"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Em 1973 o Expresso referia-se aos movimentos de libertação das colónias como "terroristas"; em 2021 a televisão do militante n.º 1 - SIC Notícias, refere os terroristas islâmicos no norte de Moçambique como "insurgentes".
Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, frantic [em inglês soa melhor] numa das suas omnipresenças, à saída do edifício da Reitoria da Universidade do Porto para os jornalistas, que lhe apetece partir já para Moçambique mas que não o pode fazer sem ser convidado pelo homólogo moçambicano. O Presidente está doente e ninguém tem coragem de lhe dizer.
No intervalo do telejornal da catástrofe bíblica que castigou Moçambique passaram anúncios às barritas de chocolate, a pensos higiénicos, indetectáveis com calças justas, a camisas de Vénus de prazer interminável, para ele e para ela, ao carro do ano, a um programa de televisão onde "o prazer não é um luxo", patrocinado por umas massas e esparguetes. A alegria do capitalismo é vivermos em paz a chafurdar na merda dos outros.
Há umas imagens, terríveis, a passar nas televisões onde é possível ver uma equipa de salvamento a resgatar duas mulheres, uma mais velha e outra mais nova, possivelmente mãe e filha, refugiadas mesmo no alto da copa de uma árvore e ainda assim com água pelos joelhos, com três alguidares e meia dúzia de trapos encharcados, possivelmente aquilo a que chamam roupas, possivelmente os únicos bens que conseguiram salvar. As imagens não têm som mas pelo gesticular dá para perceber que a equipa de resgate lhes diz que só vão elas, nada de alguidares nem de trapos, e elas, pela expressão na cara, pela reacção de defesa e pelos movimentos de posse, incrédulas e relutantes em deixar para trás aquilo que lhes resta. Uma merda que qualquer um de nós compra por 50 cêntimos ou 1 € no chinês na esquina da rua e que deitamos no ecoponto por dá cá aquela palha... Miséria.
[Na imagem a população de uma localidade refugiada na bancada de um campo de futebol]
A liberalização do eucalipto levada a cabo pelo CDS, pelas mãos de Assunção Cristas em parceira com Pires de Lima, não foi suficiente [7 posts para recapitular, aqui]. Nunca seria suficiente porque a voragem depredadora dos recursos naturais comuns não tem limites. E limites tem o território nacional, que já não é do Minho a Timor. Limites tem o território nacional mesmo valendo tudo, por cima de toda a folha, persistente ou caduca. Mas é mais forte do que ele e lá teve de mandar umas bocas para se armar ao pingarelho. Não foi para Moçambique porque nos territórios ultramarinos encontra a dimensão territorial que lhe falta na Metrópole. Não. Não foi para Moçambique porque, malgrado a desvalorização do factor trabalho levada a cabo pelo Governo que não tem um modelo de baixos salários para o país, nos territórios ultramarinos a mão-de-obre continua a ser muito mais barata e por consequência a mais-valia muito maior. Não foi para Moçambique porque, malgrado a revisão do Código do Trabalho, levada a cabo pelo Governo PSD/ CDS com o aval da UGT, as leis laborais nos territórios ultramarinos são praticamente inexistentes assim como inexistente é o movimento sindical. Não foi para Moçambique porque "existe uma grande apetência por celulose na Índia e noutros mercados asiáticos", mesmo ali ao lado, diminuindo com isto os custos com os transportes. Não. Foi para Moçambique porque foi empurrado para fora de Portugal pelas preocupações ambientalistas e de ordenamento do território. Deixou de investir em Portugal se bem que nunca ninguém tenha feito o deve e o haver das promessas de investimento, do investimento efectivamente concretizado, dos postos de trabalho, directos ou indirectos, criados, comparativamente com as mais-valias arrecadadas, isenções fiscais incluídas.
Palavras para quê? É um industrial português e só usa parlapiet manhoso.
O Governo que, enquanto jura a pés juntos e com o ar mais sério do mundo, não ter um modelo chinês de baixos salários para o país enquanto os vai baixando, seja pelo aumento da carga fiscal, seja pelo aumento do horário de trabalho, seja pela eliminação de dias de descanso, seja pela baixa do valor a pagar pela hora de trabalho e pela hora de trabalho extra, seja pela caducidade das contratações colectivas, vem agora colocar os recursos naturais e ambientais do país a saque "de Lei", por cima de toda a folha, tal e qual o modelo chinês, dos baixos salários, que o Governo não quer para o país. É fartar vilanagem.
«Governo quer legalizar explorações em conflito com normas de ordenamento