"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Analistas e comentadeiros nas televisões, os méritos do reinado e o "sentido de Estado", como se tivesse sido "motor da História", como se a rainha tivesse mais poderes que Marcelo. Priceless. Esta até o malogrado Pinto Monteiro sabia.
E o mérito, comentado com indisfarçável orgulho, que foi ter 15 primeiros-ministros, 7 Papas, uma guerra mundial, 6 álbuns do João Pedro Pais, quando devia ser precisamente o contrário. A senhora não foi eleita. Podiam também ter indisfarçável orgulho em Estaline, ou Brejnev [excluindo o PCP que já o tem].
Dois adultos, casados e com filhos, decidem tomar nas próprias mãos o futuro, seu e dos descendentes, livres e independentes, trabalharem naquilo para que sentem vocação, terem vida própria, serem úteis à sociedade, não viverem a expensas do erário público, e levam com a família toda em cima, com a comunicação social que faz os maluquinhos dos contos de fadas e da indústria do merchandising, mais a opinião pública toda intoxicada e que só opina o que convém à opinião privada. Querem melhor argumento pró República, onde ocupa cargos de governação quem assim o entende, depois de submetido a votação em eleições livres e democráticas, e quando terminado o mandato cada um vai à sua vida?
Parece que uma revista italiana reincidiu e tornou a publicar fotos de Kate Middleton em bikini, com a sua barriguinha de grávida, a banhos numa praia das Caraíbas.
Parece que a família real tornou a ficar muito chocada e indignada e angustiada e outros sentimentos assim.
Parece que os jornais bifes também estão muito chocados e indignados e angustiados e outros sentimentos assim, de tal forma que até censuram a foto na reprodução que fazem da capa da desavergonhada revista italiana.
A mim o que me faz confusão, não revolta nem indigna nem angustia nem outros sentimentos assim, já estou por tudo, é que em pleno séc. XXI haja que passe a vida em bikini a ser fotografado em praias das Caraíbas ou do Mediterrâneo sem ter de se preocupar com o que fazer para o jantar nem sequer como arranjar dinheiro para o comprar.
Haja alguém que trabalhe para que sobre tempo a alguém para ficar muito chocado e indignado e angustiado e outros sentimentos assim.
«Louvado seja Deus, quando neste dia de júbilo geral olho para trás e vejo quantas mudanças aconteceram e até que ponto este mundo está melhor, sinto orgulho de mim mesmo. Houve guerra e peste no meu tempo, mas eu acho que são coisas sem importância comparadas com os benefícios que advieram para a raça humana desde que eu apareci sobre a terra.
- De que estás tu a falar? – Gritou Mr. Hennssy. – Que é que tu tiveste a ver com todas essas coisas?
- Bem – disse Mr. Dooley – tive tanto a ver com elas como a rainha.»
O neto dá tiros no pé. Tem dois. O avô dá tiros nos elefantes. Enquanto ainda os há fora dos zoológicos. Fora isso, de dar tiros, aparece sorridente, a família toda nas capas das revistas cor-de-rosa.
O ponto em comum aos que defendem que "Portugal precisa de uma Monarquia" e aos que pululam pelas caixas de comentários dos jornais on-line e nos fóruns das rádios a gritar que Portugal precisa de outro Salazar é o serem cidadãos portugueses empenhados em dispensar o povo de ter voz activa na escolha dos seus representantes.
[Imagem Yann Serandour, ‘I Will Not Make Any More Boring Art’, 2005]
(*) Que não da obra de José Régio mas daquelas que se punham na cabeça dos putos, virados para a parede, nas escolas primárias nos idos do Pai da Pátria aka Salazar.
O facto de alguém ser portador de um passaporte com um neverending name como Duarte Nuno Fernando Maria Miguel Gabriel Rafael Francisco Xavier Raimundo António de Bragança explica que faça do meu e-mail albermagem para, numa neverending message de 4 páginas, 1 380 palavras, 8 965 caracteres e 186 linhas me dizer no último parágrafo “Viva Portugal!”?
Quando era teen, aí por alturas do PREC, ia pela calada da noite, mais a restante maralha, fanar bandeiras às sedes dos partidos. Os alvos preferidos eram as do PSD e as do MRPP e, quando não eram fanadas, eram trocadas – hastear as “laranjas” nos “vermelhos” e os “vermelhos” nas “laranjas”, sem sequer sonharmos que pouco tempo depois seriam “dois em um na unidade do Espírito Santo”.
Disse-me uma vez o meu pai ao ver a minha invulgar colecção, e desconfiando da minha dedicação à causa vexilológica: “Havias de ser apanhado e levar umas valentes sarrafadas no lombo que era para ver se aprendias a ser homenzinho”. Era disso que se tratava: criancice.
“O Orlando é o rei da escola!”; disse-me o puto ontem quando o fui buscar à dita. Curioso. Estamos a falar de putos com 6, 7, 8 anos. E a dois anos do centenário da República, “o Orlando” não é “o chefe”, “o comandante” ou até mesmo “o presidente”: “o Orlando é o rei da escola!”
A dois anos do centenário da República também aqui temos “O Rei do Frango” e “O Rei do Peixe Assado” e “O Rei do Caracol”. Nenhum Presidente. E havia a cervejaria “Império” que já fechou portas, nunca houve uma cervejaria da “Autonomia” ou da “Regionalização”.
Dualismo.
Uma questão de charme, no caso do comércio e da restauração. De totalitarismo e absolutismo, na escola.
(Imagem The King Of Swords via Mary Evans Picture Library)