"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Marcelo já conseguiu aparecer no Banco Alimentar Contra A Fome, em Alcântara, na noite do rescaldo das eleições, fazendo questão de previamente avisar as televisões para, não comentar comentando, disfarçado de voluntário. Ontem, chumbado o Orçamento do Estado, em mais um acto circense, imagem de marca, foi ao multibanco. Partindo do princípio que não foi pagar as quotas de umas centenas de militantes do PSD, do sindicato de votos do dilecto Rangel na corrida à liderança, porque é que na ida e volta se arrependeu de comentar é a grande incógnita.
Ainda sou do tempo de trabalharem dezenas de pessoas nas agências bancárias espalhadas por todos os lugares do país e onde os funcionários conheciam os depositantes como o merceeiro de bairro conhece o cliente, de livro de cheques com o "canhoto" para acertar o saldo com a ficha de cliente arrumada por ordem alfabética nas gavetas fundas dos arquivos. Ia pela mão do meu pai e via muito maravilhado com olhos de puto todas estas operações e rituais e salamaleques. E os bancos tinham lucros. Grandes lucros.
Depois veio a modernização e éramos os melhores e os mais modernos do mundo em agências com balcões new age e chãos de mármore e tudo computorizado e falávamos muito nisso. E vinha o banqueiro de sorriso de orelha-a-orelha, ainda mais satisfeito que as reportagens dos jornalistas do economês nos telejornais, ainda mais satisfeitos que o banqueiro e com a modernidade da banca mais moderna do mundo, com empregados que escaparam à reforma antecipada e à rescisão amigável todos muito barbeados e equipados com fatos da Zara e da Massimo Dutti, todos muito satisfeitos e felizes por trabalharem na banca mais moderna do mundo e de fazerem sozinhos o que um exército de camisas Triple Marfel e calças terylene fazia antes deles. E os bancos continuaram a dar lucros. Grandes lucros. E quando não deram lucros, grandes lucros, estavam cá os contribuintes para assumir a culpa de viver acima das suas possibilidades.
Como é que as contas dos levantamentos para compras de Natal são feitas ao dia 1 [53 milhões de euros aqui e 700 milhões [!!!] aqui] se no sector privado o 13.º mês é pago até ao dia 15 de Dezembro [aquele que é pago...]?
As pessoas deixaram de pagar a renda da casa, a água, a luz, as mercearias e as compras do mês, a escola dos filhos, os medicamentos, etc. , etc. , etc. , para, imbuídos de espírito natalício, desatarem a gastar à vara larga em compras para o sapatinho e deixaram o resto para dia 15?
No dia em que vencia a última prestação do famigerado IMI os portugueses levantaram dinheiro para compras de Natal?
Todas os levantamentos e todas as transacções multibanco foram canalizadas para as compras da quadra?
Natal é sempre que a imprensa acéfala quiser e este calhou ser no 1.º de Dezembro, dia da Restauração do Natal?
Fica a faltar instalar quatro piscas intermitentes como nos automóveis quando param no meio da via, para serem activados por aqueles que conseguem ficar metade de uma manhã ou de uma tarde em frente ao Multibanco com resma e meia de facturas para pagar, o telemóvel para carregar e o saldo para conferir, parcela a parcela, levantamento a levantamento, pagamento a pagamento. Assim uma pessoa já sabia ao que ia. Chegava e via as quatro luzinhas amarelas a piscar: “olha este está aqui para lavar e durar”, e dirigia-se a outro ATM.
Poupava tempo, porque tempo é dinheiro, e saúde, porque não ficava a stressar à espera da vez.