"Podem ainda não estar a ver as coisas à superficie, mas por baixo já está tudo a arder" - Y. B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de Julho de 1998.
Quando nos idos do governo da troika Pedro passos Coelho meteu o camarada PSD Marco António Costa como secretário de Estado para ter o CDS Pedro Mota Soares debaixo de olho no ministério da Solidariedade e da Segurança Social e a principal preocupação do alegado "big mac" eram as "exigências e regras que o Estado impõe hoje que são exageradas e que podem ser de alguma forma diminuídas no sentido de baixar os custos de funcionamento destas instituições" que depois se traduziram num relaxamento e na permissão dada às IPSS e Misericórdias para aumentarem a capacidade de depósito de velhos, por exemplo, lar que com "as exageradas exigências e regras impostas pelo Estado" só podia receber 100 passou a receber 120 ou 130, todos muito aconchegadinhos por causa do frio, o famoso "fazer mais com menos" sempre na boca do chefe pantomineiro do pin, ninguém se preocupou com a degradação das condições nem com o problema que agora são os lares de idosos. Nem a Cavaca dos enfermeiros, nem o auditor bastonário da Ordem dos Médicos, nem o presidente do Sindicato Independente [sic e lol] dos Médicos, ex deputado do PSD, que só convoca greves e protestos da classe quando o partido está na oposição, nem a falta de memória dos jornalistas avençados nem do jornalixo do tugão.
Primeiro o Estado não devia estar presente em áreas como os lares e centros de dias, não fazia sentido, o 3.º sector, a economia social, quem está no terreno e tem relação de proximidade com as pessoas, coise e tal e o caralho, uns anos depois, quando as Misericódias e IPSS, maioritariamente colonizadas por barões do PSD e CDS, e respectivas famílias, entraram em roda livre, o Estado fracassou porque não investiu em lares e centros de dia, porque o Estado se demitiu de fiscalizar e até vamos fazer de conta que não foi o Governo do pantomineiro do pin, também conhecido por Passos Coelho, que alterou a lei por forma a duplicar a capacidade dos depósitos de velhos, um quarto individual passar a acolher duas pessoas, todos arrumadinhos em cima uns dos outros para se aquecerem no inverno que a conta da electricidade está pelas horas da morte. Um esquema todo ele montado para retirar competências ao Estado, nalguns casos até duplicar competências do Estado, mas que quando corre mal e dá para o torto, alijar responsabilidades e sacudir a água do capote para cima do... Estado. Nada de mais, todos conhecemos o modus operandi dos do "menos Estado" e da "iniciativa privada" e da "sociedade civil". A questão é que a barraca cai em cima de um governo do Partido Socialista, de "socialista" entende-se "de esquerda" e, descontando a parte que lhes toca na colonização das Misericórdias e IPSS, o mui famoso "arco da governação", não se percebe porque insistem em carregar a cruz da direita.
Gozar com a inteligência alheia é argumentar que o dinheiro das Misericórdias empatado no Montepio é "dinheiro dos pobres", é "apanhar dinheiro dos pobres para pagara imparidades da banca". Uma família de pobres, de pobres mesmo pobres, a ganhar o salário médio nacional, sublinho médio, que tente meter o pai ou a mãe com uma pensão ou reforma mínima num asilo para velhos, perdão, num lar da terceira idade propriedade de uma Misericórdia, sem ter de dar como entrada uns milhares de euros, uma casa ou uma propriedade, e sem ficar a pagar uma mensalidade no valor de muitos salários mínimos nacionais. Nas Misericórdias administradas por militantes do PSD e do CDS, nas Misericórdias centro de emprego para militantes do PSD e do CDS. São estas as alturas perfeitas para o zapping, mudar de canal para uma série qualquer onde a ficção é mesmo ficção.
E depois há aquela espécie de "albergue dos danados" que dá pelo nome de Santa Casa, com uma permilagem de directores e provedores ligados ao PSD capaz de decidir por cabazada qualquer votação em "assembleia de condomínio", com o ilustre a circular entre a presidência da Câmara e a provedoria da Casa e o regresso à Câmara, quando não acumula as duas presidências, e a aprovar, na Câmara por si presidida, os contratos com as IPSS lá do sítio, as dotações e subsídios diversos a sair do orçamento da autarquia, e mais as parcerias com Casa, Santa. Tudo na maior das normalidades democráticas.
A propina, paga em cash, em imóveis ou em propriedades para os mais ricos e para se ter acesso a um quarto ou a uma cama, as mensalidades para classe média e classe média alta em creches e infantários construídos para servir bairros sociais, e a sopinha dos pobres, rebaptizada de "cantina social", o estigma e a exclusão para os mais pobres e miseráveis.
A Igreja Católica de regresso 100 anos após instauração da República.
«As misericórdias atravessaram incólumes os últimos anos de crise económica. Apesar das persistentes queixas de falta de dinheiro, nenhuma fechou e o número de funcionários até aumentou. Actualmente são cerca de “75 mil” os colaboradores que prestam apoio a um universo da ordem das “150 mil pessoas por dia”, desde idosos em lares, crianças em creches, pessoas com deficiência e programas de apoio alimentar, como cantinas sociais»
O Governo não tem um modelo de baixos salários para o país e o Governo também não quer destruir o Estado social, só quer que ele chegue aos mais necessitados e que as instituições que estão no terreno e conhecem a realidade e as pessoas e blah blah blah sejam as intermediárias do Governo, mesmo que isso implique retroceder até à década de 50 do século passado.. Em Junho de 2011 os portugueses fizeram uma escolha. Allahu Akba.
[Imagem "A Devout Pilgrim Makes Her Devotions, Fátima, 1950" by George Pickow]
O argumento deve continuar a ser o mesmo de sempre – que são os que estão no terreno, que são os que estão mais próximos das pessoas e das comunidades, que são os que têm conhecimento de causa – e tem servido para desmantelar o Estado Social em prol de instituições, na sua grande maioria, ligadas e obedientes à Igreja Católica.
Que as pessoas tenham de entregar uma jóia, inacessível à grande maioria das pessoas, para terem um encaixe numa cama de um lar das Misericórdias e das IPSS, isso não interessa nada; que as pessoas tenham de entregar toda a, magra ou gorda, reforma para terem encaixe numa cama de um lar das Misericórdias ou das IPSS, isso não interessa nada; que as pessoas vendam ou entreguem imóveis e propriedades às Misericórdias e IPSS em forma de jóia para terem encaixe numa cama de um lar, isso não interessa nada; que o Estado ainda cubra a cama onde as pessoas foram encaixadas, com gorda ou magra reforma e com ou sem jóia e com ou sem propriedades e imóveis, por via de transferências do Orçamento do Estado aka dinheiro dos contribuintes, isso também não interessa nada.
Só não voltam a enterrar nos adros das igrejas por falta de espaço.