"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
A verdade é que se não tem havido a crise do subprime, Passos Coelho roído a corda e chumbado o PEC IV, contra a opinião da União Europeia, o pedido de resgate, a chegada da Troika e o resto de má-memória, já o aeroporto de Alcochete estava a funcionar em pleno. E o que mudou desde então foi nada, a não ser a alucinação de meter um aeroporto no Montijo, contra a opinião de todos os especialistas, a curto prazo com os pés de molho por causa da aceleração do aquecimento global e das alterações climáticas, e para gáudio do pato-bravismo da promiscuidade política-betão, ali com um maná de desordenamento territorial a perder de vista. Do que a gente gosta é de conversa da treta, de chover no molhado, de reunião de condomínio até às tantas da manhã para chegar a lado nenhum, de sermos enganados com a "criação de emprego" e os "milhares de empregos, directos e indirectos", nunca posteriormente confirmados.
Duas novas localizações em cima da mesa para o novo aeroporto, que é "de Lisboa": Pegões e Poceirão, concelhos do Montijo e Palmela, respectivamente. E lá foram as televisões todas a correr reouvir Carlos Moedas dizer as mesmas coisas que já ninguém ouve mas dos verbos de encher Nuno Canta e Álvaro Amaro ninguém se lembrou. Centralismo doentio.
"Uma área significativa da Reserva Natural do Estuário do Tejo e das costas de Aveiro e Figueira da Foz poderão ficar submersas pelas águas do Atlântico em apenas 9 anos."
Não há maior legitimidade em democracia do que a das populações decidirem, directamente ou por interposta pessoa - o poder autárquico eleito, o que é do seu interesse e bater o pé ao poder do Estado central, se for caso disso, e no caso da prepotência de um Estado que decide primeiro e pergunta depois ao invés de encontrar alternativas e negociar soluções. O que é que António Costa vai fazer a seguir, obrigar as populações a trabalhar na construção do aeroporto e depois deportá-las para [re]povoar as Beiras ou o interior de Trás-os-Montes?
Existe o "Plano A", o aeroporto em Alcochete, consensual no país e nas autarquias da Península de Setúbal, as do PS incluídas, até o PS lhes dar ordens para tomarem posição pelo aeroporto no Montijo, o tal inventado pelo governo da troika Passos Coelho/ Paulo Portas, para que não se dissesse que iam recuperar uma obra do Sócras, o esbanjador, o endividador, aproveitado pelo PS de António Costa, porque José Sócrates ainda tem peçonha na história recente do partido e porque a Vinci assim o quer.
Eram manifestamente exageradas as notícias que davam conta da morte do velho PS, trafulha, da clientela política ligada ao pato-bravismo da construção civil à sombra do Estado, à especulação imobiliária, aos interesses privados que dão sempre na porta giratória público-privado-público, que se entreteve a negociar com a Vinci a localização do aeroporto do Montijo, ignorando o poder autárquico democrático e o aeroporto em Alcochete, com o apoio das câmaras comunistas e das câmaras PS, até o PS lhes dizer que tinham de apoiar a construção de outro aeroporto, decidido pelo PS, que decidiu a lei que agora se propõe alterar porque não diz aquilo que o PS quer que diga, a chamada democracia por medida e a pedido. O PS da governação autárquica bloqueada pelo Tribunal de Contas e pelas autarquias comunistas, que por pura maldade e falta de sentido de Estado não conseguem ver a "visão socialista para a região de Setúbal" [minuto 37:40], o finalmente malfadado investimento no "Deserto do Já Mé", sem a terceira travessia do Tejo, não vá algum atentado terrorista partir o país em dois, sem a plataforma logística Poceirão-Marateca, sem a linha de alta velocidade, sem a autoestrada do Baixo Alentejo entre Sines e Beja, sem a ligação ferroviária a ligar o terminal de Sines a Espanha. Deixem o PS trabalhar!
"O ministro do Ambiente e da Transição Energética garantiu hoje que a base aérea do Montijo é segura para ser transformada no novo aeroporto complementar de Lisboa."
"O ministro do Ambiente e da Transição Energética sugeriu no início desta semana que algumas aldeias do Baixo Mondego podem vir a ter de ser deslocalizadas no futuro devido às cheias que atingem periodicamente aquela região."
Num passado recente o "estudo de impacto ambiental" era feito pela empresa pertença do grupo que ia construir o hotel ou o campo de golfe que por sua vez pertencia ao grupo do banco que ia financiar o projecto.
Os milhares de empregos previstos e a realidade das dezenas, e precários, criados [é]ra outra história.
Por um misto de inépcia, preguiça e ignorância dos jornalistas da praça, continuam sem contraditório as doses maciças de propaganda pelo ministro Pedro Marques e os 20 mil empregos directos e indirectos com o novo aeroporto no Montijo, quando uma busca rápida no Google com "direct and indirect employment Heathrow airport" [repetir subsituindo Heathrow por Charles De Gaulle ou por Rhein-Main Flughafen] mostra, por comparação com as dimensões de cada um e o movimento de passageiros e aviões o empolamento das previsões.
Nos idos dos PIN - Projectos de Potencial Interesse Nacional, o saque à Reserva Ecológica Nacional e à Reserva Agrícola, o saque ao património nacional comum trazia sempre às costas a justificação dos postos de trabalho criados. Qualquer hotelzeco com mais de 3 estrelas, campo de golfe ou resort de luxo, construído onde anteriormente era proibido montar uma tenda de campismo selvagem, vinha sempre com milhares de postos de trabalho, directos ou indirectos, no horizonte. Nunca ninguém se lembrou de os confirmar, dez e mais anos que são passados, o impacto nas economias locais, a criação de riqueza para as populações.
Ontem ouvimos todos Pedro Marques, ministro do Planeamento e das Infraestruturas, anunciar perante uma sala cheia de gente, e ainda mais as televisões e as rádios, a criação de 20 - vinte - 20 mil postos de trabalho com as low cost no Montijo, sem que ninguém na sala esboçasse sequer um sorriso e sem que a comunicação social fizesse perguntas. Vinte mil por uma "pista de skate" na margem sul comparativamente com os mais de 70 mil de Heathrow, um dos maiores aeroportos da Europa e do mundo. Só faltou juntar o indicador e o polegar e proclamar Let's Make Distrito de Setúbal Great Again.