e tradição das regiões.
Ontem ou anteontem (já não me recordo), vi numa televisão que 10 jogadores do Tirsense tinham voltado à escola para concluir os estudos à sombra do Novas Oportunidades. Um dos entrevistados ia terminar o 12.º ano. As aulas começam na próxima quinta-feira; disse.
O que é que eu digo à minha filha (o que é que os restantes pais dizem aos seus filhos?); como é que lhe posso exigir que se esfalfe a estudar, que seja boa aluna, que seja profissional naquilo que faz (dentro e fora da escola); ela que está no 11.º ano e começou as aulas em Setembro?
É tudo demasiado fácil. Faz-se passar a ideia que o esforço não é necessário nem compensa. Depois queixem-se.
Primeiros 65 diplomas do 12.º ano são hoje entregues
Os primeiros 65 diplomas do 12.º ano, integrados no programa governamental Novas Oportunidades são hoje entregues numa cerimónia que conta com a participação do primeiro-ministro, José Sócrates” (Aqui)
A propósito desta notícia, recupero aqui o primeiro parágrafo da página 2 do Expresso de passado sábado:
“Professor denúncia ruína do ensino profissional
Um professor escreveu a pedir a intervenção do PR.
Domingo Cardoso reformou-se ao fim de 36 anos de ensino. Contactou com turmas dos cursos de Educação e Formação – uma das vias profissionalizantes de ensino – e decidiu denunciar o que considera “uma mentira”.
P – Qual o motivo que o levou a recorrer ao Presidente?
R – Recorri ao Presidente da República por ser quem nos representa e quem deve saber tudo o que se passa no país. E é preciso que o país saiba que tipo de filhos estão as famílias portuguesas a criar e que os professores estão cansados, desanimados, desautorizados e com vontade de arranjar outra ocupação. Os professores estão transformados em amanuenses, obrigados a preencher papelada e mais papelada, e dentro da sala de aula a sua ‘luta’ não é ensinar mas manter os alunos quietos, calados e, se possível, atentos. O PR tem o direito, o dever e a obrigação de perguntar ao Governo que sucesso é esse tão apregoado no ensino. Escrevi-lhe, também, em nome dos que não podem falar, porque é preciso que se saiba que as escolas estão preocupadas não com a transmissão de conhecimentos mas em ‘levar’ os alunos até ao mês de Junho, de modo a poderem ter um diploma. Transformaram-se em ‘carimbadoras’ de certificados, servindo-se das assinaturas dos professores para dar cobertura legal a esta mentira e a este engano que são os Cursos de Educação e Formação (CEF). Parece estar toda a gente muito feliz e contente a ver passar o cortejo onde o rei vai rotunda e adiposamente nu.”
Há coisa de dois ou três dias fomos confrontados com a notícia de que 80% dos obstetras portugueses recusam realizar interrupções voluntárias da gravidez, invocando objecção de consciência, e, no maior hospital português, Santa Maria, essa percentagem é mesmo ultrapassada. Hoje ocorreu-me uma boa solução para ultrapassar este problema, porque, quer se queira quer não, é de um problema que se trata. Problema para a mulher que quer abortar, problema para os hospitais que não conseguem responder às solicitações, problema para os médicos que não objectaram, perante a contingência de se verem obrigados a trabalhar quase como numa linha de montagem. Senhor ministro da Saúde Correia de Campos: porque não aproveitar o programa Novas Oportunidades e dar o grau de equivalência às abortadeiras de “vão-de-escada”? Requalificavam-se profissionais competentes; beneficiava a saúde pública; e last but not the least, o ministro Teixeira dos Santos ficaria eternamente grato por mais uns euros que entravam nos cofres das Finanças, por este rombo na economia paralela e subterrânea. A bem da Nação!
Faz tempos que ando para comprar um portátil! Mas como o dinheiro não estica e pelo meio vão sempre surgindo outras prioridades, a coisa vai ficando sempre adiada…
Ontem José Sócrates resolveu o meu problema (obrigadinho oh Sócrates!), ao anunciar que o Governo vai oferecer portáteis “à vara larga” a quem se inscrever no 10º ano, ou, a quem frequentar o programa Novas Oportunidades.
Agora é só ir passando pela Feira da Ladra e esperar que eles apareçam a um preço de mercado justo. E não me vai pesar absolutamente nada na consciência! Aqueles computadores oferecidos tiveram de ser pagos por alguém; os suspeitos do costume – leia-se contribuintes. Resume-se tudo a uma questão de reaver o que é meu por direito, só que por interposta pessoa; por portas e travessas.
(Uma dica: se o quiserem comprar barato, apareçam na Feira entre as 4 e as 8 da manhã.
Se aparecerem depois das oito, também o compram barato, mas ligeiramente mais caro, porque já foi comprado por alguém que o está a revender.)
Agora a sério.
Aqui está um exemplo acabado de uma medida populista avulso deste Governo. Oferecendo computadores a eito implica fomentar o desenvolvimento e o domínio na área das novas tecnologias? Possivelmente, em 500 mil que vão ser distribuídos, haverá uma imensa minoria que irá agradecer e fazer uso deles.
Não será antes isto, um incentivo ao acomodamento e ao conformismo? É que o Estado dá… tudo é simples e sem esforço. O Estado providência em todo o seu esplendor.
“Funcionários de topo dispensados da licenciatura.
O acesso às carreiras de topo do regime da função pública – técnicos superiores com salários entre um mínimo de 1 300 euros e um máximo de 2 940 euros – vai deixar de exigir a licenciatura aos candidatos e passará a dar mais importância à experiência profissional.” Esta é a primeira página do Diário de Notícias de hoje.
Das duas uma: Ou os boys enfileirados para o job são mais que muitos e de baixos recursos académicos, ou, para alguma coisa serviu a polémica em torno da licenciatura do primeiro-ministro…
(Então e as Novas Oportunidades? Estudar, valorizar-se, etc?)
A história é conhecida: um jovem sacristão trabalhava na sua aldeia para um pároco idoso que um dia morreu e foi substituído por um padre jovem e reformista. Este, mal chegou à paróquia, entregou ao sacristão uma lista de alterações a introduzir no serviço da igreja que lhe pediu que pusesse em prática. O homem, embaraçado, devolveu a lista ao padre explicando-lhe que não sabia ler e que, por isso, o padre teria de lhe explicar de viva voz o que quisesse que ele fizesse. O padre ficou estarrecido pela ignorância do homem e despediu-o, pois não podia ter ao seu serviço um analfabeto.
O sacristão, cabisbaixo, foi até à cidade para decidir o que fazer da sua vida. A dada altura quis comprar cigarros, mas reparou que na rua onde estava não havia nenhuma tabacaria. E o mesmo acontecia em todas as outras ruas do bairro. Decidiu agarrar nas economias e, em vez de tentar procurar um novo emprego, abrir uma tabacaria de vão de escada. A tabacaria prosperou e transformou-se num amplo estabelecimento e a ela seguiram-se outras empresas que granjearam ao seu proprietário uma confortável fortuna. Um dia, recebeu a visita do seu advogado que lhe vinha pedir que lesse uns documentos. Ele teve de lhos devolver, explicando que não sabia ler. O advogado não pode conter o espanto: “Mas se o senhor, sem saber ler, conseguiu chegar onde chegou, onde não estaria se soubesse ler?...” “Se eu soubesse ler”, respondeu o abastado comerciante “era sacristão na minha aldeia.”