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DER TERRORIST

"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.

Ir a banhos em Agosto

por josé simões, em 10.08.08

 

Declaração de interesses: Abomino Agosto; detesto as férias em Agosto. Nunca entendi esta tendência para ir tudo a banhos em manada logo no pior mês do ano.

 

«Vem Agosto, e o país entra em hibernação. Em Portugal, até a lei da gravidade tira férias em Agosto: nada mexe, nada desce, nada cai, tudo flutua no ócio. E este gosto português é a representação máxima de um modo de vida europeu que está em completa falência.»; assina Henrique Raposo (HR) hoje no Expresso.

 

Interessante ponto de vista não se desse o caso de a “loja” estar há já mais de três semanas com metade do serviço em piloto automático (que é uma das vantagens de ter blogue no Sapo), e a outra metade entregue ao Arcebispo e aos trocadilhos manhosos… Adiante.

 

Depois dos lugares-comuns que por aqui (Europa) se trabalham 11 meses e se recebem 14 (os que recebem); que estão aí os chineses mais os indianos e todos os outros que também têm os olhos em bico (o que toda a gente já percebeu); que o nosso modo de vida já era; remata: «(…) a Europa tem dois caminhos possíveis. Primeiro: fingir que nada mudou e construir uma cidadela de ócio por cima do mundo que trabalha. Segundo: assumir que é preciso adaptar as nossas sociedades a um ritmo de trabalho mais intenso. (…). Os europeus querem ter férias ou querem ter poder?».

 

Como a Europa é uma coisa muito grande, fiquemos por aqui; pelo rectângulo.

Toda a gente trabalha oito ou mais horas por dia. Às vezes em mais que um emprego, para compor um salário médio de 700 e qualquer coisa euros. Toda a gente diz que não se importa de trabalhar mais; e mais horas – basta estar atento às conversas do dia-a-dia nos transportes públicos, nos cafés, etc. O que o povinho quer é receber um salário digno e poder ir um mesito de férias… em Agosto.

 

Toda a gente, não. Há sempre alguns que vêm com o mesmo discurso de HR. Na grande maioria dos casos são aqueles que ganham o dobro ou triplo (contas por baixo) do salário médio; entram tarde e saem cedo, porque ou são “empresários” (entre aspas) ou trabalham arduamente com os neurónios e por isso têm isenção de horário, além de benesses várias (cartão de crédito, carro e gasóleo, telemóvel, etc.) na mesma empresa onde trabalham os outros que recebem os 700 euritos e que não querem trabalhar 25 horas por dia e mais o dia de Natal, como os chineses. E são muito bons em matemática pelos cálculos que fazem para fazer render o salário até ao mês seguinte.

 

O que HR sabe, mas finge não saber quando escreve, é que a liberalização do comércio que trouxe a China, a Índia, e todos os outros ao redor, aos níveis de desenvolvimento a que assistimos, tinha como objectivo o mercado de não sei quantos biliões de possíveis consumidores e os também não sei quantos biliões de dólares de lucros. Mas as contas saíram furadas e o que aconteceu foi um mercado de não sei quantos biliões de… produtores (!) que rapidamente começaram a pisar os calcanhares às marcas e às empresas. Há que dar a volta ao texto. E a volta é o discurso fomentado pelas marcas e pelas multinacionais do “mais trabalho”.

 

Um tempo houve em que ser empresário era sinónimo de criar riqueza para si, e criar riqueza e bem-estar para a comunidade. Recordo Alfredo da Silva e a CUF no Barreiro; com a assistência médica aos trabalhadores e familiares dentro dos muros da empresa; a escola para os filhos dos trabalhadores dentro dos muros da empresa, mais os livros e cadernos oferecidos; o supermercado (“a cantina”; como se dizia) dentro dos muros a empresa, com os preços mais baratos para os trabalhadores; instalações desportivas e um clube na primeira divisão; e os tais dias de férias.

Isto agora, obviamente que não se usa. Afinal temos todos de trabalhar ainda mais porque vêm aí os chineses.

 

O problema é que quando os chineses atingirem o estádio do “nada mexe, nada desce, nada cai, tudo flutua no ócio”, às marcas e às multinacionais ainda resta a África como fundo de maneio de mão-de-obra barata. E depois tornam à carga com a mesma cantilena, só que desta feita será aos ouvidos dos habitantes da Terra dos Chins. Daqui por muitos e muitos anos talvez já haja colónias na Lua ou em Marte e toca-lhes a eles ouvir o sermão.

 

Como europeu não quero ter poder. Quero que os chineses, os indianos, os africanos, e todos os outros tenham os mesmos direitos e regalias que eu tenho; que inclui as férias (há falta de melhor, podem ser mesmo em Agosto). O que eu como europeu gostava é que as marcas e as multinacionais subscrevessem e aplicassem hoje a mesma filosofia de empresa que Alfredo da Silva aplicou na CUF no princípio do século passado (no mínimo). E cá para nós que ninguém nos ouve, acho que os chineses também não desgostavam da ideia.

 

Post-Scriptum: É sempre salutar conhecer aqueles que, entre nós, defendem o modelo social chinês. E não me refiro ao “camarada” Jerónimo.

 

(Foto fanada no Daily Telegraph)

 

 

 

O “modelo social chinês” (o poder das Marcas)

por josé simões, em 16.06.08

 

Na minha perspectiva, o aumento de 48 para 65 horas de trabalho semanais é o que menos importa neste acordo.

 

À grande maioria das pessoas não importa a possibilidade de poder vir a ter de trabalhar mais horas, o que aliás essa mesma grande maioria já faz, quer no próprio emprego, quer em part-time fora do emprego e/ ou profissão, para conseguir compor o orçamento familiar.

 

O que importa à grande maioria das pessoas é a justa retribuição pelas horas de trabalho dispendidas; por outras palavras: trabalhar sim, mas auferir a justa compensação; ganhar dinheiro; trabalhar para aquecer não! Ora isso não acontece com as actuais 48 horas, e é de todo improvável que venha a acontecer com as 65. Sessenta e cinco horas de trabalho semanais iguais a maiores mais-valias para as marcas e para as empresas; e maiores lucros para os seus accionistas, e na proporção inversa, mais miséria e menos qualidade de vida para as populações.

 

E esta é que é uma cedência inaceitável ao “modelo social chinês”!

 

(Foto de Issei Kato via Reuters)